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SEGUNDA PARTE.

Elementos de Agricultura.

285.º A agricultura considerada n'uma das suas mais geraes accepções não só nos ensina a maneira de cultivar a terra para della extrahir o maior proveito possivel - mas ainda a maneira, porque devem ser recolhidos, cuidados, e manipulados os productos agricolas; e porque devem ser educados e aproveitados os animaes domesticos, que ou hão-de ajudar o lavrador nos seus variados trabalhos, ou hão-de servir de alimento ao homem. Considerada porém n'uma accepção mais restricta - naquella em que a tomamos neste logar - é a agricultura a sciencia, que nos ensina os preceitos theoricos e praticos, com que se ha-de cultivar a terra.

286.º Os processos desta cultura não são mais do que uma imitação dos processos da natureza - desta mestra universal do genero humano. Foi ella que ensinou ao agricultor a romper, a corregir, a estercar, e a regar as suas terras - a fazer em tempo proprio as sementeiras, as plantações, as mergulhias, as podas, e os enxertos - foi espreitando as suas indicações, reproduzindo e modificando os seus processos, que o agricultor forçou a terra a ministrar-lhe as variadas producções que devem satisfazer as principaes necessidades do genero humano.

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287.º Obter de um dado terreno e n'um dado tempo o maximo proveito possivel é o fim, que o cultivador deve propôr-se nas suas operações agricolas. Se estas operações forem guiadas por mãos inexperientes, nunca, a não ser por acaso rarissimo, serão coroadas de resultados felizes. O saber guiado pela experiencia, a vontade animada pela perseverança são qualidades indispensaveis ao cultivador e condições essenciaes da proficiencia dos seus processos.

288.º Poucas profissões carecem de um juizo prudencial, e de um tino pratico tão grande como a do agricultor. Elle está sempre entre dois escolhos, que precisa egualmente evitar, porque podem egualmente perdel-o. E' preciso que elle não seja tenazmente aferrado ás praticas antigas, nem supersticiosamente afeiçoado ás modernas - que não condemne sem razão evidente o que o tempo tem consagrado, nem adopte sem serio exame as innovações que lhe forem apresentadas. Muitas destas innovações uteis em certas localidades poderão não sêl-o na sua - e então é indispensavel submettel-as á pedra de toque da experiencia; e ensaia-las em ponto pequeno, a fim de que as perdas, que por ventura possam derivar de taes tentativas, não desfalquem a sua fortuna.

289.º O bom agricultor deve dedicar a estas tentativas uma pequena porção do seu campo, deve instituir ahi culturas experimentaes, ensaiar novos methodos, e instrumentos agrarios modernos; e eu lhe asseguro que ha-de nesse livro, que não mente, aprender bellas e proveitosissimas cousas.

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290.º E' na verdade para lamentar o tardo movimento agricola, que existe n'um paiz tão fecundo, como o nosso. Vamos ficando atraz de quasi todas as nações da Europa. E assim deve de ser, porque os nossos agricultores carecem geralmente da precisa instrucção nos objectos da sua profissão - nem são ordinariamente os proprietarios os cultores das terras, mas sim os rendeiros, que, attento o uso funestissimo dos curtos prasos dos arrendamentos, não curão nem podem curar de melhoral-as. Assim os campos em muitos pontos do reino são mal agricultados, e miseravelmente adubados - os instrumentos agrarios imperfeitos e malprestadios - as sementes pouco escolhidas e apuradas - as rotações das culturas ou desconhecidas ou pouco variadas - os gados são escassos, muitas vezes mal cuidados, e quasi sempre expostos ás intemperies do ar, e a insuportaveis privações - as raças, salvas poucas excepções, andão abastardadas - os estrumes por falta de curraes são desaproveitados - os correctivos quasi desconhecidos - e finalmente os pastos em muitas partes do reino são apenas as producções espontaneas do solo, sugeitas frequentes vezes a um communismo devastador e intoleravel.

291.º Custa a crêr, que predomine ainda nas nossas provincias meridionaes o mesquinho systema dos pousios ou do descanço das terras - este systema que caracterisa apenas a segunda epocha dos progressos da agricultura, e que só vio antes de si a cultura mónada dos povos pastores, que marca a primeira epoca, ou a epoca da infancia desta arte.

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292.º A terra não precisa de descanço como o homem; a sua força productiva não se debilita nem esgota como a de uma velha mulher. Se vós souberdes reparar as suas forças, e dirigir convenientemente a sua acção, vereis como a conservais n'uma permanente fecundidade. Sendo certo que umas culturas empobrecem e outras enriquecem os terrenos, e que nem todas as plantas requerem ao solo os mesmos principios alimentares, é evidente que podem estabelecer-se giros ou rotações de culturas, que mantenham em constante, ou quasi constante actividade as forças productivas do solo. E na verdade é isto o que se faz systematicamente haverá pouco mais de um seculo nas nações mais cultas da Europa. Aquelles giros de culturas são conhecidos pelo nome de systema de afolhamentos ou de cultura alterna, que caracterisa a terceira epoca da agricultura, e o seu mais pronunciado aperfeiçoamento.

293.º Este systema agronomico augmentou expantosamente o valor dos productos agricolas nos paizes, que afortunadamente o adoptaram; mas este systema liga-se com o dos prados artificiaes, com um copioso e periodico emprego de adubos, e conseguintemente com uma abundante criação de gados. Prados, gados, e estrumes, são os elementos da boa agricultura e aquelles que os nossos lavradores devem procurar adquirir se quizerem competir nos mercados estrangeiros com as producções da grande cultura, e especialmente com os cereaes das nações que os exportam - porque o caso não está em produzir muito, que muito já nós produzimos de certos artigos; o caso está em produzir barato; e é barato que nós não produzimos muitas vezes.

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294.º Nós daremos em outro logar o necessario desenvolvimento a esta idéa fundamental de todo o bom systema de cultura - mas quizemos desde já estampal-a no começo destas noções para que os nossos cultivadores a meditem, e se familiarisem com ella.

295.º Antes de encetar qualquer cultura, ou de se estabelecer em qualquer localidade deve o cultivador procurar conhecer duas cousas, qualquer dellas muito importante, o clima, e o solo. Vamos pois estudar separadamente cada um destes objectos.