Liga das Nações

Gato-do-mato, jaguatirica e irára receberam convite da onça para constituirem a Liga das Nações.

— Aliemo-nos e cacemos juntos, repartindo a presa irmãmente, de acordo com os nossos direitos.

— Muito bem! exclamaram os convidados. Isso resolve todos os problemas da nossa vida.

E sem demora puseram-se a fazer a experiencia do novo sistema. Corre que corre, cérca daqui, cérca dali, caiu-lhes nas unhas um pobre veado. Diz a onça:

— Já que somos quatro, toca a reparti-lo em quatro pedaços.

— Otimo!

Repartiu a presa em quatro partes e, tomando uma, disse:

— Cabe a mim este pedaço, como rainha que sou das florestas.

Os outros concordaram e a onça retirou a sua parte.

— Este segundo tambem me cabe porque me chamo onça.

Os socios entreolharam-se.

— E este terceiro ainda me pertence de direito, visto como sou mais forte do que todos vós.

A irára interveio.

— Muito bem. Ficas com tres pedaços, concordamos (que remedio!); mas o quarto tem que ser dividido entre nós.

— Ás ordens! exclamou a onça. Aqui está o quarto pedaço ás ordens de quem tiver a coragem de agarra-lo.

E arreganhando os dentes assentou as patas em cima.

Os tres companheiros só tinham uma coisa a fazer: meter a cauda entre as pernas. Assim fizeram e sumiram-se, jurando nunca mais entrarem em Liga das Nações com onça dentro.


— Chega de fabulas, vóvó! disse Pedrinho. Já estamos empanturrados. A senhora precisa nos dar tempo de digerir tanta sabedoria popular. Estou com a cabeça cheia de “moralidades”.

Dona Benta concordou. Tudo tem conta, e a maior sabedoria da vida é usar e não abusar. Mas, querer o saber se tinham aproveitado a lição, disse:

— Muito bem. Vamos agora ver se não perdi meu tempo. Que é que você conclue de tudo isto, Pedrinho?

— Concluo, vóvó, que as fabulas, mesmo quando não valem grande coisa, têm sempre um merito: são curtinhas...

— Muito bem. E você, minha filha?

— Para mim, vóvó, as fabulas são sabidissimas. No momento a gente só presta atenção á fala dos animais, mas a moralidde nos fica na memoria e de vez em quando, sem querer, a gente aplica “el cuento”, como a senhora diz.

— Muito bem. E você, Emilia?

— Eu acho que as fabulas são indiretas para um milhão de pessoas. Quando ouço uma, vou logo dando nome aos bois: este mono é o tio Barnabé; aquele asno carregado de ouro é o coronel Teodorico; a gralha enfeitada de penas de pavão é a filha de Nhá Véva. Para mim, fabula é o mesmo que indireta.

Dona Benta voltou-se para o visconde.

— E que pensa das fabulas, visconde?

O sabuguinho assoprou e disse:

— Na minha opinião, as fabulas mostram só duas coisas: 1.º) que o mundo é dos fortes; e 2.°) que o unico meio de derrotar a força é a astucia. Essa da Liga das Nações, por exemplo. Os animais formaram uma liga, mas que adiantou? Nada. Por que? Por que lá dentro estava a onça, representando a força e contra a força de nada valeram os direitos dos animais menores. Bem que a irára fez ver o direito desses animais menores. Mas nada conseguiu. A onça respondeu com a razão da força. A irára errou. Em vez de alegar direito, devia ter recorrido a uma esperteza qualquer. Só a astucia vence a força. Emilia disse uma coisa muita sabia em suas Memorias...

— Que foi que eu disse? perguntou Emilia, toda assanhadinha e importante.

— Disse que se tivesse um filho só lhe dava um conselho: “Seja esperto, meu filho!” Se não fosse a esperteza, o mundo seria duma brutalidade sem conta...

— Seria a fabula do Lobo e o Cordeiro girando em redor do sol que nem planeta, com todas as outras fabulas girando em redor dela que nem satelites, concluiu Emilia dando um pinote.

Dona Benta calou-se, pensativa.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.