Segredo de Mulher

Como a Fidencia se gabasse de discreta, seu marido resolveu tirar a prova. E para isso uma noite acordou-a com ar assustado, dizendo:

— Que estranho fenomeno, Fidencia. Pois não é que acabo de botar um ovo?

— Um ovo?! exclamou a mulher, arregalando os olhos.

— Pois é para vêr. E cá está ele, ainda quentinho. Mas escute: é preciso que isto fique em segredo absoluto entre nós. Você bem sabe como é o mundo. Se a noticia corre, começam todos a troçar de mim e acabam pondo-me apelido. Segure, pois, a lingua. Nunca diga nada a ninguem.

A mulher jurou segredo e soube guarda-lo por umas horas, enquanto era noite e não tinha com quem taramelar. Mas logo que amanheceu pulou da cama e foi correndo em procura da comadre Teresa.

— Você é capaz, Teresa, de guardar um segredo eterno?

— Toda gente sabe que minha boca é um tumulo...

— Pois então ouça: meu marido esta noite botou dois ovos!...

— Não diga!...

— Pois é isso. Mas, olhe!... Isto é segredo inviolavel. Jure que jamais o contará a ninguem.

A comadre Teresa beijou dois dedos em cruz; mas logo que a Fidencia se foi, sentiu na lingua uma tal comichão que contou a historia dos tres ovos á tia Felizarda.

Tia Felizarda tambem jurou segredo, mas contou a historia dos quatro ovos á prima Joaquina.

Prima Joaquina tambem jurou segredo, mas contou a historia dos cinco ovos á sua amiga Ignês.

A Ignês...

E o caso foi que ao meio-dia a cidade inteira só comentava uma coisa — o estranho fenomeno do Zé Galinha, misterioso homem que punha cada noite doze duzias de OVOS...



— Isso de contar um conto e aumentar um ponto é ali com a senhora Emilia, observou a menina.

— Um ponto só? Ah, ah! A Emilia vai logo aumentando dez... caçoou Pedrinho.

O visconde explicou que ha para isso uma razão psi-co-lo-gi-ca.

— E’ para melhor acentuar o fato, disse ele. Contar uma coisa é passar essa coisa duma cabeça para outra. E como nessas passagens ha sempre perda (como na corrente eletrica que vai de um ponto a outro), o contador exagera. Exagera sem querer, por instinto.

— Eu não exagero, disse Emilia. Apenas enfeito.

— Pois então exagera, porque enfeitar é exagerar, explicou o visconde. E voltando-se para Emilia: “Pode botar a lingua...”

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.