A Garça Velha

Certa garça nascera, crescera e sempre vivera á margem duma lagoa de aguas turvas, muito rica em peixe. Mas o tempo corria e ela envelhecia. Seus musculos cada vez mais emperrados, os olhos cansados — com que dificuldade ela pescava!

— Estou mal de sorte, e se não tópo com um bom viveiro de peixes em aguas bem limpidas, certamente que morrerei de fome. Já se foi o tempo feliz em que meus olhos penetrantes zombavam do turvo desta lagoa...

E de pé num pé só, o longo bico pendurado, pôs-se a matutar naquilo até que lhe ocorreu uma idéia.

— Caranguejo, venha cá! disse ela a um caranguejo que tomava sol á porta do seu buraco.

— Ás ordens. Que deseja?

— Avisar a você duma coisa muito séria. A nossa lagoa está condenada. O dono das terras anda a convidar os vizinhos para assistirem ao seu esvaziamento e o ajudarem a apanhar a peixaria toda. Veja que desgraça! Não vai escapar nem um miseravel guarú.

O caranguejo arrepiou-se com a má noticia. Entrou na agua e foi conta-la aos peixes.

Grande reboliço. Graúdos e pequeninos, todos começaram a pererecar ás tontas, sem saberem como agir. E vieram para a beira d’agua.

— Senhora dona do bico longo, dê-nos um conselho, por favor, que nos livre da grande calamidade.

— Um conselho?... e a matreira fingiu refletir. Depois respondeu: Só vejo um caminho. E’ mudarem-se todos para o poço da Pedra Branca.

— Mudar-nos como, se não ha ligação entre a lagoa e o poço?

— Isso é o de menos. Cá estou eu para resolver a dificuldade. Transporto a peixaria inteira no meu bico.

Não havendo outro remedio, aceitaram os peixes aquele alvitre — e a garça os mudou a todos para o tal poço, que era um tanque de pedra, pequenino, de aguas sempre limpidas e onde ela sossegadamente poderia pesca-los até o fim da vida.

Ninguem acredite em conselho de inimigo.

— Eu não acredito nem em conselhos de amigos quanto mais de inimigos, disse Emilia. Não quero que me aconteça o que aconteceu com o coronel Teodorico.

Ninguem entendeu. Emilia explicou:

— Ele foi para o Rio de Janeiro depois da venda das terras e acabou sem vintem. Por que? Porque acreditou nos conselhos dos amigos do seu dinheiro. Até bondes o burrão comprou! Eu, quando me dão algum conselho, fico pensando comigo mesmo: “Onde é que está o gato?” Porque ha sempre um gato escondido dentro de cada conselho.

Dona Benta arregalou os olhos. Como estava ficando sabida aquela diabinha!

— E em que você acredita, então? perguntou o Visconde.

Emilia respondeu:

— No meu miolo. Não vou em onda nenhuma, nem de inimigo nem de amigo. Cá comigo é ali na batata do calculo...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.