Galeria dos Brasileiros Ilustres/Marquês de Barbacena

Felisberto Caldeira Brant, visconde e marquês de Barbacena, senador do Império, conselheiro de estado, gentil homem da imperial câmara, mordomo-mor da imperatriz a Sra D. Amélia (hoje duquesa de Bragança), alcaide-mor da vila de Jaguaripe, cavaleiro da ordem de Pedro I, grã-cruz das ordens do Cruzeiro e Rosa, comendador da ordem de Cristo, cavaleiro da Torre da Espada, grã-Cruz da Coroa de Ferro, marechal de exército, membro de várias sociedades científicas e literárias no Brasil e na Europa, nasceu a 19 de setembro de 1772, no arraial de S. Sebastião, perto da cidade de Mariana, na província de Minas Gerais.

Foi filho legítimo do coronel Gregório Caldeira Brant e sua mulher D. Ana Francisca de Oliveira Horta, neto paterno do coronel Felisberto Caldeira Brant, contratador geral dos diamantes e do ouro naquela província, e de D. Branca de Almeida Lara; neto materno do coronel José Caetano Rodrigues Horta e D. Inácia Pires de Almeida. A família paterna do marquês de Barbacena é oriunda de Utrecht, na Holanda, e seu bisavô Ambrósio Caldeira Brant veio estabelecer-se no Brasil em 1700.

Tendo concluído os seus estudos preparatórios em Minas, Felisberto Caldeira Brant veio para o Rio de Janeiro em 1786, onde teve de passar com outros seus colegas por um exame público em presença do governador e capitão-general, que então era Luís de Vasconcelos, e tão notável foi esse seu exame de humanidades, que o governador para dar-lhe uma prova de distinção e agrado mandou-o convidar para jantar com ele naquele dia. Depois de assentar praça de cadete, embarcou para Lisboa em 1788, e foi ali continuar os seus estudos sob a direção de seu tio Manuel José Pires da Silva Pontes, lente da academia de marinha naquela cidade, e, por gratidão e reconhecimento aos bons conselhos e direção do mesmo seu tio, adotou o sobrenome de Pontes, de que sempre usou até ser titular. Entrou para o colégio dos nobres em Lisboa, e depois de ter satisfeito os exames preparatórios necessários para matricular-se na academia de marinha, aí continuou os seus estudos, sempre com a maior distinção e sucesso, como se vai ver pelo seguinte fato.

Aconteceu que nessa época o célebre Martinho de Melo, ministro dos negócios de ultramar em Portugal, resolvendo reformar a academia de marinha e procurando meios de excitar os alunos ao estudo, ordenou que aos estudantes que fossem premiados se conferissem postos de acesso. Tal e tão brilhante foi, pois, a carreira escolar de Felisberto Caldeira Brant, que no fim dos cinco anos do curso, e tendo apenas dezenove de idade competia-lhe já o posto de capitão-de-mar-e-guerra, pelos prêmios que havia obtido. O governo português, porém, entendendo que não convinha dar-lhe um tão elevado posto em tão tenra idade, passou-o a seu pedido para o exército, sendo logo nomeado major do estado-maior e ajudante de ordens de D. Miguel de Melo, governador de Angola, com a obrigação de aí servir por dois anos.

Estando em Angola, apareceram ali dois corsários franceses que incomodavam os portos de Angola e Benguela. Então o jovem major ajudante-de-ordens ofereceu-se para comandar as duas embarcações de guerra que ali existiam, e sair com elas a dar caça aos corsários; e tão bem-sucedido foi no desempenho desta comissão que os afugentou para longe e nunca mais apareceram, sendo seus serviços reconhecidos e premiados pelo governo com a mercê do hábito de Cristo.

Terminados os dois anos de sua residência em Angola, voltou a Lisboa, passando pela Bahia, onde demorou-se alguns meses, e contratou o seu casamento com D. Ana Constança Guilhermina de Castro Cardoso. Seguindo para Lisboa, voltou depois à Bahia, nomeado tenente-coronel do regimento de 1ª linha daquela cidade, e então efetuou o seu casamento a 27 de junho de 1801, nascendo-lhe deste consórcio quatro filhas e dois filhos, dos quais somente lhe sobrevivem dois filhos e uma filha, que são os Srs. conde de Iguaçu e visconde de Barbacena, e a Srª viscondessa de Santo Amaro.

A casa de seu sogro Antônio Cardoso dos Santos era uma das principais casas comerciais da praça da Bahia, possuindo já uma considerável fortuna, que ficou desde logo à disposição de seu genro. Nestas circunstâncias e conhecendo bem as grandes vantagens do comércio, estabeleceu ele novas relações comerciais, e as entreteve com diferentes praças do mundo, sem contudo abondonar a sua vocação e carreira militar.

Convencido das grandes vantagens da introdução da vacina no país, e tendo tentado debalde mandar vir o pus vacínico em lâminas, resolveu em 8 de agosto de 1804 mandar a Lisboa sete moleques seus escravos, acompanhados de um cirurgião no navio Bom Despacho, para serem aí vacinados alguns, devendo, durante a viagem, passar o pus de uns para os outros, a fim de poderem chegar à Bahia em estado de continuar a programação. Felizmente por este modo, e não poupando sacrifícios nem despesas, conseguiu ele que chegasse o pus vacínico em perfeito estado, e desde logo foi a vacina propagada na Bahia, sendo daí remetida para o Rio de Janeiro e Pernambuco. Cabe-lhe portanto a glória de ter sido o introdutor de tão útil descoberta no país, a expensas suas.

Em novembro de 1805, chegando à Bahia a esquadra inglesa do almirante Popham com destino a Buenos Aires, trazendo a seu bordo dez mil homens de tropas e tendo necessidade de dinheiro para reparos e fornecimentos, não achou no comércio daquela praça quem lhe quisesse adiantar a soma necessária. Então o tenente-coronel Felisberto Caldeira Brant (a quem desde agora chamaremos sempre o marquês de Barbacena, posto que ainda o não fosse, para uniformidade desta narração) resolveu prestar esse auxílio à esquadra inglesa, e adian-tou-lhe a quantia de 67:000$ em moeda forte sem juro algum, recebendo para seu pagamento letras sobre o tesouro inglês. Alguns meses depois recebeu o marquês de Barbacena um ofício do almirantado inglês em que em nome do seu governo se lhe agradecia aquele importante serviço prestado à esquadra do almirante Popham, e assegurando-lhe que em qualquer ocasião o governo inglês lhe retribuiria tão grande obséquio.

Já nesse mesmo ano havia o marquês obsequiado na cidade da Bahia ao príncipe Jerônimo Bonaparte, que ali aportara numa esquadra francesa, pouco antes de chegar a esquadra inglesa, e dele recebera em agradecimento uma espada e alguns outros presentes. Este distinto acolhimento de estrangeiros tão notáveis produziu algum ciúme no espírito do governador o conde da Ponte, e então o marquês, para evitar desavenças, decidiu passar-se com toda a sua família para Lisboa, o que realizou.

Chegando a Lisboa, alugou o marquês o palácio do conde da Ega para residir, e o governo o nomeou tenente-coronel do regimento de Peniche; acontecendo porém a partida da família real para o Brasil veio nessa mesma ocasião o marquês com sua família, ficando porém na Bahia, onde tinha suas propriedades.

Sendo nomeado, em 1811, brigadeiro graduado e inspetor-geral das tropas da Bahia, procurou logo disciplinar os corpos de linha e milícias às quais deu uma nova organização. Levantou uma planta militar da província, designando o espaço ocupado pelos diferentes corpos, assim como da província de Sergipe, que então era uma comarca da Bahia. Cuidou de melhorar a sorte do soldado no aquartelamento e rancho, e fundou o montepio para os oficiais. Nesse mesmo ano estabeleceu no arsenal de guerra uma fábrica de armas de fogo, mandando vir espingardeiros de Sergipe. Em 1812 mandou fazer a expensas suas uma estrada de S. Jorge dos Ilhéus ao arraial da Conquista, com a extensão de 42 léguas empregando nestes trabalhos 240 escravos de suas fazendas, e concluindo a estrada em 1815, em que desceram já por ela boiadas, algodões e muitos outros produtos daqueles sertões: neste mesmo ano foi nomeado correspondente do Banco do Brasil na praça da Bahia.

Em 1813 introduziu o marquês na província a primeira máquina de vapor para moer canas, fazendo-a assentar e trabalhar no engenho de seu cunhado o coronel Antônio Cardoso dos Santos. Em 1815 veio ao Rio de Janeiro como representante dos principais proprietários da província, trazendo uma representação com numerosas assinaturas, pedindo medidas enérgicas contra a insurreição dos escravos que, iludidos com a proteção do governador, tinham-se levantado já algumas vezes causando grandes prejuízos e desgraças. O governo atendeu às razões dos peticionários, e expediu ordens no sentido da representação, sendo este um grande serviço prestado à província da Bahia naquela época.

A 2 de janeiro de 1817, por diligência e esforços do marquês, instalou-se também a caixa de descontos, na Bahia, filial do Banco do Brasil, sendo diretores ele, Pedro Rodrigues Bandeira e Manuel João dos Reis.

Durante a revolução de Pernambuco naquele ano, prestou muitos serviços pessoais ao governo, e emprestou mesmo uma escuna para conduzir petrechos bélicos. A província da Bahia deve-lhe também por esta ocasião um assinalado serviço que ele lhe prestou, e de que não podemos aqui fazer menção pela brevidade desta notícia; sendo certo que aos esforços e bons ofícios do marquês de Barbacena deve ela o não ter sido também envolvida no flagelo da guerra civil que assolou a de Pernambuco, sem comprometimento de pessoa alguma.

Em 1818 encomendou o marquês para Inglaterra uma máquina de vapor para mover um barco que foi mesmo construído na cidade da Bahia o qual fez a sua primeira viagem à Cachoeira no dia 4 de outubro de 1819, levando a seu bordo o governador e muitas pessoas gradas, o marquês e os seus sócios nesta empresa, o negociante Pedro Rodrigues Bandeira, e o capitão-mor Manuel Bento de Sousa Guimarães. O novo barco de vapor continuou suas viagens para os portos do recôncavo da província, até que se arruinou, e com ele a idéia de sua introdução, que foi devida unicamente ao marquês de Barbacena.

Em 1821, tendo íntimas relações de amizade com os principais agentes da revolução que rebentou naquela cidade a 10 de fevereiro desse ano, pôde convencer-se de que o plano vindo de Lisboa era para reassumir a antiga preponderância e iludir os brasileiros com frívolas promessas de liberdade. Assim sendo convidado para fazer parte do clube diretor, recusou, e disse aos tais agentes que, segundo ouvira ao conde de Palmela, estava persuadido, de que el-rei Sr. D. João VI pretendia dar uma constituição aos seus Estados, e que então lhe parecia melhor que se esperasse o resultado do movimento no Rio de Janeiro. Mas esses senhores, que depois fizeram a desgraça da Bahia, a nada atenderam, e assentaram em cumprir a todo transe as ordens da corte de Lisboa.

No dia 10 de fevereiro, tendo-se reunido muita gente no forte de S. Pedro, quartel do regimento de artilharia, e aparecendo também grande quantidade de povo na praça de palácio, mandou o governador conde de Palma chamar o marquês, e ordenou-lhe que fosse examinar o estado daquele regimento. O marquês disse ao major Hermógenes que o acompanhasse com duas companhias de infantaria, e aproximando-se ao fim da Rua das Mercês, que conduz ao largo onde está o forte de S. Pedro, observou uma peça de artilharia postada e um destacamento com um oficial. Mandou então fazer alto à tropa que o acompanhava, e marchou ele só com o seu pajem para indagar do oficial que comandava a peça e o destacamento o fim para que ali estava. Apenas porém se foi aproximando, o oficial mandou dar fogo à peça, escapando o marquês milagrosamente, tendo levado uma bala na espada, outra no chapéu, o seu cavalo tantas, que à pequena distância caiu morto, assim como o seu pajem, que morreu também no conflito. As duas companhias sofreram consideravelmente, perdendo o seu comandante e vários soldados.

Voltando ao palácio, o marquês disse ao governador que a revolução havia rebentado, e que achava melhor aquiescer a ela do que deixar derramar mais sangue. Dirigiram-se então todos para a casa da câmara, onde já se achava reunido um grande número de pessoas, tendo os agentes da revolução concordado de antemão em fazer lavrar uma ata para os fins que tinham em vista, conforme as instruções recebidas de Lisboa. Nesta ocasião apareceram muitas invectivas contra o marquês, e com dificuldade permitiram que ele ali estivesse.

Dando-se começo à leitura da ata, viu o marquês que nela se prometia obedecer à Constituição que se fizesse em Portugal. Então pediu ele a palavra, e disse que, uma vez que se sacudia o jugo do governo despótico, entendia que a maior conveniência do Brasil era separar-se logo de Portugal e fazer a sua Constituição. O partido português, que se achava presente e dirigia o movimento, exacerbou-se muito com estas opiniões do marquês, e fez reprovar a idéia. Continuando a leitura da ata, estava também expressamente declarado nela que o Brasil aceitava sua sujeição a Portugal. O marquês pediu de novo a palavra, e observou que, visto mais não poder ser, aos menos se substituísse a palavra "sujeição" por "adesão", o que foi geralmente aceito e aplaudido.

Estas inspirações patrióticas do marquês de Barbacena produziram grande efeito no espírito e nos corações dos brasileiros que se achavam presentes, e apesar de sua exasperação e ódio, o partido português viu-se obrigado a transigir, e desde esse momento aplacou algum tanto as suas iras contra o marquês, que parecia apoiado pelos seus compatriotas; chegando até os próprios membros do futuro governo provisório a pedirem-lhe que os coadjuvasse no desempenho de sua missão. É admirável a fortaleza da alma e a elevação do patriotismo do marquês de Barbacena nestes momentos críticos: pois apesar de ter recebido um tiro de metralha, ouvindo sibilar as balas em todas as direções, apesar de ter perdido o seu cavalo e o seu pajem, e chegando à casa da câmara ameaçado de ser lançado pela janela fora e insultado com todos os epítetos injuriosos, contudo sua coragem nada sofreu, nem seu ânimo vacilou: patriota em alto e puro grau, ele entreviu o futuro político do seu país, e, resolvido a cumprir o seu dever de cidadão a todo transe, expôs com clareza e decisão as idéias que pareciam convenientes à sua pátria.

Voltando para sua casa, e apesar de aceitar o fato consumado, ainda assim continuaram os seus inimigos a tentar contra sua vida, do que teve várias denúncias. Isto o determinou a abandonar a Bahia, o que fez me-tendo-se a bordo de uma fragata inglesa que partia para o Rio de Janeiro.

Chegando ao Rio de Janeiro, apresentou-se ao governo, e rebentando poucos dias depois a revolução, ordenou uma notabilidade dessa época que o marquês ficasse preso em sua casa com sentinela à porta. Ele pediu então licença para retirar-se para Inglaterra a tratar de sua saúde, e efetivamente para ali partiu em um navio mercante. Chegando a Londres, o marquês não foi bem recebido pelos corifeus da revolução, que o acusavam dos acontecimentos da Bahia, julgando-se eles com o direito de dirigir a marcha futura deste país no interesse da corte de Lisboa. Entre esses corifeus distinguia-se o célebre redator do jornal O Português.

Continuou por algum tempo o marquês a residir em Londres, ocupando-se da educação de seus filhos e de alguns melhoramentos para as propriedades agrícolas que possuía no Império; e, logo que o Sr. D. Pedro I resolveu ficar no Brasil e declarar a sua independência, abriu o marquês uma correspondência ativa com o ministro José Bonifácio de Andrada, oferecendo-lhe sua pessoa e bens para o serviço do seu país. Foi nesta ocasião que o marquês teve a idéia de apresentar ao governo inglês a carta que havia recebido do almirantado agradecendo-lhe os serviços prestados à esquadra inglesa na Bahia em 1805, pedindo-lhe uma

conferência particular. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Inglaterra, Mr. Canning, não podia receber o marquês em caráter público, mas recebeu-o em qualidade particular e como um cidadão distinto, e testemunhou-se todo o desejo que tinha de o obsequiar e recompensá-lo por aquele serviço, escrevendo-lhe freqüentemente e dando-lhe muitas facilidades para poder ele auxiliar o governo brasileiro. O marquês declarou ao ministro inglês que se dava por satisfeito, e aceitaria como a maior paga do serviço a que ele audia, conseguindo a segurança e o reconhecimento da independência do Brasil.

Nestas intenções escreveu o marquês a todos os brasileiros notáveis por qualquer título, convidando-os a voltar para o Brasil, e oferecendo-lhes meios de transportes e auxílios. Conhecendo também pela correspondência oficial que havia no Brasil falta de marinheiros e de oficias, e de muitas outras coisas, mandou à sua custa marinheiros e oficiais engajados, empenhando não só tudo quanto tinha, mas até pedindo emprestadas algumas somas que lhe faltavam. Entre esses oficiais veio o atual almirante Grenfell.

Animou alguns negociantes a remeterem petrechos bélicos, e fez tudo quanto esteve ao seu alcance para coajuvar o governo do Sr. D. Pedro I.

Em 1823 voltou ao Rio de Janeiro como deputado à Assembléia Constituinte pela província da Bahia, mas pouco depois foi a mesma assembléia dissolvida. Convidado nessa época para a pasta da guerra e marinha, recusou. Parecendo-lhe que o melhor meio para chegar a um bom resultado prático seria aceitar a constituição oferecida pelo Imperador o Sr. D. Pedro I, foi à Bahia promover esta aceitação, e de fato conseguiu o seu desejo. S. M. I. agradeceu-lhe este serviço, e por este tempo, pouco mais ou menos, recebeu ele o título de visconde de Barbacena, sendo poucos anos depois elevado a marquês do mesmo título. Daí partiu ele para Londres a negociar um empréstimo para o governo, e tratar do reconhecimento definitivo da nossa independência. O empréstimo realizou-se com condições muito vantajosas para o país, tanto no preço, como pela qualidade dos capitalistas que o fizeram, e que ainda hoje sustentam o nosso crédito naquela praça.

Tendo o governo português nomeado um plenipotenciário para tratar com os plenipotenciários brasileiros, que eram o marquês de Barbacena e o visconde de Itabaiana, sobre o reconhecimento da independência do Brasil, não foi possível chegar a um acordo; mas o governo inglês, desejando que o reconhecimento tivesse lugar, porque assim convinha aos seus interesses, mandou Sir Charles Stuart a Lisboa, donde veio para o Rio de Janeiro, e aí se fez o tratado do reconhecimento da independência.

Voltando o marquês de novo ao Rio de Janeiro, foi eleito senador por três províncias ao mesmo tempo, pelas províncias de Minas, Bahia e Alagoas. O Imperador escolheu-o pela província das Alagoas, em 19 de abril de 1826, data da organização primitiva do senado brasileiro.

Em fins deste mesmo ano foi nomeado general-em-chefe do exército do Sul, mas só tomou o comando do exército em janeiro de 1827. Nos ofícios que dirigira ao ministro da Guerra pinta o marquês o estado lastimoso em que achara o exército, a nudez dos soldados, a falta de cavalhada e munições, o hospital sem camas, e finalmente a mais completa falta de recursos, pedindo se lhe mandasse fornecer de tudo quanto era preciso. O marquês deu as providências que estavam ao seu alcance, e mandou reunir a esquerda do exército que se achava a oitenta léguas do centro.

Não tendo cavalaria, e espalhando-se a notícia da invasão da província do Rio Grande pelo General Alvear, cuidou o marquês em tomar posição em algum terreno montanhoso, para poder resistir ao inimigo, que tinha grande força de cavalaria. Reunindo-se o general Brown e o general Barão do Serro Largo, montou a força do nosso exército a 6.600 praças das diversas armas e paisanos armados. A idéia de que o inimigo se retirava, ou antes fugia diante de nós, produziu um falso entusiasmo nas nossas tropas, que mostravam-se desejosas de atacar o inimigo. O marquês pretendia aumentar o seu reforço antes de o fazer; mas convocando um conselho militar sobre este assunto, foram todos de opinião que se atacasse o inimigo quanto antes. O marquês, informado da retirada do inimigo, encarregou o Coronel Bento Manuel Ribeiro que se conservasse à vista dele, para informar ao general do que se passasse; e para melhor desempenhar esta comissão o dito coronel escolheu 800 soldados bem montados. No dia 18 de fevereiro participou o coronel Bento Manuel Ribeiro ter havido um pequeno choque com a retar-guarda do inimigo, perdendo este 50 homens. No dia 19 marchou o exército imperial em procura do inimigo que se dirigia para o paço do Rosário; e no dia 20 pela manhã avistaram-se os dois exércitos. O marquês reconheceu o campo e fez as suas disposições para o combate, dando o comando da divisão ligeira ao general Barão do Serro Largo, e orde-nando-lhe que avançasse sobre o inimigo. A primeira divisão foi confiada ao comando do general Barreto, e a segunda, ao do general Calado.

A primeira divisão marchou sobre o inimigo e alcançou grandes vantagens; mas neste momento o inimigo desenvolveu alguns corpos de cavalaria sobre a divisão do general Serro Largo, e este, pos-suindo-se de um terror pânico, fez meia-volta e deitou a fugir caindo sobre o nosso regimento de cavalaria nº 5, e quase envolvendo os batalhões nos 13 e 18, que se formaram em quadrado e fizeram fogo sobre o inimigo de envolta com a divisão ligeira. Este sucesso retardou a marcha da segunda divisão, que devia ter apoiado a primeira. Então o marquês, vendo aquele desastre, a deserção de muitos soldados e oficiais e a do corpo comandado por Issac Calderon, julgou conveniente tomar a defensiva até que o coronel Bento Manuel Ribeiro chegasse com a divisão do seu comando, visto como tinha ordem de conservar-se nas imediações, e de reunir-se ao exército logo que ouvisse o fogo. Mas tal não aconteceu, e o general-em-chefe teve necessidade de mandar formar quadrados e esperar os ataques do inimigo, que entretanto foram todos repelidos com honra e coragem.

Tendo durado onze horas o fogo, e havendo falta de água, tendo o inimigo incendiado os campos circunvizinhos, resolveu o general retirar-se para o Caciqui. Cessando o fogo, o general Alvear escreveu ao nosso, pedindo licença para mandar buscar o cadáver do coronel Brantren, que tinha morrido em frente dos nossos quadrados. Tal foi a perda do inimigo nesta batalha, que, apesar de retirar-se o nosso exército a passo ordinário, não foi perseguido pelo inimigo, e conservou sempre a sua formatura. Depois da ação, verificou-se que havíamos perdido duzentos e tantos homens entre mortos e feridos, quando o general Alvear eleva a perda do seu exército a 500 homens, como confessa na sua defesa, que corre escrita, reconhecendo o merecimento do general brasileiro. Deve-se observar também que o exército brasileiro constava somente de 6.600 praças, enquanto que o do Alvear era de 10.140.

O resultado desta batalha foi que nunca mais o exército inimigo nos incomodou, e fez-se a paz. Apesar de todos os contratempos

e desgraças, o marquês mostrou a maior bravura e sangue-frio durante a ação, como atestam todos os oficiais superiores que a ela assistiram, e manobrou com habilidade tanto no ataque como na retirada.

Feita a paz com Buenos Aires e voltando o marquês ao Rio de Janeiro, foi nomeado embaixador e encarregado de acompanhar para Viena d'Áustria S. M. F. a srª D. Maria II, servindo-lhe de tutor durante a viagem, e incumbido ao mesmo tempo de escolher nas cortes da Europa uma nova esposa para S. M. o Sr. D. Pedro I, que pretendia passar a segundas núpcias.

Chegando o Gibraltar comunicou com a terra para ter notícias e receber refrescos; e então soube com a maior surpresa que D. Miguel, tomando posse da regência de Portugal em nome da rainha, havia-se declarado rei absoluto com violação do juramento e protestos feitos perante os soberanos d'Áustria, França e Inglaterra, e perante seu augusto irmão; recebendo também informações confidenciais do visconde de Itabaiana, nosso ministro em Londres; e do marquês de Resende, ministro em Viena, expondo-lhe a trama que a Santa Aliança havia formado para sacrificar a rainha, conservando-a em Viena até que D. Miguel tivesse destruído a carta constitucional dada aos portugueses pelo Sr. D. Pedro I, e consolidasse ali um governo de forma absoluta.

Poucos homens talvez se têm visto, como então o marquês de Barbacena, numa situação tão crítica, vendo-se na necessidade de tomar uma resolução grave e importantíssima para a liberdade de um povo, sem faltar ao mesmo tempo aos seus deveres; mas ele mostrou-se superior a todas estas dificuldades. Depois de pensar maduramente resolveu tomar sobre si e sobre a sua lealdade a imensa responsabilidade não continuar a viagem para Viena, e seguir com a rainha para Inglaterra, avisando a S. M. I. dos motivos que o tinham obrigado a tomar esta resolução, e esperando novas ordens.

Este acontecimento tornou-se muito notável por ser inesperado, e por colocar o governo inglês numa posição difícil. A nação inglesa aplaudia a resolução do marquês, e simpatizava com a inocente rainha de Portugal; mas o ministério inglês do duque de Wellington e lorde Aberdeen, desejando agradar ao príncipe de Metternich e ao rei da França, instava com o marquês para ir para Viena e cumprir as ordens do imperador, e até o conde Aberdeen se tornou violento em sua correspondência com o marquês; o qual conhecendo bem o terreno em que pisava, e a trama oculta de que era objeto, respondeu a Aberdeen que com ordem positiva de deixar a Inglaterra ele partiria imediatamente. Mas o marquês estava bem certo de que o Ministério inglês não ousaria fazer tal, desde que a opinião pública se havia pronunciado contra D. Miguel e em favor da rainha.

O príncipe de Metternich também lançou mão de todos os meios a seu alcance para obrigar o marquês a conduzir a rainha para Viena; mas foi debalde. Firme no seu propósito, o marquês sustentou sempre os direitos da rainha, e esperou a resposta de S. M. o Sr. D. Pedro I.

Entretanto ocupava-se sempre com a segunda parte da sua missão, o casamento do Imperador, e, depois de haver esperado por muito tempo em vão o cumprimento das promessas d'Áustria tratou de ver noutra corte da Europa uma princesa que conviesse ao trono imperial e aos desejos do príncipe que o ocupava, conseguindo finalmente a princesa Amélia de Leuchtemberg, que foi a escolhida esposa e a consorte fiel e amada do Sr. D. Pedro I, de quem é hoje viúva.

Quando o marquês concluía o ajuste do casamento, chegava a ordem do imperador para que a Srª D. Maria II voltasse ao Rio de Janeiro.

Não nos ocuparemos aqui com pormenores nem esclarecimentos sobre a questão dinástica portuguesa que então se agitava, porque isto exigiria maiores desenvolvimentos do que comporta uma notícia biográfica; bastará dizer que o marquês de Barbacena, conservando e fazendo sempre respeitar o seu caráter nacional, fez tudo quanto lhe era possível em favor de Portugal, e afagou e protegeu os portugueses dedicados à causa da rainha.

Aportando ao Rio de Janeiro em companhia da nova imperatriz e da rainha de Portugal, o imperador recebeu o marquês da maneira a mais obsequiosa, e concedeu-lhe todas as graças que poderiam ser-lhe agradáveis. Então pediu-lhe ele a graça de o deixar retirar-se à vida privada o descanso com dignidade, o que as circunstâncias políticas do país lhe não consentiram.

Os negócios públicos não marchavam bem. O imperador, iludido por certos indivíduos, arrostava a opinião pública do país, e uma revolução parecia estar iminente. O marquês, aproveitando então a influência que lhe davam os seus serviços e a consideração em que o tinha o imperador, fez diferentes observações a S. M. I. sobre a má direção dos negócios e sobre o perigo que nela havia. S. M. parecendo impressionado pelo modo por que o marquês encarava o estado dos negócios, e mostrando-se desejoso de conjurar a tempestade, instou com o marquês para que se encarregasse da administração, prometendo fazer tudo quanto dele se exigisse no interesse da paz e da ordem. O marquês acedeu às instâncias do imperador e aceitou o Ministério na intenção de fazer ao seu país todo o bem que pudesse, porque para a sua pessoa de nada precisava, tendo já alcançado todas as honras e dignidade da eleição popular e da coroa. Demais, há de ter-se notado por esta resumida narração que o patriotismo mais puro e mais dedicado foi sempre o traço dominante do caráter do marquês de Barbacena em toda a sua vida pública.

Organizado o novo Ministério, cuidou logo o marquês de apresentar-se às câmaras legislativas, encarando a situação do país da maneira mais franca e leal, reconhecendo os defeitos da administração, propondo os corretivos que lhe pareciam necessários, pedindo o seu apoio sem o qual não podia marchar, e anunciando as medidas que teria de apresentar à consideração do corpo legislativo. A violenta oposição que existia na Câmara dos Deputados, e que tinha guerreado fortemente os ministérios anteriores, declarou que, atendendo à marcha do atual ministério, lhe prestaria o seu apoio em tudo que fosse útil ao país.

Mencionaremos aqui uma circunstância infeliz que muito contribui para produzir e alimentar a desinteligência entre o Sr. D. Pedro I e o marquês de Barbacena. S. M. prestava decidido crédito aos seus criados particulares, e isto havia de tal sorte excitado o clamor público, que o marquês se julgou obrigado a exigir a expulsão desses criados do paço, ao que S. M. anuiu sem dificuldade. Alguns outros porém que ainda ficaram, insuflados pelo partido português dessa época, e procurando vingar os seus companheiros, começaram a incutir receios no ânimo do imperador, dizendo-lhe que o marquês posto à testa do Ministério governava tudo, e reduziria a coroa à maior nulidade; que os republicanos da Câmara dos Deputados o apoiavam, por que contavam com ele, e que assim levaria a monarquia ao precipício. Iludido por estas sugestões, e mal avisado em suas deliberações, o Sr. D. Pedro I pareceu ver com

efeito a sua queda nos triunfos do marquês, e assim resolveu desem-baraçar-se dele. Insinuou-lhe primeiro que pedisse a sua demissão; mas o marquês respondeu que tendo-se comprometido com a Câmara dos Deputados pela apresentação de várias medidas importantes, tais como a organização da contabilidade pública, o resgate do papel-moeda, o estabelecimento de bancos, etc., não podia retirar-se do poder, porque isto parecia receio ou incapacidade de sua parte: mas que S. M. poderia demiti-lo se assim entendesse conveniente, e deste modo tudo ficaria satisfeito.

O imperador mandou então lavrar um decreto demitindo o marquês do Ministério, mas dando para isto uma causa que não existia, o que o obrigou a escrever ao visconde de Alcântara um ofício com todos os documentos, provando a inexatidão das asserções contidas no decreto de sua demissão, e a publicar num folheto avulso o ofício e todo os documentos que o acompanhavam. Esta brochura produziu uma grande impressão no espírito público; a oposição na câmara temporária tomou-a por tema de suas agressões ao novo Ministério, os jornais continuaram a azedar os ânimos e aumentar as desconfianças que já existiam, e as coisas chegaram a um tal estado de efervescência, que produziram os acontecimentos de abril de 1831, a abdicação do Sr. D. Pedro I e a sua retirada para a Europa.

O marquês não desejava a revolução, nem a provocava, tanto que nela não figurou; o que queria somente era persuadir o imperador a reinar constitucionalmente, não contrariando de frente a opinião pública nacional, legalmente manifestada. A última carta escrita ao Sr. D. Pedro I pelo marquês de Barbacena, no momento de deixar o Ministério, é um documento muito notável, que será publicado em outra ocasião.

Desde essa época até 1835 conservou-se o marquês firme no seu posto no Senado, como monarquista de convicção e progressista, tanto no que respeita a melhoramentos materiais, como nas reformas sociais e políticas, defendendo sempre o princípio da segurança de pessoa e de propriedade. Muitas vezes discutiu e propôs reformas ao meio circulante, resgate da moeda de cobre, que então era um flagelo, e em todas as matérias econômicas ocupou sempre nas discussões lugar distinto.

Tendo de ir à Inglaterra em 1836, o regente Diogo Antônio Feijó nomeou-se ministro plenipotenciário para tratar sobre a interpretação do tratado de comércio, que então devia cessar com aquele país; mas nada pôde ele alcançar de lorde Palmerston, que só pretendia um novo tratado. Não perdeu porém o seu tempo nesta viagem, pois enviou ao governo uma proposta de alguns banqueiros ingleses para fundar um banco no Brasil, e retirar da circulação o papel-moeda do governo. Enviou também outra proposta da companhia inglesa do caminho de ferro de Durrham para construir uma estrada de ferro do Rio de Janeiro a Minas, exigindo somente a importação livre de direitos dos objetos que lhe fossem necessários, e a concessão do terreno para a vida férrea, estações, etc.; mas o governo entendeu que não eram ainda coisas próprias para este país. Por este tempo começou o marquês a sofrer de pedra na bexiga, e, apesar de ter-se sujeitado muitas vezes à operação cirúrgica própria desta moléstia, por fim sucumbiu a ela. Enquanto lhe restaram forças foi sempre ao Senado e tomou parte nos debates.

O marquês de Barbacena faleceu a 13 de junho de 1841.