XLV
Reversibilidade
¿Ó anjo do prazer, conheces a apatia,
As agruras moraes p’ra que não ha remédio;
A vergonha, o remorso, as angústias, o tédio,
Maltrindo o coração como garras de harpia?
Ó anjo do prazer, conheces a apatia?
¿Ó anjo da bondade, imaginas o ódio,
Punhos em crispações, e lágrimas de sangue,
Quando a Vingança invade a nossa alma exangue,
Apunhalando o Bem, nosso anjo custódio?
O anjo da bondade, imaginas o ódio?
¿Ó anjo da saúde, ignoras o delírio,
As febres cerebraes, a vida hospitalar,
A triste enfermaria escura e falta de ar,
A palidez que á morte imprime a luz d’um cirio?
Ó anjo da saúde, ignoras o delírio?
¿O anjo da beleza, enxergas tu as cans,
As rugas da velhice, o amargoso suplicio
De lermos o fastio, o horrível sacrifício,
No olhar que iluminou nossas quadras louçans?
Ó anjo da beleza, enxergas tu as cans?
— O meu anjo do amor, da luz e da alegria,
David, a agonizar, a saúde rogara
Ao teu corpo gentil, que não lh’a recusara;
As tuas orações, porém, eu só queria,
O meu anjo do amor, da luz e da alegria!