Unha-de-Fome

Depois duma vida de miserias e privações Unha-de-Fome conseguiu amontoar um tesouro, que enterrou longe de casa, num lugar ermo, colocando uma grande pedra em cima. Mas tal era o seu amor pelo dinheiro, que volta e meia rondava a pedra, e namorava-a como o jacaré namora os seus proprios ovos ocultos na areia. Isto atraiu a atenção dum vizinho, que o espionou e por fim lhe roubou o tesouro.

Quando Unha-de-Fome deu pelo saque, rolou por terra desesperado, arrepelando os cabelos.

— Meu tesouro! Minha alma! Roubaram minha alma!

Um viajante que passava foi atraido pelos berros.

— Que é isso, homem?

— Meu tesouro! Roubaram o meu tesouro!

— Mas morando lá longe você o guardava aqui, então? Que tolice! Se o conservasse em casa não seria mais comodo para gastar dele quando fosse preciso?

— Gastar do meu tesouro?! Então você supõe que eu teria a coragem de gastar uma moedinha só, das menores que fosse?

— Pois se era assim, o tesouro não tinha para você a menor utilidade, e tanto faz que esteja com quem o roubou como enterrado aqui. Vamos! Ponha no buraco vazio uma pedra, que dá no mesmo. Que utilidade tem o dinheiro para quem só o guarda e não gasta?


— Muito certo, disse dona Benta, mas os usurarios como esse Unha-de-Fome não raciocinam como as creaturas normais. O dinheiro para eles não é para ser trocado pelas coisas que tornam agradavel a vida — é para ser acumulado. O maior prazer desses homens consiste em saber que possuem tesouros.

— Pois acho que eles estão certos, disse Emilia. O que é de gosto regala a vida, como diz tia Nastacia. Se o meu gosto é namorar o dinheiro em vez de gasta-lo, ninguem tem nada a ver com isso.

— Mas o dinheiro é uma utilidade publica, Emilia, e ninguem tem o direito de retira-lo da circulação. Quem faz isso prejudica aos outros.

— Sebo para a circulação! gritou Emilia, que tambem era avarenta. Aquele celebre tostão novo que ela ganhou estava guardadissimo. Sabem onde? No pomar, enterrado junto á raiz da pitangueira...



Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.