As Duas Panelas

Duas panelas, uma de ferro, orgulhosa, outra de barro, humilde, moravam na mesma cozinha; e como estivessem vazias, a bocejarem de vadiação, disse a graúda:

— Bela tarde para um giro pela horta! A cosinheira não está, e até que venha teremos tempo de dizer adeus á alface e fazer uma visita aos repolhos. Queres ir?

— Com todo o prazer!... respondeu a panela de barro, lisonjeadissima da honrosa companhia.

— Dá-me o braço então, e vamo-nos depressa antes que “ela” venha.

Assim fizeram, e lá se foram as duas, desajeitadonas, gingando os corpos ventrudos, cheias de amabilidades para com as hortaliças. “Bom dia, dona Couve!” “Comendador Repolho, como passa?” “Coentrinho, adeus!”

No melhor da festa, porém, a panela de ferro falseou o pé e esbarrou na amiga.

— Ai que me trincas! exclamou esta.

— Não foi nada, não foi nada

— Uns passos mais e novo choque.

— Ai que me desbeiças, amiga!

— Em casa arruma-se, não é nada.

Minutos depois, terceiro esbarrão, este formidavel.

— Ai! Ai! Ai! Fizeste-me em pedaços, ingrata!... e a misera panela de barro caiu por terra a gemer, reduzida a cacos.


Sempre que o fraco se associa ao forte, sai trincado, desbeiçado, despedaçado...



— A moralidade desta fabula tambem podia ser o tal “Lé com lé, cré com cré”, lembrou Pedrinho.

— Exatamente, meu filho. Se tivessem saido a passeio duas panelas de ferro ou duas panelas de barro, nada teria acontecido.

— Se fosse escrever essa fabula, berrou Emilia, eu punha uma moralidade diferente.

— Qual?

— Fé com fé, bá com bá.

Todos acharam engraçadinho.



Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.