humilde
Um asno pachola e pedantissimo atormentava a paciencia dum humilde burro de corroça, desses que reconhecem o seu lugar na terra. Zurrava o asno, declamava, provava que era elle um talento de primeira grandeza, e sabio como nunca appareceu igual no mundo.
O outro, quieto, ouvia, de orelhas murchas, pastando.

— Que bruto és, amigo! Falo e não me respondes! Zurro sciencia pura e tu pastas! Vamos! Dize alguma coisa! Contraria-me, contesta-me as opiniões, que estou a arder por uma polemica. Do contrario envergonhar-me-hei de ter-te como irmão na fórma e na côr.
Um macaco, que tudo ouvia, comendo bananas num galho de pão, não se conteve e desfechou uma gargalhada.
— O mundo está perdido ! Esta besta a fazer-se de sabio, a zurrar centenas de asneiras e o auditorio a engulir tudo, caladinho...
O burro humilde replicou:
— Não zombes do coitado— porque é um coitado, não vês? Quanto a mim faço bem em não responder. O poeta Bocage ensinou-me estes versinhos que são profundamente verdadeiros:
Um tolo só em silencio
E' que se póde soffrer...


Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

