CAPITULO I.

Clima e sua influencia em agricultura.

296.º O clima considerado em relação á agricultura é um resultado da acção combinada dos agentes da vegetação, isto é, do ar, da agoa, do calor, da luz, da electricidade, e do solo; mas como estes agentes actuam por intervenção da atmosphera, ou da terra, é evidente que nas variações destes dois ambientes das plantas encontraremos a razão sufficiente das diversas constituições dos climas.

297.º Estudando a atmosphera em relação á agricultura nós devemos examinar não só a sua acção chimica, mas tambem a sua acção physica e mechanica, donde nascem muitos phenomenos meteorologicos da mais alta importancia na vegetação, como são os ventos, as chuvas, as trovoadas as nevoas, &c., e estudando o solo devemos examinar a sua situação e exposição, deixando a sua composição chimica para ser tractada em separado, attenta a sua grande importancia.

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Acção chimica da atmosphera.

298.º O ar atmospherico é composto, como já dissemos, de gazes ou de vapores ligeiros e invisiveis, que obram diversamente sobre a vegetação. Estes gazes são o oxigenio, e o azote; mas entram tambem na composição do ar, posto que em pequena quantidade, o gaz acido carbonico, a ammonia, e a agoa em vapor.

299.º O oxigenio que entra por pouco mais de uma 5.ª parte na constituição da atmosphera, é absorvido pelas raizes, exhalado de dia pelas folhas; é o principal agente da germinação, e um dos primeiros elementos da planta.

300.º Esta substancia exerce um papel importantissimo em toda a natureza. Combina-se com uma multidão de corpos occasionando a sua combustão: dá nascimento aos oxidos ou terras, que formam a massa do solo aravel: fórma a agua combinando-se com o hidrogenio, e a maior parte dos acidos combinando-se com as bases - alimenta a respiração dos animaes, e é um dos agentes mais poderosos e essenciaes da vida.

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301.º A acção do azote - desse outro gaz, que entra quasi por quatro quintos na composição do ar - é pouco apreciavel sobre a vegetação - esta substancia parece destinada a temperar a grande energia do oxigenio, que no estado de pureza excita por tal modo a acção organica das plantas, que as mata por excesso de vida. Encontra-se em algumas substancias vegetaes, e em grande abundancia no organismo animal.

302.º O acido carbonico, é como já dissemos, um resultado da combinação do oxigenio com o carbonio, ou com o elemento do carvão. Este gaz forma-se continuamente na atmosphera. Elle é uma consequencia da fermentação, da putrefacção, da combustão, da respiração animal, e tambem da decomposição natural ou artificial de certas substancias mineraes. Se os vegetaes o não decompozessem elle se acumularia no ar a ponto de ser funesto aos animaes, que não podem respiral-o impunemente: mas inspirado e decomposto continuamente pelos orgãos verdes das plantas, apenas se encontra na atmosphera em quantidade variavel, mas muito pequena.

303.º A ammonia, que segundo se crê existe tambem no ar, é um resultado da putrefacção diaria de milhares e milhares de animaes - todo o azote, que elles continham é restituido á atmosphera debaixo da forma de ammonia, que é a mais simples de todas as combinações azotadas, por isso que o azote manifesta pelo hidrogenio a mais pronunciada e energica afinidade. Esta substancia entrando para dentro do organismo vegetal é ahi decomposta, e cede os seus principios á planta, que os restitue debaixo de outras combinações aos animaes, continuando-se assim, na successão dos tempos, essa eterna cadea das transformações da materia, que são o grande segredo da economia da natureza. Os estrumes, ou as materias organicas em decomposição, são por tanto o rico manancial donde esta substancia se evolve em fórma de vapores - e daqui provem principalmente a sua immensa utilidade. As agoas da chuva precipitando-se na terra trazem depois comsigo, e em dissolução, estes vapores - e daqui provem egualmente a excellencia desta irrigação natural sobre todas as regas artificiaes.

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304.º Se a estas influencias juntarmos ainda a da agoa existente no ar, a qual penetra por toda a superficie da planta para ser por ella decomposta e assimilada; e se ao mesmo tempo reflectirmos que o ar pode nas diversas localidades estar mais ou menos sobrecarregado de acido carbonico, de ammonia ou de agoa, e ser por consequencia mais ou menos appropriado á vegetação, teremos deste modo completado a idéa da acção chimica do ar sobre a mesma vegetação.

Acção phisica e mechanica da atmosphera.

305.º A atmosphera deve ser considerada como um vasto oceano de gaz, que circunda a terra, e que se eleva muitas legoas acima da sua superficie. Experiencias exactissimas provão que o ar é pesado - nem podia deixar de o ser, sendo um corpo. A pressão, que elle exerce sobre a terra, é egual á que exerceria uma columna de agua de 32 pés, que envolvesse o nosso globo por todos os pontos. E' em virtude do pezo do ar que a agoa sobe nas bombas até á altura que acabámos de indicar; e que o mercurio sobe no barometro (instrumento, que logo descreveremos) até á altura de 28 pollegadas.

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306.º O pezo da atmosphera influe consideravelmente nos phenomenos tanto da vida animal como da vegetal. Os orgãos, e particularmente os vasos, tanto dos animaes como das plantas, quando mergulhados no vazio da maquina pneumatica, distendem-se a ponto de se romperem; e isto pela razão de que a pressão do ar exterior, desapparecendo quasi de todo, deixou de equilibrar com a elasticidade do ar contido nos mesmos orgãos.

307.º As variações, que o ar atmospherico experimenta pelo que respeita á sua gravidade dão logar a muitos e variados phenomenos. Os ventos são uma consequencia destas variações. O ar dilatado pelo calor do sol torna-se mais leve, condensado pelo frio torna-se mais pezado; e então sempre que occorrer qualquer destas circumstancias ha-de romper-se o equilibrio das columnas atmosphericas; e estas se porão em movimento, e os ventos se manifestarão como uma consequencia daquella falta de equilibrio. N'outros casos os ventos poderão depender da evaporação das agoas do mar, que tornão a atmosphera que lhes corresponde menos pezada em relação ás camadas, que correspondem aos continentes; das commoções e correntes electricas, e de quaesquer outras causas por ventura menos geraes, mas que possão como as primeiras rarefazer ou condensar parcialmente a atmosphera, destruindo assim o seu equilibrio.

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308.º Os ventos são para a atmosphera o que as marés e as correntes são para o mar. Elles agitão e misturão sem cessar os diversos gazes atmosphericos, e impedem que os miasmas deletereos se estacionem nas camadas mais proximas da terra, o que seria de um funesto resultado para as plantas, e muito principalmente para os animaes. Elles são as causas occasionaes da maior parte das chuvas, e sem a sua benefica acção muitos paizes serião privados deste beneficio. Quando fortes e continuos são muito prejudiciaes á vegetação, açoitando as arvores a ponto de impedir o livre curso da seiva, e de destruil-as parcial ou totalmente. E' então que o agricultor intelligente deve empregar os abrigos ou naturaes ou artificiaes para escudar as plantas contra este infatigavel inimigo.

309.º Segundo os paizes que percorrem, assim possuem os ventos propriedades diversas. Quando atravessão paizes humidos e quentes favorecem consideravelmente os progressos da vegetação, e são então nutrientes como dizem os camponezes; mas se pelo contrario são secos e summamente calidos exercem no meio dia da Europa uma acção quasi sempre desastrosa. Todos os nossos agricultores conhecem a acção destruidora e dessecante dos ventos nordestes em quasi todas as estações do anno - o rigor dos frios que acompanhão os ventos, que soprão do norte, durante o inverno, a frequencia das chuvas que nos são importadas pelos ventos sul e sudoeste, que são juntamente com os primeiros os ventos mais geraes e dominantes de Portugal.

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310.º Mas além destes ventos geraes ha outros parciaes, e privativos de certas localidades, filhos de circumstancias topographicas diversas, como são, as vizinhanças do mar, as extensas florestas, os lagos, as cordilheiras de montanhas, &c., que cada agricultor deve estudar especialmente.

311.º O pezo ou pressão da atmosphera é indicado e medido pelo barometro, instrumento muito util ao cultivador. Este instrumento é formado por um tubo fechado pelo lado superior, e aberto pelo inferior, que mergulha perpendicularmente em um pequeno reservatorio em fórma de frasco, cheio em parte de mercurio. E' fixado sobre uma plancheta graduada de um lado em pollegadas e linhas, e do outro em centimetros e millimetros. O tubo acha-se vasio de ar, para que o mercurio possa equilibrar-se com o pezo da atmosphera, adquirindo uma maior ou menor altura. Esta altura varía para mais ou para menos, segundo aquelle pezo augmenta, ou diminue. Quando o mercurio sobe é porque a atmosphera se tornou mais pezada, quando desce é porque se tornou mais leve; e na verdade quando subimos uma montanha com o barometro, a columna de mercurio vae descendo á proporção que nos aproximamos do seu cume, porque o ar vae sendo cada vez mais rarefeito, e por isso menos pezado.

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Humidade e secura da atmosphera.

312.º A atmosphera contem sempre uma certa quantidade de agoa em vapores. Estes vapores são o resultado da evaporação dos mares, dos lagos, dos rios, das plantas, dos animaes, e da propria terra, quando impregnada de humidade. Esta evaporação é determinada, como a da agoa fervente, pela acção do calor, com a differença porém, de que a primeira não é como a segunda percebida pelos nossos sentidos por se fazer de uma maneira insensivel e vagarosa.

313.º Posto que a agoa espalhada na atmosphera seja indispensavel á vegetação, todavia uma grande e constante humidade, particularmente nos climas temperados como o nosso, póde ser muito prejudicial não só aos trabalhos do agricultor, que muitas vezes impede e difficulta, mas tambem á prosperidade das culturas, já diminuindo a quantidade dos productos, já abastardeando a sua qualidade.

314.º A excessiva secura do ar não é porém menos prejudicial do que a humidade superabundante; porque além de embaraçar do mesmo modo os trabalhos agricolas, retarda tambem, ou destroe a vegetação - e na verdade se esta secura se prolonga por muito tempo, as folhas não encontrando no ar o seu nutrimento ordinario, e perdendo pela evaporação os seus sucos mais necessarios, murchão-se, dessecão-se, e a sua destruição arrasta por vezes a da planta inteira. Se á secura do ar vier porém juntar-se a do solo, então todos os esforços do lavrador se tornão infructuosos, e todas as producções vegetaes desapparecem.

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315.º A humidade excessiva é produzida no solo por uma superabundancia de agoa, e no ar por um excesso de vapores, que só se tornão perceptiveis, quando a atmosphera em que se achavão dissolvidos os abandona em parte, ou para nella ficarem suspensos, ou para cahirem sobre a terra.

Nuvens, nevoas, e chuvas.

316.º Os vapores aquosos encontram-se na atmosphera debaixo da fórma de pequenas vesiculas oucas e transparentes como os globulos da agua de sabão. Estas vesiculas com a elevação da temperatura dilatam-se e dissolvem-se no ar, deixando neste estado de ser observadas pelos nossos sentidos: mas quando pelo contrario a temperatura desce, ou o que é o mesmo, quando o ar arrefece, ellas se condensam e transformam em nuvens, nevoas, e chuvas.

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317.º As nuvens ou os vapores aquosos suspensos na atmosphera, segundo a sua maior ou menor leveza, assim se encontram nas camadas de ar, que se acham mais distantes ou mais proximas da terra. A estampa que apresentamos manifesta a posição e as fórmas mais ordinarias das nuvens. Umas vezes deixam-se vêr debaixo da fórma de filetes parallelos e tortuosos, ou divergentes; e estas nuvens são as mais leves e elevadas, e annunciam um tempo secco - outras vezes apresentam massas convexas ou conicas de base plana e irregular; e estas são mais pezadas; acham-se por isso mais proximas da terra; e presagiam quasi sempre grossos e abundantes chuveiros, e até mesmo fortes tempestades - outras vezes finalmente afectam a fórma de longas linhas horisontaes e continuas em todas as suas partes com a sua base apoiada no solo; e estas são commummente o resultado da condensação nocturna ou matutina dos vapores, que acabaram de elevar-se da terra, e que se estendem, como uma vasta inundação, do fundo dos valles, da orla dos litoraes, ou da superficie dos lagos, e dos rios.

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318.º As nuvens exercem uma pronunciada influencia sobre o clima, abaixando umas vezes e outras elevando a temperatura do ar, impedindo a irradiação do calorico da terra, e produzindo a humidade em ambos estes meios. As nuvens são a origem das chuvas, e os principaes motores das tempestades; ellas interceptam a acção directa dos raios solares sobre a terra, e diminuem a sua evaporação: diminuem tambem a transpiração das plantas, e difficultam o phenomeno da sua respiração.

319.º As nevoas são uma especie de nuvens obrigadas a permanecer temporariamente sobre a terra pela sua maior densidade. Quando os vapores das nevoas se dilatam, e se tornam por conseguinte menos pezados, deixam então as regiões mais baixas da atmosphera para se elevarem a outras mais superiores, transformando-se assim em nuvens; quando pelo contrario estes vapores se condensam, e fazem mais pezados, elles tornam a descer sobre a terra em fórma de nevoas.

320.º As nevoas fertilisam commummente o solo; o cheiro particular e quasi fetido, que ellas lançam, depende dos gazes que teem em dissolução, e que se exhalaram da terra, e das substancias organisadas no acto de se decomporem. Estes gazes são principalmente o acido carbonico, e a ammonia; sendo esta a razão porque as nevoas são consideradas como nutrientes; tornando-se por isso muito provavel que obrem chimicamente sobre a vegetação, em quanto circundam as plantas de uma atmosphera reparadora e alimenticia.

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321.º Tem-se porém observado que quando as nevoas são mui repetidas e perduraveis prejudicam sobre modo a vegetação, como acontece aos trigos, ás cevadas, e ás arvores de fructo, principalmente durante a epoca da sua floração.

322.º Quando as camadas de ar, em que se acham dissolvidos os vapores aquosos, arrefecem, estes vapores começam por se suspender na atmosphera debaixo da fórma de nuvens, condensam-se depois pela acção do frio, e formam pequenas gotas d'agoa, que pelo seu pezo cahem sobre a terra debaixo da fórma de chuva.

323.º Ainda que as chuvas sejam algumas vezes produzidas por outras causas, e entre ellas pela acção electrica das nuvens, aquella é todavia a que mais ordinariamente as produz.

324.º A agoa das chuvas raras vezes cahe pura, mas antes vem misturada com vapores ammoniacaes, acido carbonico, ar, electricidade, &c., - sendo esta a razão, porque ella é tão vantajosa ás plantas, e porque as nutre muito mais do que a agoa que mana da terra.

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325.º As chuvas cahem mais abundantes nas vizinhanças das grandes massas d'agoa do que nos paizes aridos; nas localidades povoadas de arvores do que nas despovoadas dellas; nas montanhas e nos valles circumvizinhos do que nas planicies. Tambem chove mais abundantemente nos paizes quentes do que nos frios, posto que nestes ultimos as chuvas sejam mais frequentes. Todos estes factos fazem vêr que a quantidade das chuvas nas diversas localidades do globo está na razão directa da evaporação dessas mesmas localidades.

326.º As chuvas em não sendo excessivas são quasi sempre proveitosas no nosso clima. As mais favoraveis aos trabalhos agricolas e aos productos da cultura são as que cahem pelos principios da primavera, e pelos fins do outono. As chuvas de Abril são de uma grande fertilidade - em Abril agoas mil - diz um antigo proverbio nosso. As que desabam no inverno penetram profundamente no solo, armazenam-se na terra, alimentam e aprovisionam as fontes, e são o grande recurso do lavrador na estação do estio. Finalmente as que cahem nesta estação reparam as perdas ocasionadas pela excessiva evaporação, e produzem irrigações naturaes que são muitas vezes a salvação de algumas culturas. As chuvas não tem sómente vantagens, tambem ás vezes tem inconvenientes; mas estes serão apresentados, quando tratarmos de algumas culturas em especial.

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Temperatura e sua influencia na agricultura.

327.º O calorico é um fluido imponderavel abundantemente espalhado na natureza, que existe em todos os corpos, e actua nelles de varios modos, mas principalmente interpondo-se entre as suas molleculas, tendendo sempre a desunil-as, tornando em virtude desta tendencia liquidos os corpos solidos, e gazosos os liquidos; e augmentando sensivelmente o seu volume. E' o calorico que produz nos nossos sentidos a sensação do calôr.

328.º O calor da atmosphera assim como o dos outros corpos é variavel. O gráu maior ou menor de calor chama-se temperatura. A temperatura avalia-se por meio de um instrumento que chamamos thermometro de que facilmente se fará uma idéa á vista da estampa que aqui apresentamos e da descripção que vamos fazer.

329.º O thermometro é um instrumento, que se compõe de um tubo de vidro terminado inferiormente por uma pequena bolla ou esfera occa; este tubo acha-se cheio, na sua maior parte, de mercurio, de espirito de vinho, ou de qualquer outro liquido, que gelle difficilmente. O ar foi expulsado do tubo o mais exactamente possivel. O instrumento acha-se graduado de maneira que zero indica o termo da congelação, e o espaço que se acha entre este ponto e o da agoa fervente é dividido em 80 ou 100 partes segundo se quer obter ou o thermometro de Reaumur, ou o centigrado. Os movimentos progressivos da columna de liquido acima ou abaixo de zero indicam exactamente o augmento do calor ou do frio, e a verdadeira temperatura da atmosphera, ou do corpo com que puzemos o instrumento em contacto.

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330.º O uso deste instrumento basea-se sobre a propriedade que reconhecemos no calorico de se equilibrar e dilatar os corpos, de modo que quanto maior fôr a quantidade deste fluido existente na atmosphera tanto mais se dilatará o mercurio, e tanto maior será a elevação de columna thermometrica; e pelo contrario a columna descerá á proporção que a temperatura descer; ou conforme diminuir a quantidade de calorico atmospherico.

331.º O calor, como dissemos em outro logar, é um dos principaes agentes da vegetação, assim como a causa mais poderosa da diversidade dos climas. Quando depois de um longo e rigoroso inverno a natureza vegetal se acha como que intorpecida pelo frio, é pela activa influencia de um calor doce e humido, que a vegetação se reanima e toma um novo vigor. A energia e a rapidez com que as plantas se desenvolvem nos paizes tropicaes são egualmente devidas á acção do calor intenso e humido, que existe constantemente nestas regiões, e que é tão vantajoso aos vegetaes, como nocivo e funesto ao homem, e a muitos animaes.

332.º Os paizes, que como o nosso gozam de uma temperatura suave, são os mais appropriados ás culturas economicas dos vegetaes. E' com uma grande facilidade que nestes paizes se naturalisam as plantas de quasi todas as regiões botanicas. Nós vemos crescer no nosso bello Portugal o castanheiro, a nogueira, e a maceira, plantas dos paizes frios, a par da oliveira, da videira, e da larangeira, plantas dos paizes temperados; e todas estas arvores ao lado da tamareira, da dragoeira, e dos cactos, plantas dos paizes mais calidos. Vemos ainda crescer no mesmo campo o trigo, o milho grosso, o arroz, e as batatas, isto é, o pão das quatro mais antigas partes do mundo!

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333.º Os paizes visinhos do mar, ou as plagas maritimas, tem em geral uma temperatura mais doce e mais uniforme do que as terras continentaes, que se acham em egual latitude, mas distantes deste vasto reservatorio das agoas do globo, que se conserva sempre n'uma temperatura proximamente constante. Esta circumstancia favorece ainda a bondade do clima do nosso paiz, que é como todos sabem uma faxa litoral de uma pequena extensão de legoas. Entre tanto as altas e longas cordilheiras das nossas montanhas, os accidentes do terreno, e as extensas ou rareadas culturas das nossas diversas provincias estabelecem na pequena extensão do nosso territorio climas quasi tão variados e diversos como os de França e Hespanha.

334.º A temperatura atmospherica, e por consequencia o clima variam em razão da latitude, da elevação maior ou menor acima do mar, da exposição, e dos abrigos. Em outro logar faremos algumas considerações sobre cada uma destas influencias.

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335.º Durante as noites serenas os corpos que se acham á superficie do globo tornam-se mais frios do que a atmosphera, que os circunda, porque emittem e irradiam mais calorico do que recebem. D'aqui vem que os vapores da agoa dissolvidos no ar se condensam e cahem sobre estes corpos transformando-se umas vezes, quando a temperatura atmospherica não é muito baixa, em orvalho, e outras, quando a temperatura desce consideravelmente, em geada, que não é por tanto mais do que o orvalho condensado, e congellado pelo frio.

336.º Estes dois phenomenos são pois uma consequencia da differença de temperatura, que se estabeceu entre o ar e a terra durante a noite. A sua influencia tanto na agricultura como no clima é grande. Os orvalhos que tem principalmente logar na primavera e no verão, são quasi sempre de um grande proveito á vegetação, porque são uma especie de irrigações naturaes, e irrigações de uma agoa summamente nutriente pelos gazes com que está misturada. As geadas, que occorrem quasi sempre de inverno, são umas vezes nocivas e outras proveitosas á mesma vegetação. O solo logo depois das lavouras aproveita muito com as geadas, não só porque o adubam, senão tambem porque o dividem e estorroam: ellas são egualmente de grande vantagem ás gramineas no commeço de sua desenvolução, promovendo a ramificação das raizes e retardando a dos caules: mas em muitos casos são grandemente nocivas, destruindo muitas plantas, queimando os tecidos verdes das arvores, os rebentos das vinhas, &c. Estes inconvenientes sendo principalmente occasionados pelo acto da rapida liquidificação da geada quando os raios do sol a aquecem, é conveniente regar por meio de uma chuva artificial as plantas antes de nascer o sol para obter o mesmo effeito da liquidificação de um modo lento e innocuo.

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Electricidade e sua influencia na agricultura.

337.º Os phenomenos da electricidade são o resultado da acção de um fluido imponderavel, desconhecido na sua essencia, e a que se dá o nome de fluido electrico. - Este fluido, que provavelmente existe como o calorico em todos os corpos da natureza, tende, como elle, e equilibrar-se ou a distribuir-se com egualdade. Este equilibrio pode estabelecer-se ou de uma maneira lenta por meio de correntes insensiveis, ou de uma maneira rapida e brusca acompanhada de explosões violentas e perigosas.

338.º A electricidade póde ser positiva, negativa, ou neutra. Os corpos animados de electricidades contrarias, isto é, os de electricidade positiva e negativa atrahem-se - os animados da mesma electricidade, isto é, os que a tem ou egualmente positiva ou negativa repellem-se; e aquelles finalmente em que estas duas electricidades se combinaram ficam sem se attrahir nem repellir, e dizem-se então neutralisados, ou no estado de electricidade neutra.

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339.º Quando o equilibrio electrico se rompe entre nuvens proximas, ou entre as nuvens e a terra, tem ordinariamente logar o phenomeno das trovoadas. Effectivamente quando as nuvens se acham diversamente electrisadas, isto é, quando umas se acham carregadas de electricidade negativa, e outras da positiva estabelecem-se rapidas correntes de umas para outras - dellas para a terra, e da terra para ellas, e verificam-se então essas descargas ou explosões electricas, que produzem o estampido do trovão e a potencia destruidora do raio.

340.º Estes phenomenos electricos produzem ainda, umas vezes a saraiva, outras vezes as grossas chuvas, quer pela combustão parcial dos gazes constitutivos da agoa e que formam a massa principal das nuvens, quer pelo arrefecimento repentino dos mesmos gazes.

341.º As trovoadas são raras nos climas frios, frequentes nos temperados, e frequentissimas nos quentes: nestes ultimos poucas vezes chove a não ser em consequencia das trovoadas; de modo que sem ellas a vegetação seria impossivel.

342.º A influencia do fluido electrico sobre a vegetação é muito evidente; mas aqui esta influencia só tem logar pela intervenção de correntes electricas insensiveis. Todos os agricultores sabem que durante o tempo das trovoadas a germinação é mais prompta, o desenvolvimento das plantas mais rapido, e a maturação dos fructos mais facil. Os campos regados pelas agoas das trovoadas adquirem uma fertilidade incontestavel, porque a agoa que então cahe sobre a terra, além de vir sobrecarregada de electricidade, que é um estimulo natural da vegetação, traz tambem em dissolução muitas substancias nutritivas, que suspensas na atmosphera foram precipitadas com aquelle liquido sobre o solo.

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Situação e sua influencia na agricultura.

343.º A situação considerada em relação á agricultura depende de um grande numero de condições, todas ellas importantes, e dignas de um estudo especial. A situação botanica é determinada pela latitude, pela elevação, pela exposição e mesmo pela inclinação, e pelos abrigos. Antes de instituir qualquer cultura o agricultor deve cuidadosamente estudar a situação, em que vai institui-la; este estudo torna-se tão necessario que sem elle o agricultor nem saberá as especies que deve cultivar, nem as modificações, com que as culturas devem ser feitas; e muito menos quaes são as plantas que póde naturalisar, e as novas culturas que deve adoptar. Para estudarmos a situação é mister que estudemos em separado cada uma das influencias que a constituem.

Latitude dos terrenos.

344.º A maior ou menor distancia, em que os terrenos se achão do equador, ou da linha equinoxial chama-se latitude. E' facil de perceber a razão, porque a latitude deve influir na constituição dos climas, ou das regiões botanicas, visto que a acção do calor e da luz vai progressivamente decrescendo do equador para os polos.

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345.º A terra está dividida em cinco faxas ou zonas, uma central, que se acha entre os trópicos, e é dividida em duas partes eguaes e similhantes pela linha equinocial (como se vê na figura que apresentamos neste logar) e tem o nome de zona tórrida - duas medias, uma para a banda do norte, e outra para a do sul, limitadas do lado do equador pelos trópicos, e do lado do norte pelos circulos polares; e tem o nome de zonas temperadas - outras duas finalmente, que começão nos circulos polares, e acabão nos polos, e chamão-se polares ou frigidas.

346.º Ora se considerarmos, que a inclinação dos raios solares é diversa nas diversas zonas, e tanto maior quanto maior é a distancia a que se está do equador - e que nesta linha os dias são eguaes ás noites, e quasi eguaes em todo o resto da zona tórrida, assim como que a successão das estações é muito pouco sensivel nesta zona - em quanto nas zonas temperadas e frigidas não só se apresenta uma grande desegualdade entre os dias e as noites, mas ainda uma sensivel differença na successão e duração das estações - se considerarmos pois todas estas circumstancias facilmente se deprehenderá, que a influencia dos dois grandes agentes da vegetação, o calor e a luz, deve ser diversissima nas diversas zonas e latitudes, devendo por tanto occasionar uma grande diversidade de regiões botanicas.

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347.º E effectivamente á medida que avançamos dos polos para o equador vemos que a vegetação vae assumindo uma phisionomia particular e caracteres muito diversos. Pobre e reduzida a um pequenissimo numero de especies enfezadas e tristes nas regiões polares, ella se vae tornando cada vez mais rica e variada á proporção que nos desviamos destes melancolicos paizes tão pouco favorecidos pelo sol e pela luz. As suas fórmas em parte nenhuma são mais fastosas, mais cheias de pompa e magestade, do que nos paizes equatoriaes, onde um intenso calor humido as faz desenvolver de um modo espantoso.

348.º Ha poucas plantas, que se possão dizer cosmopolitas, isto é, que possão vegetar em toda a parte. As gramineas annuaes estão porém neste caso: mas naturaes dos paizes frios, ellas não prosperão muito bem nos quentes. As ervilhas, os feijões, os nabos, e as batatas, assim como certas gramineas não se desenvolvem natural e francamente nas regiões ou muito quentes, ou muito frias - o milho, o arroz, a batata doce, &c. aprazem-se principalmente nos paizes quentes - mas no nosso - neste paiz abençoado - quasi todas as plantas se dão como no paiz da sua naturalidade!

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349.º Cumpre ainda notar pelo que respeita á latitude, que se a natureza dos productos depende essencialmente della, o systema das culturas deve necessariamente apropriar-se á sua acção modificadora. Nos paizes frios, em que as regas são inuteis umas vezes, e outras prejudiciaes, devem preferir-se os terrenos mais enxutos. Nos paizes temperados, por exemplo, na Italia, na Hespanha, e no nosso Portugal os terrenos humidos serão sempre em geral preferiveis, e as regas indispensaveis durante uma boa parte do anno. Na Arabia, na Persia, na India nenhuma cultura se poderá emprehender sem agoa, excepto sobre as partes mais elevadas das montanhas.

Elevação dos terrenos.

350.º A altura maior ou menor dos terrenos acima do nivel do mar chama-se elevação. A temperatura diminue na atmosphera na razão desta elevação. Seiscentos pés de altura acima do nivel do mar equivalem a um gráu de latitude do equador para os polos, e produzem uma differença de temperatura analoga; donde resulta que nas regiões temperadas e mesmo nas tórridas podem existir terrenos com a temperatura das regiões polares ou frigidas - e resulta tambem que mesmo sobre a linha póde haver neves perpetuas, como realmente ha - e o Chimborazo na cordilheira dos Andes póde servir de exemplo.

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351.º E' por tanto obvio que nesta e n'outras montanhas similhantes se poderão observar desde a sua base até ao seu cume as temperaturas, e até certo ponto os climas das differentes regiões da terra, e que a sua vegetação poderá apresentar um arremedo das diversas floras do globo. E effectivamente é o que acontece segundo nos asseverão os naturalistas, que as tem visitado.

352.º A altura ou o limite das neves eternas nas diversas montanhas do globo deve ser mais ou menos elevado acima do nivel do mar, segundo for maior ou menor a sua proximidade do equador. E com effeito este limite é nas cordilheiras que estão dentro dos trópicos de 5:000 metros; nas dos Alpes de 2:700, e nas da Islandia de menos de 1:000.

353.º Deve concluir-se do exposto, que o agricultor precisa attender muito á elevação do terreno no estabelecimento das culturas que nelle quizer instituir; as grandes elevações são ventosas, frias, sugeitas a fortes geadas a tempestades frequentes e a um grande numero de vicissitudes meteorologicas contrarias á cultura das plantas delicadas e proprias dos paizes temperados. As mesmas gramineas que tanto se acommodão á rudeza e diversidade dos climas não se desenvolvem em Inglaterra, por exemplo, acima de 800 pés de elevação.

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354.º A elevação dos terrenos deve ainda merecer ao agricultor grande attenção em quanto o affasta das vias de communicação, e lhe difficulta o transporte e a extracção dos seus productos.

355.º As consequencias agronomicas da elevação podem ser modificadas por muitas outras influencias, assim a latitude, a exposição, os abrigos, &c. podem fazer variar consideravelmente aquellas consequencias. O Valle de Quito na America, é uma bacia summamente elevada; mas porque se acha proximo da linha é um paiz aprazivel e fertilissimo.

Exposição do solo.

356.º Os terrenos podem achar-se virados para differentes pontos da terra, podem olhar para o norte, para o sul, para o oeste, e para leste; e ainda para outros rumos intermedios a este - é pois a este diverso aspecto dos terrenos, que se dá o nome de exposição.

357.º O primeiro effeito da exposição é a diversidade de temperatura, como por experiencia sabem todos os cultivadores de plantas delicadas e exoticas; o segundo é a maior ou menor humidade do solo.

358.º A exposição ao sul e ao sudoeste é entre nós a mais calida; porque é sugeita não só a uma forte e prolongada insolação, mas mesmo á acção de ventos, que vindos d'além mar, e tendo atravessado os torrados areaes da Africa nos chegão sempre mais ou menos quentes e humidos, segundo as diversas estações. A exposição ao norte é a mais fria por motivos inteiramente oppostos - insolação menos prolongada e intensa, e ventos frios e humidos como os paizes donde partiram, e que percorreram durante o seu transito - a do oeste e noroeste é duramente trabalhada por asperos vendavaes, por chuvas, e tempestades frequentes - meteoros ás vezes daninhos, que o oceano nos envia com prodigalidade - a do leste e nordeste é sugeita a ventos aridos e dessecantes, que atravessaram os paizes quentes e arenosos da Asia, e que são um dos mais terriveis flagellos da maior parte das nossas culturas.

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359.º Releva porém notar que os effeitos geraes destas exposições podem ser modificados, e ás vezes até neutralisados, por muitas e variadas circumstancias locaes, como são a natureza do solo, a posição das montanhas, o resguardo das florestas, dos abrigos, &c. A natureza do solo merece ser reflectidamente ponderada na adaptação das culturas ás exposições - assim n'um solo ligeiro e seco, por exemplo, convirá a exposição ao norte para a cultura do trevo, do trigo, e do centeio; ao passo que a do meio-dia, ou a do sul, será inconveniente; mas se o solo pelo contrario fôr compacto e humido, a exposição ao sul para estas e outras plantas similhantes seria muito preferivel á do norte. As montanhas podem influir nos effeitos geraes da exposição; as exposições ao sul, que se encontram nas abas septentrionaes da Serra da Estrella, são muito menos quentes do que as da mesma natureza que se encontram ao sul da mesma Serra. Os abrigos das grandes florestas, segundo estiverem ao sul ou ao norte de qualquer exposição, deverão produzir um effeito egual ao das montanhas.

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360.º A exposição mais geralmente proveitosa no nosso clima é a exposição ao sul. O laranjaes, os pomares de caroço, as vinhas, os olivaes, e quasi todas as hortaliças amão de preferencia esta tepida exposição. Ella é ainda a mais vantajosa ás culturas das plantas dos paizes quentes, e de todas as que por sua nimia delicadeza soffrem muito com o rigor do frio; tambem é só nesta exposição, e nas nossas provincias do sul, que nós podemos obter fructos mais ou menos perfeitos da alfarrobeira, da goiaveira, e mesmo da bananeira. A exposição ao norte é a mais aprasivel aos carvalhos, aos choupos, ás faias, aos pinheiros; assim como aos trevos, ao azevem e a muitas outras plantas pratenses. As gramineas parecem aprazer-se com a exposição ao poente; o pecegueiro, a videira, e a oliveira tambem não a desamão. A exposição porém a leste e a nordeste é a mais malfadada e a peior de todas, porque fustigada pelo vento suão vê morrer, ás vezes no curto espaço de um dia ou de uma noite, todas as esperanças do cançado lavrador.

Inclinação e abrigos.

361.º Dá-se o nome de inclinação ao maior ou menor declive dos terrenos. E' preciso que elles sejam horisontaes para não terem inclinação alguma. Não é necessaria grande reflexão para se comprehender que os terrenos que tiverem uma dada inclinação para o meio dia, para o levante e para o poente hão-de ser mais aquecidos que os terrenos horisontaes, porque os raios do sol cahem mais perpendicularmente sobre os primeiros do que sobre os segundos - e do mesmo modo e pela mesma razão os terrenos horisontaes ainda receberão mais calor do que os terrenos inclinados para o norte: donde resulta que a inclinação influe directamente sobre a temperatura e por conseguinte sobre a humidade do solo.

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362.º As grandes inclinações dos terrenos são muito prejudiciaes debaixo do ponto de vista das culturas. Ouçamos o que a este respeito nos diz Schwerz no seu bello Manual sobre afolhamentos. «Se uma ligeira inclinação é muito favoravel á maior parte dos terrenos, e sobre tudo áquelles que retem a agoa, uma inclinação forte é nociva a todos sem excepção. Nestes ultimos convem que nos abstenhamos das culturas sachadas, não só por serem nelles difficeis, mas porque o solo fica exposto a ser diluido pelas chuvas e despojado dos seus mais ferteis principios. Se a inclinação porém fôr excessivamente rapida a terra vegetal fica ainda muito mais exposta a ser arrastada pelas chuvas, e então nem mesmo o pouzio completo se deve aconselhar.»

363.º Quando se verificam fortes inclinações as lavouras devem fazer-se atravessadas, ou em sulcos transversaes e paralellos á base dos terrenos por ser este o unico modo de obstar até certo ponto á acção dissolvente das aguas; ou então se o terreno fôr pingue dividir-se-ha em taboleiros mais ou menos horisontaes, ou em escalões tranversaes sotopostos uns aos outros, para poder ser convenientemente aproveitado.

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364.º E' principalmente nos terrenos montanhosos, que estas fortes inclinações se apresentam; e neste caso vem reunir-se quasi sempre a maior despeza da cultura com a esterilidade do solo, o que faz com que taes terrenos sejam geralmente incultos, e apenas consagrados ás pastagens dos gados.

365.º Os obstaculos phisicos que moderam a acção dos ventos, das geadas, dos frios e de outras vicissitudes atmosphericas tem o nome de abrigos.

366.º Estes obstaculos podem ser naturaes ou artificiaes: entre os primeiros figuram principalmente as montanhas e as florestas. Os primeiros de todos os abrigos, e os que mais poderosamente modificam as influencias climatericas de qualquer paiz são as montanhas. A sua acção sobre a agricultura é incontestavel e estende-se mesmo aos terrenos, que se acham mui distantes dellas. E' das montanhas que manam as fontes, os regatos, e os rios - são ellas que determinam frequentemente a direcção dos ventos, que atrahem as nevoas, e as nuvens, que occasionam a queda das chuvas, que quebram o impeto das tempestades, e modificam a temperatura, de modo que constituem em torno de si, e principalmente nos valles que circundam e protegem, climas particulares, e ás vezes diversissimos do clima geral do paiz. As serras do Algarve, por exemplo, abrigando esta bella provincia dos ventos nortes e nordestes, transformam por tal modo o seu clima, que o tornam summamente differente do clima das nossas restantes provincias; apropriando-o singularmente á naturalisação das plantas dos paizes calidos. As serras de Arronches, de Portalegre, e Castello de Vide produzem quasi o mesmo effeito sobre uma parte da provincia do Alemtejo. As do Gerez, Marão, e Caramulo affectam consideravelmente a natureza do clima das provincias do norte. Se não fossem os Alpes a França vêr-se-hia talvez privada dos abrigos, onde vê prosperar as larangeiras. E a Hespanha sem os Pirineos perderia em grande parte o doce temperamento, e a feliz amenidade do seu clima.

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367.º As florestas e os arvoredos são depois das montanhas abrigos muito vantajosos, e grandes modificadores do clima. Os arvoredos quebram egualmente a acção dos ventos; tornam-os mais humidos e frescos; retem e demoram as nuvens, e resolvem-as em chuvas. Os paizes que carecem de florestas e arvoredos, como o geral das nossas provincias do sul, são pelo contrario fortemente açoitados dos ventos, são profundamente penetrados pelos raios ardentes do sol, que lhe evaporam toda a humidade, carecem de chuvas, de nevoas, e orvalhos, tornam-se aridos, doentios, e improprios para a maior parte das culturas.

368.º Assim os paizes outrora tão sadios e ferteis da Siria, da Palestina, de Chipre, e da Morea, depois que perderam as suas mattas, ficaram estereis e despovoados. E o mesmo ha-de acontecer (e em parte já acontece) ás nossas provincias meridionaes, se leis severas e magistrados inflexiveis não reprimirem a devastação, que vai acabando com as nossas mattas.

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369.º Com isto não queremos persuadir que se plantem mattas indistinctamente e por toda a parte, porque deste modo marchariamos para o extremo contrario que tem inconvenientes oppostos, mas egualmente prejudiciaes. Cumpre escolher as localidades em que estas plantações podem convir, e indicar aquellas em que podem ser nocivas. Geralmente é nos terrenos mais arenosos e elevados, nas montanhas mais estereis e escalvadas que devem ser feitas taes plantações; e além destas em todas aquellas localidades onde convier quebrar a impetuosidade dos ventos, e reter as nuvens para assim augmentar a copia e a frequencia dos chuveiros.

370.º Entre os abrigos artificiaes indicaremos como mais importantes os tapumes feitos com arvores ou arbustos, com muros, ou com pallissadas. Os tapumes de arvores ou arbustos não são somente um bom abrigo, são tambem um excellente meio de defender e augmentar as producções dos campos. Se as vastas herdades de pão do Alemtejo convenientemente divididas, e se os terrenos conhecidos alli pelo nome de courellas fossem cercados e defendidos por vallados plantados d'arvores, quanto não ganharia aquella provincia? Estas fileiras de arvoredo como não abrigariam os seus campos, adoçariam o seu clima, augmentariam as agoas, e creariam uma nova fonte de inexauriveis riquezas! Plantem os proprietarios em torno dos seus campos carvalhos, amieiros, faias, freixos, e ao pé de cada uma destas arvores uma videira, e verão como o tapume lhe rende ainda mais do que o cercado. E' assim que se pratica no Minho, nesta laboriosa provincia. Foi assim que os inglezes e belgas triplicaram talvez o valor das suas terras; e que os hollandezes no Cabo da Boa Esperança, onde os furacões são continuos, conseguiram por meio de tapumes de bambus culturas regulares e proveitosas nestas inhospitas pairagens.

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371.º Na nossa costa desde Lisboa até á Ericeira servem-se os agricultores com grande vantagem de fileiras de canaviaes para quebrar a furia dos ventos do mar. Este arbitrio seguido tambem em outros pontos do reino é excellente. Os pomares de Cintra e de Collares dão disso testemunho. Nós recommendariamos aos nossos agricultores o emprego de arvores fructiferas muito apropriadas a este fim, como são as maceiras, as pereiras, e os abrunheiros bravos, assim como os zambugeiros, as romeiras, e as nogueiras; os primeiros porque poderiam por meio da enxertia converter-se em oliveiras, e as ultimas porque as suas folhas e fructos são respeitados pelos gados.

372.º Os muros e as pallissadas são abrigos que apenas se pódem adoptar em pequenos cercados; e ordinariamente os que se usam nas hortas, nos pomares, e nas vinhas. Os muros pódem ser de taipa ou de pedra; estes ultimos são preferiveis aos primeiros pela sua maior solidez e duração. As pallissadas são guarda-ventos feitos de canas, de taboas, de ramos de pinheiros e outras arvores, de colmo, &c. Fôra inutil fallar aqui dos caixilhos, dos estufins, dos hibernaculos, e das estufas por serem abrigos de que o agricultor raras vezes se serve, e que apenas se usam nos jardins para defeza de algumas plantas exoticas, e mimosas.

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373.º Temos mencionado todas as influencias phisicas, que pódem actuar sobre a constituição do clima; e temos visto que estas influencias tendem todas a produzir dois effeitos que se pódem considerar como capitaes; a saber, uma temperatura mais ou menos elevada e uma humidade mais ou menos abundante; resultando daqui a divisão geral dos climas em frios, temperados, e ardentes, e em humidos e seccos, segundo o seu maior ou menor grau de calôr ou de humidade.

374.º Estas influencias são porém tão variaveis e fugazes que raras vezes pódem ser cabalmente previstas e apreciadas pelo agricultor ainda o mais esclarecido. Ora propicias e ora adversas á vegetação, principalmente no nosso variado clima, ellas conservam o agricultor n'um sobresalto continuo, entre os receios e as esperanças. Quantas vezes um dia de tempestade ou uma noite de geada são bastantes para talar completamente os seus campos, queimar as suas searas, inundar as suas hortas, e assolar as suas pastagens! Algumas horas da noite ou da madrugada sobejam ás vezes para lhe ser arrebatado o fructo de todas as suas fadigas! - Assim ao terminar o seu ultimo sulco o vemos sempre receioso e aprehensivo levantar os olhos para o céu, implorando em silencio as bençãos e o favor da providencia!

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Signaes para prever as mudanças de tempo.

375.º Indicios de chuva. Quando o sol nasce como avermelhado e ladeado de nuvens escuras, quando o seu disco se apresenta maior que de ordinario - quando a lua se acha cercada de um circulo de vapores acinzentados, que formam uma especie de resplendor, ou quando o seu disco é palido - quando as estrellas parecem maiores e a sua scintillação é quasi imperceptivel - quando as nuvens se amontoam e assemelham a grupos de rochedos ou montanhas, quando correm rapidas, quando vem do sul e mudam repentinamente de rumo; quando para a tarde se apresentam do lado do poente pezadas e negras - quando os ventos sopram rijos do sudoeste, oeste, e noroeste, quando fazem frequentes mudanças, e quando ao vento sul succede o do poente - quando as nevoas andam baixas e se levantam vagarosas, e quando o orvalho desapparece logo que o sol nasce - são signaes de chuva.

376.º Tambem indicam proximas chuvas o voo das andorinhas á superficie das aguas, o inquieto mergulhar dos patos e ganços nas ribeiras e lagos, o desapparecimento subito dos corvos, gaviões, e outras aves de rapina, o canto matutino da andorinha, o continuo gritar dos pavões, a fuga dos pequenos passaros para os seus ninhos, o cacarejar e o bater das azas das gallinhas, o successivo grasnar das rans, a importunidade das moscas, a retirada das abelhas para os seus cortiços, a inchação das madeiras, a humidade das pedras, do ferro, e do sal, os grandes murrões das candêas, a queda da felugem das chaminés, e a descida do mercurio no barómetro.

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377.º Indicios de bom tempo. Se o sol se levanta claro, e se o céu se conservou limpido durante a noite - se as estrellas se mostram numerosas e brilhantes - se as nuvens se apresentam brancas, altas, e transparentes - se os ventos sopram do norte, do nordeste, e de leste - se os passaros cantam, se os milhanos voam gritando, se as andorinhas se elevam para as regiões superiores da atmosphera - se as aranhas se mostram no ar e nas arvores armando as suas teias - se as toupeiras sahem dos seus buracos, se as abelhas se alongam das suas colmeas, e se o barómetro sobe consideravelmente deve esperar-se bom tempo.