CAPITULO 2.º
FUNCÇÕES E VIDA DAS PLANTAS.
157.º Estudámos no capitulo antecedente a fabrica e a estructura dos principaes orgãos da planta, tanto da nutrição como da reproducção - agora temos a estudar os usos e funcções exercidos por estes orgãos. Este estudo, tão importante para o agricultor, é o complemento daquelle, que acabamos de fazer. - Conhecida a fabrica dos orgãos importa conhecer o mechanismo das suas funcções, e as causas, ou os agentes, que determinam a sua acção.
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158.º A vida não é outra cousa senão o resultado da acção combinada, e harmonica dos orgãos desafiada pelos agentes naturaes, que os põem em movimento. E' um jogo de acções e reacções.
159.º Os orgãos são os instrumentos dos actos vitaes pelos quaes a vida se nos revella e manifesta - os agentes naturaes são os excitadores e motores dos orgãos; aquelles são, digamol-o assim, as rodas, e estes as mollas destas maquinas vivas, a que chamamos seres organisados.
160.º O que caracterisa essencialmente os animaes e as plantas é a vida; mas a vida reduzida á sua mais simples expressão é a nutrição, e a reproducção.
161.º Ora estas duas funcções podem ser exercidas por orgãos e aparelhos mais ou menos complicados; e compor-se de actos vitaes mais ou menos simplices e numerosos: a simplicidade do orgão indica sempre a simplicidade da funcção, e a sua particular estructura denuncia o uso, a que elle foi destinado.
162.º Tanto nos animaes como nos vegetaes ha typos mais ou menos elevados de organisação. Os animaes vertebrados e as plantas vascullares foram formados sobre um plano de organisação mais acabado e perfeito do que os zoophitos e plantas cellulares. Os seres daquellas duas primeiras divisões systematicas tem orgãos distinctos para as diversas operações vitaes, que constituem as suas funcções; tem orgãos para a absorpção, para a circulação, para a respiração, &c. Ha no seu machinismo, por assim dizer, uma divisão de trabalho organico, consequencia da individualisação e separação dos seus orgãos, que deve tornar os actos da vida mais completos e perfeitos. O homem e o cedro podem dar testemunho desta perfeição, e do typo de organisação que ella revella. Os seres das duas ultimas divisões; isto é os zoophitos e as plantas cellulares não gozam da mesma vantagem; os seus orgãos, poucos em numero, são simultaneamente destinados ao exercicio de muitas funcções; e então estas funcções devem ser, como de feito são, menos caracterisadas e distinctas; assim vemos o mesmo orgão servir cumulativamente á absorpção, á exhalação, á assimilação, &c. A esponja e o musgo podem constatar esta organisação rudimentar, e a vida obscura, que é uma consequencia della.
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163.º A supremacia e o dominio que o homem, o primeiro dos vertebrados, exerce sobre a natureza organisada deve sem contestação attribuir-se á maior perfeição do seu organismo. - Sem a superioridade da sua razão, em parte dependente da superior organisação do seu cerebro, sem a mobilidade das suas mãos, sem a estructura feliz dos orgãos da voz e da palavra, e finalmente sem o seu pronunciado instincto de sociabilidade, elle não se teria feito reconhecer e respeitar como o chefe da maior parte dos animaes, que tem identico instincto de sociabilidade, como são o elefante, o camello, o boi, o cavallo, &c., nem se teria feito o terror de todos os outros, que elle não pôde, ou não quiz submetter ao jugo da domesticidade.
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164.º Como as plantas nos não apresentam, á maneira dos animaes, movimentos voluntarios e sensações; como carecem destes e dos mais actos vitaes que constituem a vida de relação, ou a vida animal; e como finalmente não gozão senão da vida vegetativa, é claro que só temos a estudar nellas as duas grandes funcções proprias desta vida, e communs a todos os seres organisados.
165.º Estas funcções são as de nutrição e reprodução, e veem a ser exercidas pelos dois grupos de orgãos que já estudámos. Começaremos pela funcção de nutrição, que acompanha a planta em todos os momentos da sua existencia, desde que germina até que morre.
Funcção da nutrição.
166.º A nutrição é uma funcção pela qual os vegetaes absorvem, elaboram, e assimilam uma parte das substancias solidas, liquidas, ou gazozas espalhadas no seio da terra, ou no meio da atmosphéra. Estas substancias são absorvidas ou pelas extremidades das radiculas, ou pelas folhas, e outras partes verdes das plantas, que se desenvolvem no ar.
167.º A nutrição é uma funcção complexa, isto é, compõe-se de muitos actos vitaes successivos ou simultaneos, que se executam na ordem seguinte:
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168.º Em primeiro logar as raizes (assim como as folhas) absorvem as substancias nutritivas, que devem servir á alimentação da planta - este acto vital tem o nome de absorpção. 2.º As substancias nutritivas apenas absorvidas sobem pelo caule até ás suas ultimas extremidades - este novo acto vital chama-se ascensão da seiva. 3.º Durante a sua marcha a seiva vai-se successivamente modificando até chegar ás folhas, onde se exhala a agoa excedente, e outros principios inuteis, que a sobrecarregam - esta acção organica denomina-se exhalação. 4.º Depois de se ter exonerado destes principios inuteis põe-se a seiva em contacto com o ar, e experimenta então uma importante elaboração, a que se dá o nome de respiração. 5.º Depois desta elaboração, que torna a seiva propria para a nutrição do vegetal, desce e circula este liquido por todos os pontos da planta, a fim de se pôr em contacto com os seus tecidos - este movimento vital tem o nome de circulação. 6.º Finalmente logo que a seiva descendente penetra no interior dos tecidos cede-lhes os principios nutritivos, de que elles carecem, ou para se conservarem, ou para se desenvolverem; e este ultimo acto vital chama-se assimilação. - É então que se verifica esse movimento mollecular de composição e de decomposição que constitue essencialmente a nutrição.
169.º Os actos vitaes por tanto de que se compõe a nutrição são a absorpção, a ascenção da seiva, a exhalação, a respiração, a circulação, e a assimilação. Nós daremos de cada um delles uma breve idéa, mas antes disso cumpre que façamos conhecer os principaes agentes da vegetação.
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Agentes physicos da vegetação.
170.º Ha certos agentes, que provocam e desafiam a acção dos corpos vivos; e é por isso que dizemos que estes corpos são excitaveis, ou que gozam de uma propriedade vital, que se chama excitabilidade. Assim nos animaes os olhos são excitados pelos raios da luz, os ouvidos pelas vibrações do ar; e nas plantas as folhas são tambem excitadas pela luz, e as raizes pela humidade.
171.º A vida só se exerce quando os agentes naturaes põem em acção os orgãos; de modo que estes agentes são condições sem as quaes o organismo não funcciona, ou, o que é o mesmo, são condições essenciaes da vida.
172.º Os agentes essenciaes da vegetação são a agoa, o ar, a terra, o calor, e a luz.
173.º Sem agoa não ha vegetação possivel: sem agoa toda a vegetação se suspende ou perece por esgotamento e secura. A falta absoluta ou relativa deste liquido desorganisa os tecidos, ou paralisa temporaria e indefinidamente as suas funcções. As plantas privadas de agua definham ou morrem de sede, como os animaes. Não ha agricultor, que não tenha observado a especie de resurreição instantanea, que as plantas inanidas pela falta de agoa experimentam, quando este liquido se põe em contacto com as suas raizes, ou com as suas folhas; a rapidez com que ellas se revivificam e a excitação que as reanima provam concludentemente, que a agoa não obra só como alimento, ou como vehiculo de alimentos, mas sim como um excitante do organismo vegetal.
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174.º Se a falta absoluta de agoa faz perecer as plantas de sede, a falta completa de ar fal-as morrer axphixiadas. Com respeito a estes dois agentes as plantas e os animaes tem estreitas relações de analogia. Toda a vegetação cessa no vasio da maquina pneumatica para as plantas aereas - e se a agoa fôr privada do ar, que naturalmente contem, toda a vegetação cessa tambem para as plantas aquaticas. Aquellas, como os animaes aereos, não vivem sem ar; estas, como os animaes aquaticos, não vivem na agoa despojada deste fluido. As plantas tem por tanto uma respiração, como os animaes, visto que perecem por axphixia; e o ar é o alimento desta respiração.
175.º A terra ou o solo exerce sobre a vegetação duas castas de influencias muito distinctas - obra não só como uma especie de vehiculo ou de esponja, onde se deposita a humidade, e atravez da qual o ar circula, mas tambem como elemento nutritivo da planta, onde ella encontra as substancias terreas e carbonatadas indispensaveis ao seu completo desenvolvimento. Donde se infere que o bom solo deve ser mais ou menos poroso para se deixar penetrar do ar e da humidade, espongioso para conservar e reter estas duas substancias, dividido para que as raizes se possão ramificar - e deve além disto conter não só as substancias terreas e salinas apropriadas ás culturas nelle feitas, mas tambem os convenientes adubos provenientes da decomposição das substancias animaes e vegetaes. A natureza porém das culturas deve apropriar-se á do solo, ou do terreno; e póde-se asseverar que não ha terrenos por mais inferiores, que sejão, que não possão ser consagrados a esta ou aquella cultura, e que não possão por consequencia ser utilisados e aproveitados pelo agricultor.
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176.º O calor é um dos agentes phisicos mais poderosos da vegetação. E' a elle, ou á temperatura elevada, que se encontra nos paizes intratropicaes, que se deve principalmente attribuir a rica e gigantesta vegetação destes climas: e pelo contrario é ao frio, ou á baixa temperatura dos paizes do norte, que devemos egualmente attribuir a sua vegetação mesquinha, e anã. - E' ainda a sua acção egual e constante, que torna perenne a vegetação dos paizes quentes; ao passo que a dos paizes frios é periodica pela razão contraria. Finalmente o calor da primavera é uma das principaes causas da ascensão da seiva, em quanto o frio do outono e do inverno é a causa mais poderosa da desfolha das arvores, e da sua hibernação.
177.º A acção da luz sobre a vegetação é tambem um facto, que não póde ser contestado. A presença da luz é indispensavel á respiração das plantas; esta verdade é comprovada pela experiencia; privados da acção da luz a maior parte dos vegetaes se estiolão e adoecem a ponto de perecerem. Não devemos por tanto admirar-nos da tendencia pronunciada que a parte aerea da planta tem para a luz; nem de que os seus ramos se affastem e torção da sua natural direcção, a fim de se encaminharem para os logares mais illuminados.
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178.º Alem destes agentes que levamos indicados outros existem ainda, como por exemplo, a electricidade, a nevoa, o orvalho, que por não serem tão geraes, e essenciaes á vegetação, deixão de ser aqui mencionados por ser isso incompativel com a brevidade e concisão elementar deste pequeno livro.
Absorpção.
179.º O acto vital, pelo qual as raizes aspirão ou chupão da terra a agoa carregada dos principios nutritivos, que nella se achão dissolvidos, chama-se absorpção. Os orgãos encarregados deste acto são, na parte descendente da planta, as radiculas por meio dos espongiolos, que as terminão.
180.º Mas todas as partes verdes do vegetal, como as folhas, os renovos, &c. são egualmente dotadas desta força de sucção, e concorrem por conseguinte para esta importante funcção.
181.º Lançadas no seio da terra as radiculas estão constantemente a absorver-lhe a humidade, e com ella as substancias nutritivas. Esta faculdade absorvente das raizes é demonstrada por diversas observações: se mergulharmos as extremidades radiculares de uma planta n'um liquido córado, iremos pouco depois encontral-o no caule e nos ramos, aos quaes communicará a sua côr.
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182.º A faculdade absorvente dos tecidos verdes é tambem demonstrada por muitos factos: se lançarmos uma pouca de agoa sobre as folhas murchas de uma planta veremos pouco depois estes orgãos turgidos, e a planta tão fresca e viçosa como se lhe tivessemos regado a raiz.
183.º As substancias nutritivas só são absorvidas pelas raizes, quando a agoa as póde dissolver. A agoa é o intermedio indispensavel desta absorpção. Tudo o que ella não dissolve não póde ser absorvido. Esta verdade, evidenciada por muitas experiencias, faz-nos conhecer, que ainda que o terreno seja rico de substancias alimentares, se nelle não existir a humidade necessaria para lhes servir de dissolvente, estas substancias serão perdidas para a vegetação.
184.º Em quanto aos principios nutritivos absorvidos pelos tecidos verdes, esses só penetraram para o seu interior, ou porque se achavam suspensos e misturados no ar, ou porque se achavam dissolvidos na humidade atmospherica.
185.º O liquido em contacto com a raiz penetra para dentro das cellulas dos espongiolos em consequencia da permeabilidade das mesmas cellulas, e de uma força physico-organica (endosmose) em virtude da qual os fluidos menos densos são attrahidos pelos mais densos, quando se acham separados por membranas organisadas: e na verdade os liquidos contidos nos espongiolos sendo mais densos, que o liquido aquoso com quem estão em contacto, devem em virtude daquella força attrahil-o e absorvel-o para dentro das pequenas bolsas ou cellulas que os constituem. Esta não é porém a unica causa da absorpção das raizes como veremos adiante.
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Ascensão da seiva.
186.º Logo que a seiva penetra dentro das raizes é posta em movimento, e sobe pelo interior do lenho das arvores até ás suas extremidades verdes - este movimento tem o nome de ascensão da seiva.
187.º A seiva que segue o caminho que acabamos de indicar, e que se denomina seiva ascendente ou radicular, é um liquido transparente, essencialmente aquoso, de um sabor adocicado e algumas vezes salino, que contem em suspensão ou em dissolução varias terras, saes e acidos; assim como muitos outros principios nutritivos das plantas. Este liquido corresponde a limpha dos animaes. Não apresenta a mesma composição em todas as plantas, nem em todas as estações do anno. Diversifica ainda na mesma planta segundo a altura do caule onde se observa, sendo mais denso e mais sápido na sua parte superior do que na inferior, o que manifesta que se vae elaborando successivamente na sua marcha em os tecidos do vegetal, assim como acontece a limpha nos vasos limphaticos dos animaes.
188.º A seiva ascendente ou radicular é muito diversa da descendente ou caulinar - ésta é em verdade uma transformação da primeira, mas passou successivamente por um grande numero de elaborações para experimentar a final uma tão profunda metamorphose. Effectivamente apparecem nella muitas substancias organicas, que não existem na seiva radicular, por exemplo, a goma, o assucar, o gluten e varias outras de que fallaremos adiante. A seiva descendente póde comparar-se ao sangue arterial; pois que em ambos estes liquidos nutritivos se encontrão as substancias alimentares necessarias ao desenvolvimento quer das plantas, quer dos animaes.
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189.º O movimento ascendente da seiva é um facto, que a experiencia tem cabalmente demonstrado. Se cortarmos o caule ou um ramo qualquer da videira no começo da primavera veremos manar aquelle liquido em grande abundancia do corte inferior do mesmo caule ou ramo. Todos os agricultores do nosso paiz tem conhecimento deste phenomeno.
190.º O curso da seiva é mais ou menos rapido, segundo as diversas estações, segundo o desenvolvimento mais ou menos energico das folhas, e a maior ou menor elevação da temperatura: a natureza e a humidade do terreno, o vigor e a mocidade da planta não podem tambem ser, nem effectivamente são, estranhos a este phenomeno.
191.º Julgava-se antigamente que o movimento da seiva cessava inteiramente de inverno; mas este erro foi desvanecido pelo raciocinio e pela experiencia; sem este movimento a vida da planta fôra impossivel - e que elle se verifica o demonstrão a observação attenta dos factos, o desenvolvimento posto que lento das gemmas, e a consolidação das camadas lenhosas.
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192.º Os antigos disputaram por longo tempo sobre a natureza e posição dos orgãos por onde tinha logar a ascensão da seiva; uns suppunhão que era pela medulla, e outros pela casca: mas hoje está demonstrado que é pelas camadas lenhosas que se verifica este movimento. Coulon teve fortuitamente occasião de conhecer esta verdade: cerrando circularmente varios choupos, e deixando intactas as camadas lenhosas mais proximas da medulla, observou que era por estas camadas, que se dirigia a principal corrente da seiva ascendente. Estas experiencias forão depois repetidas e derão o mesmo resultado.
193.º E' na verdade prodigiosa a força impulsiva que faz subir a seiva pelo caule da planta; esta força nas arvores, equilibra com uma columna de mercurio de 32 pollegadas; excede por tanto o peso da atmosphera, ou o de uma columna de agoa de 33 pés, que equilibra com uma columna de mercurio de 28 pollegadas.
194.º Muitas são as causas da ascensão da seiva: além da força organica, que já mencionamos como causa principal da absorpção, depende ainda este phenomeno, 1.º da capillaridade dos orgãos por onde a seiva marcha. Quando os tubos são capillares, isto é, quando tem diametros eguaes aos de um cabello, os liquidos sobem nestes tubos acima do seu nivel, ora neste caso se achão as cellulas e os tubos da planta; 2.º da exhalação das folhas; esta exhalação produzindo vazios nestes orgãos, os liquidos devem ser por elles aspirados; e como a planta é um todo continuo, esta aspiração deve ter successivamente logar nos orgãos immediatos, e a seiva deve ser por conseguinte atrahida de baixo para cima; 3.º do movimento nutritivo; este movimento, convertendo os gazes em liquidos, e estes em solidos, deve produzir vazios similhantes áos da exhalação com consequencias em tudo eguaes; 4.º finalmente da excitabilidade dos orgãos encarregados deste movimento, os quaes sendo excitados pelo liquido seivoso não podem, principalmente na sua mais recente edade, deixar de reagir sobre elle forçando-o a subir desde a raiz até ás folhas. Todas estas causas são applicaveis á absorpção das raizes.
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195.º Mas além destas outras existem ainda, que por menos importantes, deixão de ser aqui mencionadas.
Exhalação.
196.º A seiva perde a agoa superabundante, que continha, logo que penetra nas folhas e nos tecidos verdes da planta. O acto vital, que dá origem a este phenomeno tem o nome de exhalação ou de transpiração.
197.º E' em geral debaixo da fórma de vapor, que se exhala na atmosphera a agoa superabundante da seiva. Quando esta exhalação é pouco consideravel o vapôr aquoso é absorvido pelo ar, e torna-se invisivel para nós; mas se ella se executa com mais intensidade, e se ao mesmo tempo a temperatura da atmosphera é pouco elevada, como geralmente acontece de noute, este liquido apresenta-se então debaixo da fórma de pequenas gotas dispersas sobre a superficie das folhas, como se vê no trigo, no milho grosso, na couve, &c.
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198.º Julgou-se por muito tempo que este liquido aquoso era filho do orvalho da noute, e da madrugada; mas hoje está concludentemente provado que é um producto da transpiração vegetal augmentada, e que corresponde ás pequenas gotas de suor, que tambem apparecem sobre a epiderme dos animaes, quando a sua transpiração se torna mais intensa.
199.º O liquido, que se evapora dos tecidos verdes das plantas, traz sempre em dissolução varias substancias, que por inuteis á vegetação são expellidas para fóra do organismo vegetal. Além destas substancias outras são ainda expellidas por alguns orgãos vegetaes em virtude de uma funcção a que damos o nome de excreção.
200.º E' extraordinaria a quantidade de agoa que as plantas exhalam quotidianamente na atmosphera: para se fazer uma idéa desta espantosa evaporação bastará saber que um pé de girasol chega a exhalar em 24 horas 30 onças daquelle liquido. Muitas causas pódem porém retardar ou acelerar esta funcção; e entre ellas figura principalmente a temperatura, a maior ou menor abundancia de seiva, a acção mais ou menos intensa da luz, &c.
201.º Experiencias exactissimas nos ensinam que a quantidade de agoa exhalada está para a absorvida na relação de 2 para 3. Esta relação porém está sujeita a grandes variações, tanto na mesma como em diversas plantas; e estas variações pódem ser taes, que produzam graves doenças nos vegetaes.
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202.º Todos estes factos nos explicam a benefica influencia que as culturas das plantas produzem nos climas aridos e quentes: quer entretendo uma humidade quasi constante na atmosphera, e tornando mais abundantes as chuvas e as fontes, quer adoçando a temperatura, e tornando mais ameno e sadio o clima.
Respiração.
203.º O mais importante trabalho, que a seiva experimenta nas folhas, é devido ao phenomeno que chamamos respiração. E' hoje um facto incontestavel que os vegetaes respiram como os animaes. E com effeito assim como nestes o sangue, pondo-se em contacto com o ar atmospherico experimenta alterações, que o tornam proprio para a nutrição, assim tambem a seiva, que é o sangue dos vegetaes, sendo submettida nas folhas á acção do mesmo fluido, adquire novas propriedades, que a tornam o liquido nutritivo, e reparador das plantas.
204.º As folhas são os orgãos essenciaes da respiração vegetal; a sua estructura é, como já vimos, maravilhosamente apropriada ao exercicio desta funcção: o grande numero de cavidades ou bolsas aereas todas communicantes entre si, que apresenta o seu tecido cellular, deixando-se facilmente penetrar pelo ar, e facilitando o seu contacto com a seiva, fazem destes orgãos uma especie de pequenos pulmões admiravelmente dispostos para o exercicio da funcção respiratoria.
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205.º Mas não é sómente nas folhas, que tem logar a funcção da respiração, é tambem no involucro herbaceo dos ramos mais recentes; de maneira que nessa epoca, em que a planta se vê despojada daquelles orgãos, não deixa por isso de verificar-se, ainda que em muito pequeno gráu, esta importante acção vital.
206.º A respiração das plantas consta, como a dos animaes, de dois actos, um de inspiração, e outro de expiração - pelo primeiro o ar penetra dentro das folhas para ahi ser decomposto - pelo segundo elle é expellido, e lançado na atmosphera depois de haver experimentado esta decomposição.
207.º O ar atmospherico não é um corpo simples como pensavam os antigos: este oceano aereo ou gazozo, que circunda a terra, e se eleva acima da sua superficie á altura de mais de vinte e cinco leguas, é composto de dois gazes o oxigenio e o azote.
208.º Além destes dois gazes encontra-se ainda no ar uma certa quantidade de acido carbonico, de agua, e de ammonia. O acido carbonico é um composto de oxigenio e de carbonio ou de carvão. Este gaz, tanto o que é absorvido pelas folhas como o que absorvem as raizes, é decomposto pelo acto respiratorio das plantas. Esta admiravel decomposição executa-se logo que elle penetra nos tecidos verdes, e que a luz actua sobre estes tecidos. A acção chimica da luz é uma condição indispensavel á funcção respiratoria das plantas; de maneira que durante a noute esta funcção cessa, e em vez das plantas expirarem o oxigenio, expiram o acido carbonico indecomposto.
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209.º Logo que tem logar a decomposição do acido carbonico, o carbonio fixa-se na seiva, e o oxigenio que se achava combinado com elle torna-se livre, é expirado pela planta, e espalhado na atmosphera.
210.º Eis-aqui pois em que consiste a funcção de respiração vegetal - decompõe-se o acido carbonico, o carvão fixa-se na planta como o seu principal alimento, e o oxigenio que o acidificava é lançado na atmosphera.
211.º Esta funcção das plantas é indispensavel á harmonia do mundo organisado. Os animaes consomem constantemente oxigenio pelo seu acto respiratorio, as plantas acido carbonico. Se estas substancias pois indispensaveis ao entretenimento da vida não fossem fornecidas á atmosphera á proporção, que lhe são subtrahidas, ella se tornaria por fim impropria á respiração dos seres dos dois reinos, e estes perecerião irremediavelmente. Mas as previsões da natureza são aqui, como em tudo, de uma admiravel sabedoria; porque as plantas fornecem aos animaes, e estes ás plantas, os principios respiratorios de que carecem; isto é, os animaes lanção na atmosphera o acido carbonico, de que as plantas precisam; e estas subministram á atmosphera o oxigenio que os animaes se appropriam; contrabalançando-se assim os dois reinos organisados, que não poderiam por tanto existir um sem o outro.
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Circulação.
212.º A seiva elaborada pelas duas acções organicas, que acabamos de descrever, e enriquecida pelos principios nutritivos absorvidos no ar pelas partes verdes, adquirio propriedades novas, e transformou-se nesse liquido nutritivo e reparador, que deve subministrar ao vegetal os materiaes proprios ao seu desenvolvimento ou á sua conservação. Este liquido tem o nome de seiva descendente.
213.º E' porém claro que este liquido contendo em si os materiaes da nutrição deve chegar a todos os pontos da planta para lhe subministrar esses mesmos materiaes. Deve por tanto descer desde as folhas até á raiz; e neste caminho deve diffundir-se, e circular por todos os orgãos, e tecidos vivos do vegetal.
214.º E effectivamente estes dois movimentos existem: o primeiro tem o nome de movimento descendente da seiva, o segundo o de ciclose - e a ambos se tem dado, posto que com alguma impropriedade, o nome de circulação da seiva.
215.º Muitos auctores tem negado, e ainda hoje negão alguns, o movimento descendente da seiva; mas se nós fizermos uma ligadura circular no tronco, ou em algum dos ramos de qualquer das nossas arvores, veremos formar-se um rebordo ou burrelete acima desta ligadura, e isto em consequencia da estagnação da seiva, que descia pela casca da parte superior para a inferior da planta - e se despojarmos o mesmo tronco de um anel circular da sua casca, veremos a seiva manar abundantemente do corte superior; e presenciaremos por fim, a morte da planta, por havermos cortado os canaes, que lhe ministravão o fluido, que devia nutril-a.
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216.º E na verdade é pela casca e a favor dos vasos, de que ella abunda, que desce a principal corrente deste liquido; assim como era pelo lenho e a favor dos tubos que principalmente o formam, que se dirigia a corrente da seiva ascendente.
217.º O movimento de ciclose, em consequencia do qual a seiva, fazendo muitos giros, se insinua e penetra pelos diversos orgãos, é tambem um facto, que se demonstra claramente em algumas plantas, e particularmente em todas aquellas que tem a seiva corada.
218.º E na verdade se nós observarmos por meio do microscopio (instrumento optico que augmenta consideravelmente os objectos) uma petala de dormideira, uma folha de escorcioneira, ou uma lamina delgada da casca do sicomoro, veremos circular a seiva córada destas plantas pelo interior dos vasos seivosos, e pelas suas successivas ramificações, fazendo muitos rodeios, e penetrando deste modo no interior de todos os tecidos.
219.º Tanto o movimento descendente da seiva, como o de ciclose, tem sido attribuidos a causas mui variadas: aquellas porém que mais geralmente se adoptão são a força phisico-organica, que chamamos indosmose, a excitabilidade dos vasos, que contrahindo-se sobre aquelle liquido lhe imprimem um movimento progressivo, e ultimamente a acção nutritiva, que actua neste caso de uma maneira identica áquella, porque obra no phenomeno da ascensão da seiva.
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Assimilação.
220.º A seiva descendente sendo posta em contacto com os orgãos da planta cede-lhes todos os principios reparadores e nutritivos de que elles carecem. A acção, pela qual os orgãos se apropriam aquelles principios, e os transformam em tecidos organisados, tem o nome de assimilação, ou de nutrição propriamente dita; porque por ella os orgãos assimilaõ a si, ou o que é o mesmo convertem na sua propria substancia os principios organicos, que se contem neste liquido nutritivo, que é o sangue arterial das plantas.
221.º Esta funcção da assimilação consta não só do movimento de composição mollecular, que acabamos de mencionar, mas tambem de um outro movimento de decomposição tambem mollecular, em virtude do qual o organismo larga e depõe na seiva as substancias, que se lhe tornam inuteis. Esta dobrada acção componente e decomponente, que tem logar em todos os instantes da vida da planta é o que essencialmente constitue a nutrição.
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222.º Os principios organicos da seiva, a que se dá o nome de principios immediatos, são extremamente variados e numerosos; mas os que se encontram mais commummente são a goma, a fecula, a cellulosa, o assucar, os acidos, os oleos, as rezinas, a albumina, e a fibrina.
223.º Estas substancias varião não só nas diversas especies de vegetaes, mas ainda segundo os orgãos, em que se observão; é assim por exemplo que os oleos gordos apparecem principalmente nas sementes e nos fructos, a fecula nos caules e nas raizes &c.
224.º Estes principios immediatos são compostos de todos ou de alguns dos quatro elementos, que entram na composição de todos os seres organicos, e que por isso se chamão elementos organogenios. Estes elementos são o carbonio, o oxigenio, o hidrogenio, e o azote.
225.º A concisão, que nos impozemos nos tolhe de estudar aqui amplamente estas substancias, e por agora bastará saber que algumas dellas entrão na composição do ar, e outras na da agoa, onde a planta encontra os mais importantes materiaes da sua nutrição.
226.º E effectivamente o ar atmospherico sobre cinco partes em volume é composto de quatro de um gaz improprio á respiração e á combustão, que é o azote, e de uma de outro gaz proprio á combustão e á respiração que é o oxigenio. Este ultimo tão essencial á vida, tanto animal como vegetal, existe quer no estado do gaz, como no ar, quer no estado liquido, como na agoa, quer no estado solido, como em alguns mineraes. Que o ar é composto destes dois gazes prova-o a seguinte experiencia. Se sobre um prato com agoa collocarmos um pavio acceso, e se sobre elle revirarmos um copo ou vaso de vidro de modo, que o seu bordo fique mergulhado n'agoa, veremos que á proporção que o oxigenio do ar vae sendo consumido pela combustão, a agoa vae subindo no vaso até á quinta parte da sua altura, extinguindo-se depois a luz, porque as quatro partes restantes são de um outro gaz improprio á combustão, que é o azote.
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227.º Cumpre porém advertir que além destas substancias o ar ainda contem, posto que em mui limitada porção, acido carbonico, que como já dissemos é composto de oxigenio e carvão, ammonia, que se compõe de azote e de hidrogenio, e ultimamente d'agoa.
228.º Esta ultima substancia acha-se profusamente espalhada na natureza como o ar. Tambem ella é tão indispensavel como elle ao entretenimento da vida. Póde apresentar-se no estado solido, liquido ou gazoso: estados que podemos observar no gelo, na agoa propriamente dita, e no vapôr a que este liquido se reduz pela ebulição ou pela evaporação.
229.º A agoa tambem não é um corpo simples como por muito tempo se julgou: ao contrario sobre tres volumes apresenta dois de hidrogenio e um de oxigenio: o hidrogenio é um corpo gazoso muito leve e compressivel, que se inflama com grande facilidade e o oxigenio é esse gaz, que encontramos na atmosphera, mas no estado liquido.
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230.º Uma outra experiencia nos demonstrará tambem que a agoa é composta destes dois gazes. Se misturarmos n'um balão de vidro dois volumes de gaz hidrogenio e um de oxigenio, e se sobre esta mistura dirigirmos a faisca electrica, uma forte detonação terá logar acompanhada do desenvolvimento de calor e luz; e apparecerá no fundo do balão uma quantidade de agoa igual em pezo ao dos dois gazes, que se combinaram.
231.º Depois do que levamos dito é muito facil conhecer como os quatro elementos organogenios se introduzem dentro das plantas. O carbonio resulta da decomposição do acido carbonico que foi ou absorvido pelas raizes ou pelas folhas. O oxigenio provem principalmente da agoa que é em parte decomposta pelos orgãos da planta. O hidrogenio não só provem da decomposição da agua, mas tambem da ammonia. Ultimamente o azote resulta da decomposição da ammonia e por ventura do ar, se é verdade que este é decomposto no organismo vegetal. Vê-se por tanto que o ar e a agoa são quem subministra ás plantas estes quatro elementos chimicos.
232.º Ora uma vez constatada a existencia destes elementos nas plantas explica-se facilmente a formação dos seus principios immediatos, isto é, da cellulosa, da fecula, dos oleos, da albumina, &c. porque estas substancias não são mais do que compostos ternarios ou quaternarios em diversas proporções daquelles elementos; e na verdade com algumas molleculas de agoa, ou com os seus elementos, e carbonio se fórma a cellulosa e a fecula; com estes mesmos elementos e um pouco mais de hidrogenio se formam os oleos; com estes mesmos elementos, e o azote se fórma a albumina, a fibrina, &c.
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233.º Não soffre pois duvida alguma, que estas combinações se verificam na economia vegetal: mas em virtude de que força se verificam? Porque razão n'um caso se fórma fecula, n'outro assucar, n'outro finalmente oleo ou rezina? Serão as forças chimicas as que produzem estas combinações, ou serão as vitaes? A sciencia inda não resolveu satisfactoriamente estas questões; mas tudo induz a crer que aquellas forças se combinão na producção deste admiravel phenomeno, e que o acto organico, que o produz, é um acto chimico-vital.
234.º Além dos principios immediatos que entram essencialmente na composição dos tecidos vegetaes, e que formam a base destes tecidos, outros se encontram ainda que sem fazer uma parte necessaria da sua organisação achão-se todavia ahi em quantidades mais ou menos consideraveis taes são, a cal, o nitro, o ferro, o enxofre, e algumas terras e saes. Ora estas substancias são subministradas pela terra e pelos adubos, e entrão com a agoa da vegetação para dentro dos tecidos. Vê-se por tanto que a planta tira os seus alimentos do ar da agoa e do solo.
235.º Assim o desenvolvimento da planta depende da presença de uma combinação carbonatada que forneça o carbonio - da presença de uma combinação azotada que offereça o azote - da presença da agoa que forneça o hidrogenio e oxigenio - e finalmente da presença dos principios inorganicos encerrados no solo - isto quer dizer em linguagem mais vulgar, que depende do ar, da agoa, do solo, e dos adubos, &c.
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236.º As plantas nutrem-se por consequencia de substancias inorganicas ao passo que os animaes, exceptuando o ar e a agoa necessarios ao seu desenvolvimento, se nutrem das substancias organisadas, que os vegetaes lhes preparam, como acontece aos animaes herbivoros, e mesmo aos carnivoros porque estes ainda que se nutram das carnes de outros animaes, estas não são mais do que as substancias vegetaes transformadas e assimiladas pelo organismo animal. De modo que apparece aqui nestas successivas transformações da materia a mais maravilhosa harmonia e previdencia da natureza. E effectivamente a materia bruta começa a transformar-se e a organisar-se nos tecidos da planta em materia vegetal; esta materia debaixo da forma de fecula, de oleo, de albumina, de fibrina, &c., entra para o organismo animal, e é novamente, assimilada e transformada neste mesmo organismo. A serie das transformações não para porém aqui. As substancias que os animaes assimilaram entram ainda em decomposição, e são de novo transformadas, em virtude das excreções ou da morte do animal, em materia bruta, isto é, entram no seu estado primitivo para continuarem depois nesse circulo eterno de successivas transformações. O reino vegetal é por tanto para o reino animal um grande laboratorio e armazem, onde este ultimo encontra todas as suas provisões. As plantas são por conseguinte tão necessarias aos animaes, que a vida destes fôra impossivel sem a vida daquelles seres intermediarios a elles e á materia bruta.
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237.º As acçães de composição e decomposição mollecular que constituem a nutrição propriamente dita podem ser ou eguaes ou superiores ou inferiores entre si. Se a acção de composição for egual á de decomposição o orgão conserva-se no estado estacionario, porque as suas perdas são eguaes ás suas reparações: se aquella acção for inferior a esta o orgão decompõe-se e morre, porque as perdas são maiores que as reparações: finalmente se a acção ou movimento de composição for superior ao de decomposição o orgão desenvolve-se e cresce, porque neste caso as reparações excedem as perdas.
238.º Este ultimo caso é aquelle que se dá quando na primavera as folhas se desenvolvem, e os gomos se allongam; ou quando nesta mesma estação se formam as camadas corticaes e lenhosas, á custa das duas superficies interna e externa da camada geradora, a qual se engorgita de seiva elaborada, entra n'um trabalho organico incessante que produz depois de successivas transformações o apparecimento de camadas de tecido utricular, que se addicionam a mais interna ao lenho, e a mais externa á casca produzindo deste modo o crescimento em grossura das arvores.
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Funcções de reproducção.
239.º Se nas plantas não existissem outras funcções além das nutritivas poderia conservar-se a sua vida individual, mas por modo nenhum se conservaria, e perpetuaria a vida das especies. Para que este fim tão essencial ao plano da natureza fosse obtido, era indispensavel que estes seres podessem desenvolver e gerar no seu seio outros seres rudimentares, que fossem virtualmente semelhantes a si mesmos - isto é, era indispensavel que se podessem reproduzir e gerar por meio das funcções que chamamos reproductoras, ou dos actos vitaes a que damos o nome de geração.
240.º A natureza, que despregou uma solicitude ainda maior na conservação das raças do que na dos individuos, tanto no reino animal, como no vegetal, não podia deixar de consagrar a este importante fim um grupo de orgãos e de funcções especiaes, que o assegurassem.
241.º A reproducção é uma funcção em virtude da qual a planta dá nascimento a germes, que desenvolvendo-se reproduzem novos individuos. Esta funcção na grande maioria das plantas é um resultado da acção reciproca dos orgãos sexuaes; em certos vegetaes porém não sendo visiveis os sexos, suppõem alguns botanicos que ella tem logar sem a sua intervenção. É porém muito natural que os orgãos sexuaes, com quanto occultos e invisiveis para nós, existam ainda neste caso, e actuem um sobre o outro para produzir os germes.
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242.º Muitas plantas tambem se reproduzem por meio de gomos, bolbos, bolbilhos e tuberculos, assim como por meio de ramos ou raizes, quando estes encerram alguns daquelles corpos reproductores, mas neste caso estes corpos são considerados como germes virtualmente semelhantes ás sementes. Nós porém não nos occuparemes aqui senão desse modo de reproducção mais geral, que se verifica pela intervenção dos sexos, quando elles são observaveis.
243.º Quando o vegetal se cobre de flôres tem logar o segundo periodo da sua vida, que se chama floraçaõ, que é em certo modo a epoca da puberdade da planta. É dentro das flôres, que se encerram os orgãos da reproducção, porque é delles que nascem os fructos, é dos fructos que provem as sementes, e é nas sementes que se geram os embriões, que são em ultimo resultado os orgãos reproductores da planta. De modo que a flôr é a terminação organica do caule, o fructo a terminação organica da flôr, a semente a terminação organica do fructo, e o embrião a terminação organica da semente.
244.º A reproducção é uma funcção complexa, isto é, consta como a nutrição, de varias subfuncções ou actos vitaes: estas são a fecundação, a maturação do fructo e da semente, e a disseminação. Nós não introduzimos aqui a germinação, porque esta funcção, como veremos adiante, é uma funcção intermediaria, que serve de ligar os phenomenos da vida reproductora com os da vida nutritiva, participando por conseguinte de uns e outros.
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Fecundaçaõ.
245.º O acto vital em virtude do qual o ovario e os ovulos nelle contidos recebem a acção vivificante do polen chama-se fecundaçaõ.
246.º Os antigos não tiveram uma verdadeira noção dos sexos dos vegetaes. Foi só nos principios do seculo passado, que se conheceu o sexualismo das flôres, e o seu aparelho da fecundação. Hoje já não é licito duvidar desta verdade provada pela castração dos estames ou dos pistillos, que tornam as flôres estereis - pelas fecundações artificiaes, por exemplo, das palmeiras, que dão em resultado uma grande copia de fructos - pelas fecundações tambem arteficiaes de especies diversas que produzem raças intermedias ou hibridas semelhantes ás raças mulinas dos animaes - e por um grande numero de observações e experiencias, que fôra longo referir.
247.º E' facil atinar com a razão porque as plantas são quasi todas hermaphroditas e poucas unisexuaes, e porque os animaes são quasi todos unisexaes e poucos hermaphroditas - é porque as plantas privadas da faculdade de se moverem, e presas irrevogavelmente ao logar, que as viu nascer, difficilmente exerceriam o acto da fecundação, se os seus sexos não estivessem muito proximos uns dos outros, ou se não cohabitassem, por assim dizer, no mesmo domicilio - e os animaes pelo contrario dotados de movimento voluntario poderiam, quando excitados por um movimento interior, procurar-se e unir-se, como em verdade acontece, para executarem este importante acto da fecundação.
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248.º As razões porque a fecundação é muito facil nas plantas hermaphroditas, e mais ou menos difficil nas unisexuaes já foram apresentadas no § 131. Se o polen não fosse solido, e ao mesmo tempo um pó muito leve e subtil, a fecundação das plantas unisexuaes seria impossivel. As palmeiras, por exemplo, não poderiam fecundar-se estando as masculinas um pouco distantes das femeninas, se o polen não fosse impellido pelos ventos ou importado nas azas e pellos dos insectos. Uma observação feita em Berlim nos faz vêr que as palmeiras femeninas podem deixar de ficar estereis sendo fecundadas pelo polen das masculinas. Havia nas estufas de um jardim desta cidade uma palmeira de flôres femeninas ou pistillosas, que era esteril havia 80 annos; mandou-se vir pela posta de carlsruhe algumas pitadas de polen pertencente a uma palmeira masculina, ou estaminosa, lançou-se o polen sobre as flôres da primeira, e tornou-se fecunda; conservou-se depois esteril durante 18 annos, e depois deste intervallo foi ainda fecundada artificialmente, e a operação teve o mesmo resultado que da primeira vez.
249.º Eis aqui como se passa o phenomeno da fecundação. Quando a flôr tem alcançado o seu completo desenvolvimento; isto é, quando os involucros floraes, o calix, e a corolla, se expandem; abrem-se então as cellulas dos antheras, que deixam escapar o pollen, que vai fixar-se sobre o estigma. Este orgão quasi sempre humido e glanduloso actua sobre os grãos do mesmo pollen, cedendo-lhes uma parte da sua humidade; estes entumecem-se, abrem-se, e emitem de si uns pequenos utriculos mui tenues e alongados, que se acham cheios de materia fecundante, a que se dá o nome de fovilla. Estes utriculos insinuam-se pelo tecido conductor do estigma e do estilete, penetram dentro do ovario, e inoculam-se cada um delles sobre o seu ovulo, que, recebendo no seu interior a materia fecundante, recebe com ella o impulso vital, que é a principal causa do seu desenvolvimento.
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250.º Em quanto este misterioso phenomeno se passa no seio da flôr muitas mudanças organicas se manifestam nas diversas partes constituintes deste orgão. O calix e a corolla começam por murchar e pouco depois desapparecem. Os estames e os pistillos apresentam geralmente uma temperatura mais elevada do que os outros orgãos da planta: a seiva aflue e dirige-se principalmente para o centro da flôr com grande força; tanto os orgãos masculinos como os femeninos tornam-se humidos e intumecidos como se vê no lirio e na violeta. A sua excitabilidade tem-se augmentado a ponto, que se os irritamos com a ponta de uma agulha, ou com qualquer outro corpo estranho indireitam-se e vêem unir-se ao centro da flôr. Estes movimentos virificam-se mesmo em algumas plantas sem serem provocados, como se vê na arruda, na parietaria, na amoreira de papel. Um grande numero de plantas aquaticas, como o golphaõ branco, o trevo dos charcos, &c., apresentam primeiramente os botões das suas flores escondidas debaixo d'agoa, mas pouco a pouco vêem-se approximar da sua superficie; sobrenadão ahi por algum tempo, abrem-se, e quando a fecundação tem sido operada tornam depois a descer abaixo da superficie do liquido para ahi amadurecerem as suas sementes.
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Maturaçao do fructo e da semente.
251.º Pouco tempo depois da fecundação haver sido operada sobrevem uma serie de mudanças, que annuncião uma acumulação de vitalidade, e um augmento consecutivo de nutrição em algumas partes da flôr; assim como uma evidente diminuição de vida em outras.
252.º A frescura e a viveza das côres deste orgão desvanece-se, a corolla perde o seu brilho e o seu risonho colorido; desseca-se pouco tempo depois e desapparece. Os estames havendo preenchido as funcções, a que a natureza os destinára, experimentão a mesma degradação. De todas as partes da flôr é o pistillo a que permanece por mais tempo intacta; mas a sua parte superior e media, isto é, o estigma e o estilete, tornando-se inuteis, tambem por fim murchão e cahem. O ovario é o unico orgão, que então fica persistindo, porque é de todo o aparelho floral o unico necessario, visto que é no seu seio, que a natureza depuzera o porvir da especie, e os rudimentos das gerações futuras do vegetal.
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253.º Esta parte da flôr é a unica que lhe sobrevive, e é aquella que desenvolvendo-se deve produzir o fructo. Todos os liquidos nutritivos, que se dirigião para os diversos orgãos de flôr, se dirigem finalmente para este, de modo que se torna o centro de uma grande actividade organica, e de um notavel crescimento.
254.º Logo que o ovario começa a crescer, os ovulos que elle encerra, e que no seu começo não erão mais do que pequenas cellulas cheias de uma substancia quasi liquida, e apenas organisada, adquirem uma progressiva consistencia; é então que as sementes começão a notar-se; e que o embrião, sua parte essencial, começa a desenvolver-se. E com effeito se nós observarmos um ovario nesta epoca veremos que elle é já um fructo em miniatura. Se tomarmos o ovario da larangeira, e se o cortarmos transversalmente, notaremos nelle os delineamentos do fructo desta planta com todas as suas partes perfeitamente esboçadas.
255.º O ovario logo que é fecundado ingorgita-se de succos, e presta ás sementes o mesmo officio, que a madre presta ao feto animal, isto é, abriga-as durante os primeiros periodos da sua vida, nutre-as, e sacrifica finalmente a sua substancia ao seu completo desenvolvimento.
256.º A experiencia demonstra, que tanto a luz como o calor acelerão incontestavelmente a maturação de quasi todos os fructos. A quietação tambem melhora consideravelmente a sua qualidade e tamanho, sendo esta a principal razão, porque os fructos das arvores fortemente baloiçadas pelos ventos nunca são tão bem creados, como os das arvores convenientemente abrigadas.
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257.º A incisão annular da casca dos ramos fructiferos anticipa de uns quinze a vinte dias a maturação dos fructos, e melhora mesmo a sua qualidade. Esta incisão produz uma acumulação de seiva elaborada nestes orgãos, que é a principal causa daquelle phenomeno.
258.º Ultimamente a maturação das sementes, que coincide quasi sempre com a dos fructos, verifica-se pela successiva assimilação dos principios da seiva, que lhe são transmittidos pelos mesmos fructos, depois de nelles haverem experimentado uma previa elaboração.
259.º E' nesta epoca da maturação que se torna sobre maneira nociva a superabundancia da agoa n'um grande numero de plantas: ella não sómente impede, ou ao menos retarda, o amadurecimento completo dos fructos, tolhendo a formação da fecula, da gomma, do assucar, &c., mas obsta poderosamente á maturação e perfeição das sementes, impedindo a formação da albumina, dos oleos, do lenhoso, &c.
Disseminação.
260.º Um pouco depois da epocha da maturação abrem-se em geral os fructos, desunem-se as differentes partes que os compõem; e as sementes, nelles contidas, rompendo os laços, que as prendiam a estes orgãos, espalhão-se pela terra. Esta acção organica, que tanto se assemelha ao parto dos animaes, ou á postura dos ovos, tem o nome de disseminação.
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261.º A disseminação natural das sementes é o agente mais poderoso da reproducção das plantas. Foi a natureza que ensinou ao homem este proveitoso processo. As vantagens, que o agricultor delle tira são universalmente conhecidas.
262.º E' na verdade maravilhosa a profusão com que a natureza produz os germes ou as sementes da maior parte das plantas. N'um pé de dormideira, por exemplo, tem-se encontrado até 32:000 sementes, e n'um pé de tabaco 360:000. Se todas estas sementes germinassem não seria sufficiente toda a vasta superficie da terra para conter estas duas unicas especies depois de algumas dezenas de gerações.
263.º Ha porém um sem numero de causas que tendem a neutralisar esta espantosa fecundidade das plantas. Em primeiro logar deixão de concorrer no maximo numero de casos todas as condições indispensaveis á germinação, que como veremos, são muito numerosas: em segundo logar o homem e os animaes herbivoros, encontrando nas sementes os principaes elementos de sua nutrição, destroem uma innumeravel quantidade dellas.
264.º Existe um grande numero de circumstancias favoraveis á disseminação. Umas vezes são os fructos, que se abrem com uma especie de elasticidade, lançando as sementes a grandes distancias; outras vezes são as proprias sementes, que pela sua leveza, e por uma especie de azas membranosas, de que a natureza as dotára, voão pelos ares, e vão cahir em pairagens remotas. Os ventos, as correntes dos rios, e dos mares, o fluxo e refluxo das marés, o homem, as aves, e muitos outros animaes são outros tantos portadores das sementes, e ás vezes até de um para outro hemispherio. Todas estas causas concorrem para enriquecer a flora de um paiz com as plantas dos outros. Nas costas da Noruega e da Finlandia encontram-se fructos da America trazidos pelas agoas. As sementes das bignonias fazem longas emigrações, sustentando-se nos ares, e sendo impellidas pelos ventos.
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Germinação.
265.º A serie de phenomenos, porque passa a semente perfeita, quando posta em circumstancias favoraveis dá logar ao desenvolvimento do embrião, e á sua transformação em nova planta, tem o nome de germinação.
266.º A serie dos phenomenos da germinação é a seguinte. A semente posta em contacto com a terra humida entumece, os seus tegumentos amollecem, e rompem-se; o embrião, que, como já dissemos, é a parte mais interior e essencial da semente, havendo experimentado uma certa dilatação, sahe pelas aberturas da mesma semente, e nutrido pelos cotiledones, ou pelo endosperma, começa a desenvolver-se, e a crescer. E' então que podem ser bem observadas todas as suas partes componentes, isto é, o corpo radicular ou a radicula, a gemmula, e os cotiledones. O primeiro forceja por se encravar na terra, fugindo á luz, a segunda dirige-se para o céu procurando a claridade, os terceiros começão por entumecer, e acabão por se atrophiar, porque a sua substancia é sacrificada ao desenvolvimento da plantula.
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267.º A fava póde-nos dar uma idéa da maneira porque estes phenomenos se vão succedendo. Vinte e quatro horas depois de semeada apparece entumecida, os seus tegumentos amollecidos, e a abertura por onde tem de passar a radicula apresenta-se mais dilatada. No fim do terceiro dia a radicula já tem transposto esta mesma abertura, e começa a chupar os fluidos nutritivos da terra; os tegumentos já se achão muito mais amollecidos, os cotiledones muito mais inchados, e a gemmula começa a dar signaes de desenvolvimento, posto que ainda encerrada dentro do corpo cotiledonar. No setimo dia já a raiz se manifesta tortuosa, e com principio de ramificações, os cotiledones, que apresentam então uma côr amarellada, tem-se atrophiado um pouco, e as folhinhas seminaes da gemmula já se deixão vêr pela parte superior do corpo cotiledonar. No nono dia a gemmula já apresenta a fórma do caule, a radicula a fórma da raiz, e os cotiledones continuão a atrophiar-se até que passados mais alguns dias a plantula se transforma completamente n'um novo vegetal inteiramente similhante áquelle de que proviera.
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268.º Para que uma semente germine é necessario o concurso de certas circumstancias, umas intrinsecas e outras extrinsecas á mesma semente.
269.º Eis-aqui as principaes d'entre as primeiras. A semente deve ter sido fecundada, estar no seu perfeito estado de maturação, e encerrar um embrião completo em todas as suas partes. Precisa além disto não ter perdido com a edade a sua faculdade germinativa.
270.º Ha sementes que perdem esta faculdade em muito pouco tempo; ha porém outras que a conservam durante annos e até durante seculos, uma vez que hajão sido perservadas do contacto do ar, da humidade, e da luz. E na verdade algumas se tem feito germinar, posto que encontradas em tumulos romanos de muitos seculos de antiguidade. As sementes, que por mais tempo conservam a sua faculdade germinativa, são as que tem tegumentos espessos, polidos, e pouco penetraveis pelo ar e pela luz, como as das plantas leguminosas; as dos cereaes em muito pouco tempo perdem aquella faculdade, como é sabido por todos os agricultores.
271.º As circumstancias extrinsecas e essenciaes á germinação são a acção da agoa, do calor, e do ar. A agoa amollece os involucros da semente e favorece a sua ruptura; penetra na amendoa e opera o seu entumecimento: serve de dissolvente e de vehiculo aos verdadeiros alimentos da plantula; e determina nos cotiledones e no endosperma mudanças chimicas que convertem os seus principios immediatos em substancias aliveis. O calor favorece a germinação ministrando não só uma condição phisica necessaria áquellas acções chimicas, mas tambem uma excitação vital, sem a qual o organismo vegetal não responde á acção dos seus naturaes modificadores. Assim vemos que uma semente posta n'uma temperatura inferior a zero, isto é, inferior á do gelo, não só não germina, mas fica n'um perpetuo entorpecimento; e do mesmo modo se a submettermos a uma alta temperatura, á de 45 a 50 gráos do thermometro de Reaumur, tambem deixa de germinar, por uma razão contraria - porque o excesso do calor desseca os tecidos a ponto de amortecer nelles o principio de vida. E' por tanto entre estes dois extremos, que encontraremos as temperaturas mais favoraveis á germinação que existem na verdade entre 20 a 30 gráos. O ar finalmente é tão necessario ás plantas quando germinão, como quando vegetão em idade mais avançada. No vazio da machina pneumatica nenhuma semente germina, porque lhe falta o ar. Se a mergulharmos no azote, que como sabemos é um dos elementos do ar, tambem não germina; mas se a mergulharmos no oxigenio, que é o outro elemento do ar atmospherico, a sua germinação será rapida e energica; donde devemos concluir, que é em virtude deste principio que o ar é proveitoso á germinação.
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272.º E na verdade tão proveitoso e indispensavel é elle que todas aquellas sementes que tem existido profundamente enterradas na terra e subtrahidas por consequencia á acção do ar, ficam durante longo tempo sem dar signal algum de vida; mas quando em virtude de escavações e lavras profundas são trazidas á superficie do terreno germinão perfeitamente. De modo que a terra foi neste caso para ellas como um desses siros, onde os antigos conservavam por muito tempo escondidos e intactos os cereaes e outros grãos.
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Dos movimentos das plantas.
273.º Posto que as plantas não exerçam movimentos espontaneos ou voluntarios, como os animaes, exercem todavia movimentos involuntarios mui curiosos e dignos de se mencionarem quando se expõe a historia da vida destes seres.
274.º Estes movimentos manifestam-se em quasi todos os orgãos da planta, mas principalmente nas folhas, e nas flôres.
275.º Se invertermos a posição natural de um ramo, e por consequencia a das suas folhas, de modo que a sua face superior fique virada para a terra, e a inferior para o céu, veremos irem-se revirando pouco a pouco estes orgãos até ficarem na sua posição natural e primitiva.
276.º A maior parte das plantas que tem folhas compostas ou articuladas apresentam-nos estes orgãos em posições diversas durante o dia, ou durante a noite. Effectivamente as leguminosas, que constituem uma numerosa familia, e muitas outras plantas apresentam-nos as folhas horisontaes ao nascer do sol, quasi verticaes ao meio dia, e inclinadas ou pendentes para a terra durante a noite, como se estivessem dormindo. Foi por isto que Linneo deu a este phenomeno o nome de somno das plantas, e na verdade no meio da sua prostração ellas parecem sepultadas n'uma especie de somnolencia.
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277.º A dionaea muscipula, planta natural da America é munida de folhas carnosas compostas de duas metades ou lobulos articulados por uma especie de charneira. Estas folhas são de uma exquisita excitabilidade; quando qualquer insecto as pica, as duas metades se aproximam e fecham rapidamente uma sobre a outra, e esmagam o pobre animal que imprudentemente as fôra estimular - é por este motivo que esta planta é vulgarmente designada pelo nome de apanha-moscas.
278.º E' muito conhecida a excitabilidade da sensitiva, que tocada por qualquer corpo estranho, estremece, e se contrahe, unindo as folhas aos ramos, e estes ao caule, como se algum sentimento de susto ou de pudor a tivesse commovido. Esta esquisita susceptibilidade fez com que Linneo lhe desse o nome de mimosa pudica. Muitos outros factos de egual natureza poderamos citar para provar que as folhas das plantas são dotadas de movimentos, dos quaes uns são filhos da tendencia, que estes orgãos tem para a luz, e outros da sua excitabilidade vital.
279.º A luz é tambem a causa de varios movimentos apresentados pelas flôres.
280.º Effectivamente ha flôres que vão tomando sobre o seu pedunculo posições taes, que sempre se veem viradas para o sol. A planta, que por esta razão se denomina girasol, está neste caso, posto que a sua tendencia para a luz não seja das mais pronunciadas.
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281.º Existem outras flôres que se abrem e fecham em horas certas e determinadas do dia; o que deu logar á formação do relogio de Flora imaginado por Linneo. Outras só se mostram abertas durante o dia e fechadas durante a noite, e viceversa, e por isso receberão a denominação de diurnas e nocturnas. Os nomes populares dados a certas plantas, como a bella da noite, a bella do dia, &c., fazem vêr que este phenomeno, appellidado tambem somno das flôres, era vulgarmente conhecido de ha muito tempo.
282.º Existem ainda outras flôres, que pelos seus movimentos nos denunciam certas mudanças atmosphericas, particularmente a humidade e a secura do ar, e que por isso se chamam meteoricas, como são, a calendula pluvialis, ou a bonina das chuvas, o sonchus sibiricus, &c.
283.º Na epoca da fecundação deixam tambem ver as flores nos seus orgãos sexuaes curiosissimos movimentos, que são evidentemente devidos a um augmento de excitabilidade. Na parnassia, por exemplo, os seus cinco estames curvam-se successivamente para o centro da flôr a fim de se applicarem sobre o pistillo. Na parietaria quando os seus filetes são tocados por qualquer corpo estranho abrem-se rapidamente as antheras para deixar sahir o pollen.
284.º Terminaremos aqui, com a exposição destes quasi mysteriosos e inexplicaveis phenomenos, a historia da vida e funcções das plantas; e passaremos em seguida a apresentar as noções elementares de agricultura, que devem constituir a segunda parte deste nosso trabalho.
Idéa geral das classificações botanicas.
A distribuição methodica das plantas em divisões successivas, e taes que as superiores contenham as inferiores, distinguindo-se cada uma dellas por caracteres proprios, chama-se classificação.
Quando são muito numerosos os objectos, que temos a estudar ou a conhecer, é mister distribuil-os em grupos, para que o nosso espirito os possa abraçar e associar mais facilmente. Se as 100:000 plantas, que hoje se conhecem não estivessem classificadas o seu estudo fôra quasi impossivel.
As classificações botanicas dividem-se em artificiaes e naturaes: ás primeiras dá-se o nome de systemas, ás segundas o de methodos.
As classificações para serem perfeitas deveriam satisfazer a estas duas condições, fazer-nos conhecer promptamente o nome que os botanicos tem assignado a qualquer planta e collocar cada especie e cada genero na proximidade daquelles, que tiverem com elles mais similhanças essenciaes - desgraçadamente não ha classificação que prehencha estes dois fins; mas o primeiro é obtido pelos systemas, e principalmente pelo de Linneo, e o segundo pelos methodos.
O systema de Linneo faz-nos descubrir com uma certa facilidade o nome das plantas e os methodos naturaes, collocam-as no logar que ellas devem occupar no reino vegetal. O methodo é por tanto o complemento do systema - o primeiro é o meio, e o segundo é o fim; devem por tanto associar-se no ensino um com o outro.
Methodo de Jussieu.
Neste methodo são todas as plantas divididas em tres grandes divisões, a saber acotyledonias ou as que carecem de cotyledones, monocotyledonias ou as que tem um só cotyledone, e docotyledonias ou as que tem dois ou mais cotyledones. Estes tres grupos são divididos em 15 classes cujos caracteres, como se vê na clave seguinte, são deduzidos do hermaphroditismo ou unisexualismo das flores; da ausencia, da presença ou da divisão da corolla; da inserção relativa deste orgão ou dos estames; da reunião ou separação das antheras, como se deprehende da seguinte clave:
Clave do methodo das familias naturaes de Jussieu.
Classes
Acotyledonias 1.ª Acotyledonia
Monocotyledonias
Estames hypogynicos 2.ª Monohypogynia
- perigynicos 3.ª Monoperigynia
- epigynicos 4.ª Monoepigynia
Dicotylidoneas
Apetalas Apetalia
estames epigynicos 5.ª Epistaminia
- perigynicos 6.ª Peristaminia
- hypogynicos 7.ª Hypostaminia
Monopetalas Monopetalia
corolla hypogynica 8.ª Hypocorolia
- perigynica 9.ª Pericorolia
- epigynica
antheras reunidas
10.ª Synantheria
antheras distinctas
11.ª Corysantheria
Polypetalia Polypetalas
estames epigynicos 12.ª Epipetalia
- hypogynicos 13.ª Hypopetalia
- perigynicos 14.ª Peripetalia
Diclinas irregulares 15.ª Diclinia
Exemplos das 15 classes do methodo natural de Jussieu. 1.ª Lichen. 2.ª Aveia. 3.ª Lirio. 4.ª Vallisneria. 5.ª Aristolochia. 6.ª Ananaz. 7.ª Tanchagem. 8.ª Salva. 9.ª Campanula. 10.ª Taraxaco. 11.ª Sabugueiro. 12.ª Angelica. 13.ª Larangeira. 14.ª Pereira. 15.ª Meloeiro.
Caracteres especiaes e exemplos das 24 classes do systema sexual. Além dos caracteres indicados na clave as classes deste systema apresentam os seguintes:
1.ª Um só estame ex. Valeriana.
2.ª Dois estames ex. Salva.
3.ª Tres estames ex. Aveia.
4.ª Quatro estames não guardando proporção determinada entre si ex. Escabiosa.
5.ª Cinco estames ex. Sabugueiro.
6.ª Seis estames não guardando proporção determinada entre si ex. Lirio.
7.ª Sete estames ex. Castanheiro da India.
8.ª Oito estames ex. Erica.
9.ª Nove estames ex. Loureiro.
10.ª Dez estames ex. Arroz dos telhados.
11.ª De onze a 19 estames ex. Saião.
12.ª Vinte ou mais estames sobre o calice ex. Rozeira.
13.ª Vinte ou mais estames sobre o receptaculo ex. Dormideira.
14.ª Quatro estames dos quaes dois são mais cumpridos ex. Dedaleira.
15.ª Seis estames dos quaes quatro são mais cumpridos ex. Loureiro.
16.ª Estames soldados pelos filetes em um só corpo ex. Malva.
17.ª Estames soldados pelos filetes em dois corpos ex. Ervilha.
18.ª Estames soldados pelos filetes em muitos corpos ex. Larangeira.
19.ª Estames soldados pelas antheras em um cilindro ex. Taraxaco.
20.ª Estames adherentes ao pistilo ex. Salepo.
21.ª Flores masculinas e femeninas no mesmo individuo ex. Meloeiro.
22.ª Flores masculinas e femeninas em dois differentes individuos ex. Ortiga.
23.ª Flores masculinas, femeninas e hermaphroditas sobre um só ou sobre muitos individuos ex. Parietaria.
24.ª Flores não visiveis ex. Feto macho.
O que classificamos no reino vegetal são os individuos. Destes se formam as especies; das especies os generos, dos generos as ordens ou familias: destas as classes; das classes as divisões fundamentaes ou grupos primarios.
O individuo vegetal é um ser vivo, cujas partes se reham ligadas pelo laço da organisação. Os individuos são aquelles seres de que se compõe a especie tomados isoladamente. N'uma floresta de carvalhos todas as arvores que a constituem representam a especie, e cada uma dellas o individuo.
Especie é a collecção de individuos que offerecem os mesmos caracteres e se reproduzem com as mesmas propriedades essenciaes. Os caracteres porque se destinguem as especies chamam-se especificos.
Genero é a collecção de especies, que tem os mesmos caracteres genericos, e que se assemelham pela sua organisação, e fórmas exteriores.
Ordem é a collecção de generos que apresentam um ou mais caracteres communs de primeira importancia. As familias são ordens naturaes, que além destes caracteres tem um porte e aspecto fraternal.
Classes são collecções de ordens reunidas por um caracter muito geral e importante.
As primeiras divisões do reino vegetal distribuem-se por tanto em classes; estas em ordens ou familias; estas em generos; estes em especies, que são collecções de individuos.
Entre os systemas inventados para coordenar os vegetaes e encontrar com facilidade os seus nomes botanicos o systema sexual de Linneo é sem contradicção o mais simples e o mais pratico que fez inquestionavelmente esquecer todos os que o tinham precedido, e que ainda não foi eclipsado por nenhum dos que posteriormente se publicaram.
Este engenhoso systema funda-se sobre as seguintes bases: 1.ª sobre a presença ou ausencia dos orgãos sexuaes; 2.ª sobre a sua reunião na mesma flor, ou sobre a sua separação em flores distinctas; 3.ª sobre a adherencia dos estames e dos pistilos; 4.ª sobre a a connexão dos estames entre si, quer seja pelos filetes, quer pelas antheras; 5.ª sobre a proporção respectiva dos estames, quando esta proporção offerece um caracter constante; 6.ª sobre o numero e inserção dos estames; 7.ª sobre o numero sómente destes orgãos. A clave seguinte nos dará uma idéa do singular artificio deste systema.
Clave do systema sexual de Linneo
Classes
Plantas de
Orgãos sexuaes apparentes
Flores hermaphroditas
Estames distinctos do pistilo
Livres
Proporção indeterminada
numero
1 Monandria
2 Diandria
3 Triandria
4 Tetrandris
5 Pentandria
6 Hexandria
7 Heptandria
8 Octandria
9 Enneandria
10 Decandria
11 Dodecandria
numero e inserção
12 Icosandria
13 Polyandria
Proporção determinada
14 Didynamia
15 Tetradynamia
Reunidos
pelos filetes
16 Monadelphia
17 Diadelphia
18 Polyadelphia
pelas antheras 19 Syngenesia
Estames soldados com o pistilo 20 Gynandria
Flores unisexuaes
21 Monoecia
22 Dioecia
23 Polygamia
Orgãos sexuaes occultos 24 Cryptogamia
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