Tolice de Asno
Um asno pedantissimo atormentava a paciencia dum pobre burro de carroça, desses que reconhecem o seu lugar na terra. Zurrava, declamava, provava que era ele um talento de primeira grandeza e sabio como nunca apareceu outro no mundo.
O burro ouvia, de orelhas murchas, pastando. O asno danou.
— Que bronco tu és, amigo! Falo e não me respondes! Zurro ciencia e tu pastas! Vamos! Dize alguma coisa! Contraria-me, contesta-me as opiniões, que estou a arder por uma polemica. Do contrario envergonhar-me-ei de ter-te como irmão na forma e na côr.
Um macaco que tudo ouvia lá num galho não se conteve e disse:
— O mundo está perdido! Esta besta a fazer-se de sabio, a zurrar centenas de asneiras e o burro a engulir tudo caladinho...
O burro abanou as orelhas e respondeu com a citação do verso de Bocage:
— Aposto que esse burro era o nosso Conselheiro, disse Emilia e o asno não pode ser outro senão o coronel Teodorico.
Emilia não perdoava ao coronel o arzinho de superioridade com que ele a tratou naquela prosa contada nos SERÕES DE DONA BENTA.
— E quem é esse Bocage, vóvó? perguntou a menina.
— Um velho poeta português, notavel pelas suas agudezas.
— E que é agudeza? quis saber Pedrinho.
— E’ filosofia com graça, meu filho. Emilia, por exemplo, tem ás vezes excelentes agudezas...
Emilia derreteu-se toda.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.