As Duas Cachorras

Moravam no mesmo bairro. Uma era boa e caridosa; outra, má e ingrata. A boa, como fosse diligente, tinha a casa bem arranjadinha; a má, como fosse vagabunda, vivia ao léu, sem eira nem beira.

Certa vez a má, em vespera de dar cria, foi pedir agasalho á boa.

— Fico aqui num cantinho até que meus filhotes possam sair comigo. E’ por eles que peço...

A boa cedeu-lhe a casa inteira, generosamente.

Nasceu a ninhada, e os cachorrinhos já estavam de olhos abertos quando a dona da casa voltou.

— Pódes entregar-me a casa agora?

A má pos-se a choramingar.

— Ainda não, generosa amiga. Como posso viver na rua com filhinhos tão novos? Conceda-me um novo prazo.

A boa concedeu mais quinze dias, ao termo dos quais voltou.

— Vai sair agora?

— Paciencia, minha velha, preciso de mais um mês.

A boa concedeu mais quinze dias, e ao terminar o ultimo prazo voltou; mas desta vez a intrusa, rodeada dos filhos já crescidos, robustos e de dentes arreganhados, recebeu-a com insolencia:

— Quer a casa? Pois venha toma-la, se é capaz..


Para os maus, pau!

— Otima, vóvó! exclamou a menina. Gostei. Esta fabula merece grau dez.

— E me faz lembrar o mata-pau, disse Pedrinho. O mata-pau é assim. Nasce numa arvore, todo humildezinho e fraquinho; mas vai crescendo, crescendo, e um dia estrangula a arvore que o acolheu.

Dona Benta explicou que aquela fabula punha em foco a ingratidão, sentimento muito comum entre os homens. E citou varios ingratos ali das redondezas.

— Em materia de dinheiro ha muita ingratidão assim. Um sujeito vem pedir um emprestimo. Vem de chapeu na mão, humilde como essa cachorra. Assim que se pilha servido, dá o coice.

Emilia achou otima a moralidade da fabula: “Para os maus, pau!”

— Isso mesmo! Pau no lombo deles!

— A dificuldade, Emilia, está em conhecermos quem é o mau. Eles sabem disfarçar-se. Apresentam-se como essa cachorra, todo cheios de diminutivos — um “cantinho”, uma “comidinha”, um dinheirinho”... E como havemos de adivinhar que isso é um disfarce, um preparo do terreno?

— Como? disse Emilia. E’ boa!... Pelo diminutivo. Assim que um freguês vier com “inhos”, é a gente ir pegando no pau e lascando...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.