CAPITULO II.

Natureza e propriedades do solo.

378.º Aquelle agricultor que quizer empregar utilmente o seu tempo e os seus capitaes precisa estudar com grande attenção a natureza e as propriedades do solo submettido aos seus trabalhos. As culturas devem adaptar-se aos terrenos; e quando tentamos violental-as em terrenos improprios, logo recebemos o justo castigo dessa violencia, quer no augmento do trabalho e despezas que empregamos, quer na escassez e inferioridade dos productos que recolhemos. Só quando marcha com a natureza é que o cultivador deve marchar confiado e seguro. Contrarial-a nas suas leis, e mesmo nas suas tendencias, é luctar com uma força superior e quasi sempre invencivel. Se semearmos o trigo nas terras de centeio, a cevada onde deve crescer a aveia, a oliveira no clima proprio ao castanheiro, &c. ficarão ou menos fructuosos ou baldados todos os nossos trabalhos.

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379.º A escolha dos terrenos para a cultura das plantas é tanto mais necessaria quanto menor fôr a quantidade de estrumes que tivermos á nossa disposição. Quando os estrumes superabundam quasi todos os terrenos são bons - os mais estereis tornão-se ferteis (ao menos temporariamente) sob a prodigiosa influencia deste agente. Mas quando elles escaceão, como frequentemente acontece, é então que precisamos suprir esta falta pelo conhecimento especial dos terrenos e das plantas, que nelles prosperão mais naturalmente. Tem-se escripto que os Chins excedem neste ponto todas as nações da terra; e é provavel que assim seja, porque a industriosa agricultura deste povo, herdeiro e depositario da antiga civilisação asiatica, tem-se enriquecido e aperfeiçoado com as tradições e experiencias de um espantoso numero de gerações.

380.º Devemos estudar as propriedades geraes do solo antes de fazer conhecer a composição e qualidadades especiaes dos diversos terrenos.

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Propriedades geraes do solo.

381.º Os solos ou terras araveis devem ser sufficientemente soltas e divisiveis, não só para se trabalharem sem grande difficuldade, senão tambem para se deixarem penetrar pelas raizes sem grande resistencia. Esta condição da divisibilidade não deve excluir uma certa tenacidade, que as torne sufficientemente compactas, para que as plantas se possão fixar com uma dada solidez, a fim de não serem desarraigadas pela força dos ventos.

382.º Devem ser leves e porosas para que o ar, os gazes, e outros meteoros atmosphericos, necessarios ou uteis á vegetação, as possão facilmente penetrar.

383.º Devem ser permeaveis ás agoas da chuva para que todas as extremidades radiculares da planta as possão absorver, e com ellas os saes e soluções alimentares necessarias á sua nutrição. Esta permeabilidade tem porém limites, porque se fôr demasiada, as chuvas se escoarão pela terra como pela area, ou por um crivo sem poderem ser absorvidas; e se fôr excessivamente diminuta as terras se encharcarão, e as sementes e raizes, deixando de germinar pela falta de ar e calor, apodrecerão sem remedio.

384.º Devem ser escuras, e espongiosas para que absorvão e contenhão o calor necessario á germinação das sementes e ao desenvolvimento da planta; e para que attrahiam e retenhão os vapores aquosos, que se depositão na atmosphera.

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385.º Devem ser sufficientemente profundas para que as raizes se desenvolvão sem obstaculo - e devem assentar sobre um subsolo, que coadjuve e fortaleça o solo, que careça das qualidades que a camada aravel possuir em excesso, e que facilite o esgotamento das agoas quando nella se depositarem em demasia.

386.º Devem compôr-se de quantidades proximamente eguaes de area, argilla, e substancias calcareas, para que gozem das condições já indicadas da divisibilidade, permeabilidade, tenacidade, e leveza: por quanto as primeiras duas condições provem da area ou silica, a terceira da argila, a quarta das substancias calcareas, isto é, do carbonato ou do sulphato de cal.

387.º Devem conter uma sufficiente quantidade de humus, ou de despojos animaes e vegetaes, que lhes subministrem os principios azotados indispensaveis a uma energica vegetação - e devem além disto facilitar pelo seu calôr e humidade a gradual e lenta decomposição daquelles despojos, para que as plantas possam encontrar por largo tempo, tanto no solo, como nas camadas de ar adjacentes, os principios gazozos alimentares, de que carecem.

388.º São estas as principaes condições do bom solo, vejamos agora qual é a composição das diversas especies de solos ou de terrenos araveis.

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Composição e natureza das diversas especies de solos.

389.º As substancias que pela sua reunião constituem as diversas especies de solos são pouco numerosas e pódem reduzir-se ás seguintes - a areia ou silica - a alumina ou argila (que é uma combinação de alumina e silica) - a cal (debaixo da fórma de carbonato de cal e de sulphato de cal) - e o humus ou terra vegetal. Ainda se encontram accidentalmente além destas substancias outras que por existirem em quantidades diminutas deixam de se mencionar aqui, como são oxidos de ferro, e cobre, a potassa, a soda, &c.

390.º Segundo predomina nos solos ou nas terras araveis algum destes quatro elementos, assim ellas se dizem areentas ou siliciosas - aluminosas ou argilosas - calcareas - e humosas.

391.º A arêa ou a silica torna as terras ligeiras, seccas e ardentes - a argila torna-as fortes, plasticas, e frias - a cal, ou os seus compostos acima indicados, torna-as leves e porosas, excita o desenvolvimento das plantas, e provoca a decomposição dos estrumes - o humus ou terra vegetal torna-as nutrientes, e cerca as raizes e as folhas de uma atmosphera alimenticia e protectora.

392.º A combinação destes quatro principios nas suas justas proporções, isto é, mais de um terço de argila, um terço de arêa, menos de um terço de cal, e um decimo de humus dá em resultado uma excellente terra, a que se pode chamar normal, e que deve apresentar as propriedades e condições que attribuimos ao solo em geral.

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393.º Indiquemos agora as qualidades das quatro especies de terras ou solos acima referidos.

394.º Terras argilosas ou aluminosas. Estas terras apresentam a argila em excesso sobre os outros tres principios. São principalmente compostas de argila e alguma silica; o seu caracter distinctivo é uma grande tenuidade, que as torna doces e unctuosas ao tacto; amassadas entre os dedos podemos communicar-lhes as fórmas, que desejamos. São humidas e frias durante quasi todo o anno. São tenazes e plasticas, e a sua cultura apresenta grandes difficuldades. No outono e inverno reduzem-se a uma pasta pegajosa, que o arado ou a charrua revira sem a dividir; no estio tornam-se tão consistentes e duras, que é ás vezes impossivel penetral-as com aquelles instrumentos. As chuvas encharcam-nas, e o sol fende-as em largas aberturas, que expõem as raizes ao contacto do ar, lacerando-as e destruindo-as. Os seus productos são tardios e de mediocre qualidade. Os trigos bellos na apparencia, produzem nellas mais palha do que grão. Os prados dão fenos duros e pouco suculentos. Os legumes, e os fructos adquirem grande volume mas são pouco saborosos.

395.º São estes os inconvenientes dos terrenos eminentemente argilosos ou quasi exclusivamente formados de argila; inconvenientes que são todavia menores nos paizes temperados do que nos frios; mas se a argila entra nelles n'uma menor proporção, e se a silica e o calcareo corrige os seus principaes defeitos, então tornam-se bastantemente ferteis; e no nosso clima produzem excellentes cearas de trigo, de cevada, e aveia, abundantes legumes, e muito bons pastos, como trevos, luzernas, &c. Uma grande parte dos melhores terrenos da provincia do Alemtejo são desta natureza, e conhecem-se alli pelo nome de barros, ou terras barrentas.

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396.º As terras fortes são aquellas em que predomina a argila, mas em que este principio se acha convenientemente corrigido pela arêa e por algum carbonato de cal. Ordinariamente 50 partes de argila, 30 de arêa, 15 de carbonato de cal, e 5 de humus constituem estas terras, que se denominam tambem argilo-siliciosas.

397.º As terras francas de pão formam a passagem dos terrenos argilosos para os areentos, e apresentam menos argila, e mais quantidade de arêa e carbonato de cal do que as terras fortes. Estas terras são as que convem ao maior numero de plantas usuaes. Todos os cereaes prosperam nellas, assim como uma grande parte das plantas economicas, e forraginosas. Carecem de poucos estrumes, e não precisam de correctivos.

398.º Terrenos arenosos ou siliciosos. Estes terrenos, em que superabunda consideravelmente a silica ou a areia, apresentão defeitos oppostos aos dos terrenos argilosos. Elles são naturalmente desagregados e soltos, e fabricão-se por isso com uma grande facilidade. São rudes ao tacto; aridos e secos por causa da sua excessiva permeabilidade ás agoas pluviaes. Frios durante o inverno aquecem-se facilmente durante a primavera, e tornão-se ardentes durante o estio. Se nos paizes frios e chuvosos, onde as terras argilosas são infecundas, elles apresentão ás vezes uma certa fertilidade, nos paizes aridos e quentes resistem á maior parte das culturas particularmente durante o estio. Os seus amanhos são pouco custosos; e se é mui difficil deparar com o momento opportuno de lavrar as terras barrentas, nada é mais facil do que encontrar a opportunidade de amanhar as arenosas, porque nunca se encontrão nem encharcadas, nem endurecidas como as primeiras; tambem não carecem como estas de lavras frequentes e fundas, porque a sua natural divisibilidade as deixa estorroar facilmente depois dos primeiros ferros.

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399.º Em quanto os solos argilosos carecem quasi sempre de ser desembaraçados da agoa, que lhes sobeja, os siliciosos ao contrario precisão que lha conservemos e proporcionemos por todos os modos possiveis. E na verdade cousa nenhuma fertilisa tanto estas terras como as regas, porque a agoa é para ellas uma condição de fertilidade talvez ainda maior do que os estrumes.

400.º Nestes terrenos eminentemente arenosos só podem prosperar aquellas plantas, que tirão da atmosphera por meio de suas folhas e caules o nutrimento, que não podem adquirir por meio das suas raizes; o trigo sarraceno, a esparguta, a batata tupinamba, &c. achão-se neste caso. Se o centeio vegeta nestes solos, é porque o seu desenvolvimento tem logar durante as estações chuvosas, que entretem na areia uma humidade quasi constante; e porque a silica entra na sua composição como principal elemento. No norte do Alem-tejo, e em muitos outros pontos do reino, encontrão-se bastantes terrenos desta natureza.

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401.º São estes os principaes defeitos dos terrenos, eminentemente siliciosos; mas estes defeitos desapparecem inteiramente quando a argila e a cal vem corrigil-os. E na verdade os terrenos, que tem o nome de silico-argilosos, por serem principalmente compostos de area e argila, podem collocar-se em fertilidade a par das terras francas ou terras de pão, e são como ellas apropriadissimos á maior parte das culturas, e nomeadamente ás dos cereaes, das leguminosas, dos nabos, das cenoiras, das betarrabas, e das batatas. Se a argila porém entra em pequena quantidade, isto é, n'um quinto, por exemplo, sobre quatro quintos de area, então estes terrenos, que se denominão neste caso fracos ou soltos, são de pequena fertilidade.

402.º As terras lodosas entrão tambem no grupo, das siliciosas, porque a sua composição é uma mistura de area, de alguma argila, e dos depositos fertilisadores das agoas dos rios dos ribeiros, &c. a que damos o nome de nateiros. Estes solos adubados pelas enchentes dos rios, que arrastão comsigo e trazem em dissolução a terra vegetal, e a flôr dos terrenos, que foram percorrendo, são de uma quasi inexhaurivel fecundidade. As extensas margens do Nilo, as vastas bacias do nosso Tejo, e as risonhas beiras do Mondego e do Lima patenteão esta verdade. Assim nestes pingues e felizes campos podem succeder-se em curtos intervallos as culturas mais esgotadoras da fertilidade do solo, como são as do linho, do trigo, dos legumes, &c. sem que as suas forças productivas se depauperem consideravelmente, e sem que seja preciso desenvolvel-as ou estimulal-as por meio dos estrumes, dos correctivos ou dos afolhamentos - é porque a natureza faz aqui o que o agricultor deve fazer nas outras localidades, isto é, corrige, marga, esterca, e afolha.

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403.º Terrenos calcareos. Superabundão nestes terrenos o carbonato de cal ou cré, e o sulphato de cal ou gesso; no primeiro caso tem o nome de cretaceos, e no segundo de gipsosos; e tanto uns como outros se denominão calcareos. Estes terrenos são doces ao tacto, retem fortemente a agoa, e tornão-se friaveis depois de secos. São leves e porosos, deixando por isso penetrar-se com grande facilidade pelo calor e gazes atmosphericos.

404.º As substancias calcareas tão favoraveis á vegetação, tornão-se nocivas desde que superabundão consideravelmente no solo, imprimindo-lhe uma causticidade abrazadora. Temos no nosso paiz grandes tractos de terreno conhecidos pelo nome de terras de cré, que são de uma grande esterilidade, e de um melancolico aspecto, porque se achão quasi inteiramente despidos de toda a vegetação util; mas que poderião inda ser utilisados com plantações de pinhaes que nelles prosperão soffrivelmente. Muitas das grandes serranias da Estremadura, Alemtejo e Algarve são terrenos calcareos a que se pode dar esta applicação.

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405.º Quando porém as substancias calcareas se unem com uma consideravel quantidade de argila, e com uma menor porção de silica e humus a fertilidade apparece desde logo nestes terrenos que tem então o nome de calcaro-argilosos. A argila prestando-lhes a tenacidade de que careciam, corrigindo-lhes a causticidade, e tornando-os humidos e frescos no estio, communica-lhes quasi todas as condições dos terrenos normaes que são os mais proprios para a vegetação - e assim vemos que nelles se aprasem quasi todas as plantas, mas principalmente o trigo, a cevada, as ervilhas, os nabos, o esparceto, &c.

406.º Terrenos humosos. Nestes terrenos predomina o humus ou a terra vegetal sobre todas as outras terras elementares. O humus é o resultado das substancias organicas quando se decompõem ao ar. As plantas e os animaes privados de vida alteram-se promptamente, e os seus tecidos decompõem-se pouco a pouco nos seus elementos, transformando-se n'uma substancia negra, ligeira, ávida de agoa, e mui fertil em consequencia da sua porosidade, e da grande quantidade de acido carbonico, e dos princípios azotados que contem: esta substancia, que é o humus, esgota-se facilmente, e só por si não é sufficiente para fazer viver e prosperar as plantas lenhosas; e mesmo ás plantas annuaes communica-lhes um excesso de vigor e de vida quasi sempre prejudicial á sua fructificação.

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407.º Mas se este principio do humus ou do terriço se mistura com os outros tres elementos das terras araveis; se estes ultimos corrigem e modificam a sua acção demasiadamente energica, então os terrenos resultantes desta combinação, que tem o nome de argilo-humosos, silico-humosos, &c., adquirem uma grande productividade. Tambem as leguminosas, as frumentaceas, e quasi todas as outras plantas, que se cultivam nas hortas e nos pomares, prosperam admiravelmente nestes terrenos como se vê nos valles, nas veigas, e nas varseas de todas as nossas provincias, mas principalmente nas Beiras, no Minho, e na Estremadura.

408.º A quantidade maior ou menor de humus existente no solo pode influir consideravelmente na sua natureza. A proporção em que este principio deve entrar na composição dos terrenos não se póde bem determinar por depender de variadissimas circumstancias umas intrinsecas, e outras extrinsecas ao solo. Sabe-se que o humus não obra sómente pelas substancias nutritivas que contem, mas egualmente porque melhora as condições phisicas do terreno. E na verdade elle torna mais soltos e divisiveis os terrenos tenazes e compactos; um pouco mais compactos os que são nimiamente soltos - torna mais humidos os que são secos, e mais quentes os que são frios - n'uma palavra corrige os terrenos de quasi todos os seus defeitos.

409.º Quando os vegetaes se decompõem ao ar formam, como já dissemos, um terriço fertilisador que chamamos humus - quando porém se decompõem debaixo de agoa, e fóra do contacto atmospherico, constituem o que chamamos turfa, substancia de propriedades chimicas diversas das do terriço, impropria á vegetação e commum nos logares pantanosos e alagadiços.

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410.º Os terrenos de turfa poucas vezes, e só depois de grandes despezas e trabalhos se podem reduzir á cultura; mas podem subministrar, e subministram quasi sempre um bom combustivel. Os terrenos paludosos podem aproveitar-se algumas vezes com uma certa vantagem e produzem espontaneamente algumas gramineas apetecidas dos gados, junco, bunho, esparto, e junça, plantas todas susceptiveis de algumas applicações economicas. Em certos casos podem estes terrenos depois de esgotados apresentar uma grande fertilidade; mas a sua cultura é funesta ao cultivador, porque os vapores mephiticos, que delles se exhalam são a origem de febres intermitentes, e de outras molestias egualmente graves e perniciosas.

411.º Conclue-se do que levamos dito, que as quatro especies de solos que podemos chamar fundamentaes, se corrigem umas pelas outras, e que segundo a mais ou menos ajustada proporção em que se misturam, assim apresentam uma fertilidade grande, mediocre, ou nulla.

412.º Felizmente é muito raro encontrar solos exclusivamente argilosos, siliciosos, calcareos, ou humosos; mas é muito frequente encontral-os compostos de todas ou de algumas destas terras em proporções taes que excluam as condições do solo normal. E' então que o agricultor, sempre que isso for praticavel, deve tractar de emendal-os, ou corrigil-os do modo que adiante indicaremos.

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413.º As proporções em que aquelles quatro principios devem apparecer, e em que geralmente apparecem na chamada terra franca, ou terra de pão são as seguintes - mais de um terço de argila, um terço de silica, menos de um terço de cal, e um decimo até um vigessimo de humus. Importa porém advertir que nada ha mais variavel do que aquellas proporções, porque até muitas vezes diversificam na terra extrahida de diversas localidades do mesmo campo. Convem pois que o agricultor conheça algum processo simples para poder examinar a natureza e composição dos seus terrenos; nós lhe apresentaremos o seguinte que pela sua simplicidade julgamos dever preferir-se.

414.º Processo para a analise das terras. Tomem-se de varios pontos da superficie do terreno que desejamos examinar, e á profundidade de alguns palmos, sessenta onças de terra bem limpa de pedras e raizes; e depois de muito bem estorroada e misturada faça-se seccar ao sol. Ponha-se depois ao fogo n'um vaso de ferro até ficar em braza; e remexa-se continuamente até á completa evolução das suas substancias combustiveis.

415.º Deixe-se depois arrefecer, e em sitio resguardado da humidade exponha-se ao ar livre, a fim de absorver e recuperar a porção de acido carbonico, que entrava na composição dos carbonatos, e que a acção do fogo fez volatilisar.

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416.º Passados um ou dois dias peze-se então a terra, e a differença que houver entre o seu pezo actual e o primitivo, indicará a quantidade de humus ou de materia organica, que entrava na sua composição. Se em vez das 60 onças não se encontrarem depois da combustão mais do que 54 é porque continha uma decima parte de humus ou de terriço.

417.º Depois desta operação lance-se a terra em um vaso de vidro, e deite-se-lhe em cima um pouco de acido muriatico ou espirito de sal diluido em vinte vezes o seu volume de agoa. Se a terra tiver carbonatos logo se manifestará uma grande efervescencia acompanhada de espumas. Remexa-se então o deposito terreo até cessarem de apparecer bolhas na superficie do liquido, que por fim se tornará transparente.

418.º Separe-se em seguida o liquido do deposito terreo, que se pezará depois de secco. Esta segunda differença de pezo exprime a quantidade de carbonatos (quasi sempre carbonato de cal) que a terra continha, os quaes sendo atacados pelo acido muriatico ou hydrochlorico fôram decompostos, ficando livre o acido carbonico que se evolvera. Supponhamos que não se obtinham mais do que 38 onças de pezo - é porque a terra continha 16 onças ou quasi uma terça parte de carbonato de cal.

419.º Lancem-se finalmente estas 38 onças de terra; n'um vaso de vidro cheio de agua, e remexam-se até ficarem bem suspensas no liquido - deixem-se depois em quietação por algum tempo até que vejamos a arêa depositada no fundo do vaso; decante-se então o liquido para outro vaso, para nelle se depositar ainda algum resto de arêa; e peze-se esta finalmente: a differença entre o pezo actual e o antecedente exprime a quantidade de argila, que a terra continha, a qual suspensa no liquido foi separada da arêa por meio das decantações. Suppondo que as 38 onças obtidas na antecedente operação se achavam agora reduzidas a 18, ficará evidente que esta era a quantidade da arêa, e 20 onças a quantidade da argila: resultando por tanto de todas estas operações que as 60 onças de terra continham 20 onças de argila

18 de silica

16 de carbonato de cal

6 de humus.

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420.º Este processo com quanto nos não indique as pequenissimas quantidades de outras substancias, que accidentalmente entram na composição das terras, como são certos oxidos metalicos, a potassa, a soda, &c., é todavia sufficiente para que o cultivador conheça a natureza e composição do seu solo que não são sensivelmente alteradas por estas mesmas substancias.

421.º Terminaremos este capitulo apresentando algumas noções sobre o subsolo, visto que a sua diversa natureza póde influir consideravelmente sobre as qualidades do solo.

Subsolo.

422.º Damos o nome de subsolo aquella camada de terra de cascalho ou de rocha, que sustenta o solo, ou que lhe serve de assento, e que apresenta propriedades que podem modificar as da camada aravel.

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423.º O estudo do subsolo póde auxiliar muito o agricultor na maneira de dirigir os seus trabalhos agricolas. Em primeiro logar deve examinar a que distancia elle se encontra da superficie superior da camada aravel, para deste modo avaliar a verdadeira espessura ou fundo desta mesma camada; por quanto segundo a sua maior ou menor espessura assim deverá adoptar antes umas do que outras culturas, por isso que as plantas não profundão todas egualmente no solo, e effectivamente a betarraba campestre (A) carece de um solo que tenha pelo menos 15 a 18 pollegadas de espessura; a betarraba da Silesia (B) bastão-lhe de 12 a 14, o nabo (C) contenta-se com um pouco menos; e os cereaes (D) com 5 a 6 pollegadas; como tudo se vê na estampa que apresentamos.

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424.º Depois disto deve tambem examinar se o subsolo é impermeavel ás raizes, porque neste caso inda precisa ser mais cauteloso em não submetter o solo senão á cultura d'aquellas plantas que possão encontrar nelle a profundidade necessaria para o seu desenvolvimento.

425.º Quando o subsolo é inteiramente impermeavel ás agoas da chuva então a camada aravel, principalmente se não fôr de uma grande espessura, é summamente prejudicada por este vicio, porque formando-se debaixo della uma especie de pantano subterraneo, as raizes mergulhando constantemente nelle macerão-se e destroem-se. Neste caso ou por meio de vallas e escoantes mais ou menos profundos, ou por meio de furos de sonda, deve exonerar-se o subsolo das agoas mortas que o encharcão.

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426.º Finalmente convem que estude com a maior attenção a composição elementar do subsolo, para saber se a sua mistura com a camada superior póde melhorar ou deteriorar o terreno. Quando o subsolo contem substancias que podem corrigir o solo então possue o agricultor logo por baixo da terra lavradia uma rica mina, que sendo discretamente explorada póde proporcionar-lhe as maiores vantagens. Supponhamos que o subsolo é argiloso e o solo calcareo, neste caso é evidente que a mistura do primeiro com o segundo deve ser grandemente vantajosa; e do mesmo modo se o subsolo fôr, por exemplo, marnoso e o solo silicioso, &c. Mas se pelo contrario o subsolo fôr argiloso ou calcareo, e o solo da mesma natureza, então a mistura torna-se prejudicialissima; e se no primeiro caso convem ir gradualmente misturando por meio de lavras mais profundas uma com outra camada, no segundo é preciso que a charrua respeite a camada inferior, para que pela sua mistura com a superior não venha augmentar-lhe os defeitos.

427.º Como porém a camada, que forma o subsolo, não se acha trabalhada pelas influencias atmosphericas, ou repassada pelos gazes aereos, e como neste estado ella não póde servir á vegetação, é inteiramente indispensavel que a mistura do subsolo com o solo, quando se julgue opportuna, se faça em pequenas e successivas quantidades; porque de outro modo misturando com a camada aravel uma porção consideravel da camada inferior não meteorisada, tornariamos aquella improductiva durante alguns annos até á sua completa meteorisação.