XVII

Castigo do Orgulho


Em tempos que lá vão, quando a Teologia
Estava no apogeu da seiva e da energia,
Conta-se que um doutor, d’entre os mais eminentes
— Depois de avassalar peitos indiferentes,
Lançando a jorros luz na escuridão agreste;
Depois de enveredar, para a glória celeste,
Por caminhos por onde haviam ’té então
Apenas transitado as almas de eleição,
Como quem sobe á altura, e fica estonteado,
Orgulhoso, clamou n’um satânico brado:

— Ó mísero Jesus! levantei-te bem alto!
«Mas, se em vez de exaltar-te, assim como te exalto,
«Rebaixar te quisera, ó pobre corpo morto,
«Não serias um deus, mas sim risório aborto!»

Logo a luz da razão ao doutor se apagou,
Como radiante sol que denso veu nublou;
Fez-se um medonho cáos n’aquela inteligência,
Templo vivo que foi de método e opulência.
Onde tanto esplendor mostrara o seu clarão,
A treva e o silêncio abrigaram-se então,
Como no mausoleu d’uma raça extinguida.

Como animal vadio, arrastou-se p’la vida,
Sem ouvir, sem olhar, por atalhos sombrios,
Sem saber distinguir invernos nem estios;
Inutil, sujo, feio, em seus andrajos rotos,
Provocando a pedrada e as váias dos garotos!