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CAPITULO III.
Adubos.
428.º Todas aquellas substancias, que actuão sobre a terra, já corrigindo os seus defeitos phisicos, já augmentando os seus principios nutritivos, já finalmente tornando-a mais propria para excitar as forças organicas das plantas tem o nome de adubos.
429.º Os adubos podem ser tirados do reino mineral, vegetal, e animal - e podem obrar mechanica, phisiologica, ou chimicamente. Os que obrão mechanicamente tem o nome de correctivos; os que obrão phisiologicamente tem o nome de estimulantes; e os que obrão chimicamente tem o nome de estrumes.
430.º Importa porém desde já advertir, que a acção dos estrumes não é exclusivamente chimica, mas tambem phisiologica e mechanica. E na verdade elles não subministrão sómente á terra os principaes elementos nutritivos das plantas; mas tornão-a tambem mais excitante, ou mais apropriada a estimular o organismo vegetal, e corrigem-na finalmente melhorando as suas condições phisicas. Ora o mesmo se póde dizer de muitos estimulantes e correctivos, nos quaes vemos reunidos estes tres modos especiaes de obrar; donde se deve inferir que a linha divisoria, que ultimamente se quizera traçar entre estas tres castas de adubos, não é tão saliente que possa servir a extremal-os uns dos outros. - Podemos todavia asseverar que a acção dos correctivos é principalmente mechanica, a dos estimulantes phisiologica, e a dos estrumes chimica, como depressa veremos.
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Correctivos.
431.º Os correctivos são aquellas substancias que melhorão mechanicamente os terrenos, communicando-lhes as propriedades phisicas de que carecem para funccionarem convenientemente.
432.º Tratando do solo observámos que as suas propriedades phisicas, isto é, a divisibilidade e a permeabilidade, a consistencia e a plasticidade, a leveza e a porosidade dependião das diversas terras elementares, que entrão na sua composição; e que conforme a maior ou menor proporção em que cada uma destas terras nelle se encontram, assim aquellas propriedades se apresentão em maior ou menor gráu. Observámos tambem que se superabundava a silica o solo se mostrava excessivamente divisivel e permeavel; se a argila consistente e plastico; se o calcarco leve e poroso. Por tanto, quando no solo escassearem ou faltarem absolutamente algumas destas propriedades poderemos fazel-as apparecer ou augmentar, addicionando-lhe as terras, que lhas communicão. Assim se o solo apresentar uma excessiva divisibilidade e permeabilidade por conter silica em excesso corrigil-o-hemos juntando-lhe argila, para assim o tornarmos mais consistente e plastico; se pelo contrario superabundarem estas ultimas propriedades será addicionando calcareo e silica que as faremos desapparecer.
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433.º Vê-se por tanto, que as terras elementares que entrão na composição do solo podem corrigir-se umas pelas outras. Ora em muitos casos é bastante facil e pouco dispendiosa esta correcção, e então deve sempre effeituar-se, porque os terrenos ganhão com ella um acrescimo consideravel de fecundidade: como se tem praticamente experimentado nos Estados-Unidos, na Inglaterra, na Belgica, e em algumas provincias da França, e da Alemanha - n'outros casos porém é muito difficil e dispendiosa aquella correcção, e então não val a pena de tentar-se.
434.º A primeira cousa que o agricultor deve procurar conhecer quando tratar de corrigir qualquer terreno é a sua composição elementar, e para isso poderá soccorrer-se ao processo, que atraz lhe apresentámos. E depois de haver encontrado por meio deste processo a exacta relação em que as terras elementares entrão na formação do solo, deve bem examinar as suas propriedades phisicas, por serem uma verdadeira contraprova da exactidão daquella analise. E se achar que estes dois exames coincidem um com o outro não póde restar-lhe a menor duvida sobre a natureza do solo. E' então, e só então que se deve julgar habilitado para o corrigir ou para nelle introduzir aquelles melhoramentos phisicos que julgar necessarios.
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435.º Depois de estudado e conhecido o solo carece ainda de estudar a natureza, a composição, e as propriedades da substancia, que se propõe empregar: e seria mesmo summamente conveniente ensaial-a praticamente para não deixar em duvida as vantagens da sua applicação, empregando-a previamente em pequenas porções de terreno, para lhe não acontecer algum desses funestos enganos, que por mais de uma vez teem escarmentado alguns cultivadores, ou menos entendidos, ou menos prudentes.
436.º As substancias mais geralmente usadas como correctivos são a cal, a marga ou marne, a caliça resultante da demolição dos edificios, e as conchas fósseis.
437.º Cal. Esta substancia é util em todos os solos argilo-siliciosos, e silico-argilosos, que não contem uma sufficiente dose de combinações calcareas, nos terrenos arenosos, graniticos, e humidos, naquelles onde crescem naturalmente os fétos, os juncos, e as estevas, com tanto que não sejão alagadiços, e finalmente em quasi todas as terras fracas de centeio.
438.º São dois os processos mais geralmente usados para espalhar este correctivo sobre o solo. O primeiro consiste em collocar a eguaes distancias pequenos montes de cal sobre o solo, e em espalhal-os com egualdade logo que se achão esbroados e pulverisados pela acção do ar. O segundo differe do primeiro em se cobrirem os montes com uma camada de terra equivalente a cinco ou seis vezes o volume da cal, misturando-se tudo muito bem no fim de quinze dias, e espalhando a mistura por egual á superficie do solo.
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439.º As doses em que convem empregar a cal devem ser mais fracas nos terrenos ligeiros e arenosos, e mais fortes nos argilosos. A experiencia tem demonstrado que a dóse mais geralmente conveniente é a de 14 alqueires de cal em cada geira por cada anno que a correcção deva durar. Assim, por exemplo, se corrigirmos de tres em tres annos, como se faz em varias provincias da França, devemos empregar 42 alqueires por geira; e 140 se corrigirmos, como se faz em alguns pontos do norte, de dez em dez annos.
440.º Para tirar o proveito possivel do emprego da cal é preciso que esta substancia não seja applicada aos terrenos demasiadamente humidos - que seja espalhada na terra em tempo seco, enterrada sem ter recebido chuva, e por maneira que fique bem no meio da camada aravel.
441.º O emprego menos discreto deste correctivo póde dar logar á depauperação e esgotamento do solo. Para significar este inconveniente costumava dizer-se em França que, a cal não enriquecia senão os velhos; ou que enriquecia os paes, e arruinava os filhos; mas experiencias incontestaveis demonstrão, que quando a correcção se faz convenientemente, e quando as culturas se succedem systematicamente não se deve temer aquelle esgotamento.
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442.º E na verdade os terrenos corrigidos pela cal ficão por muito tempo fecundos, são muito mais sadios, menos humidos, e muito mais productivos. Na Inglaterra, na Belgica, na Flandres, e em quasi toda a Alemanha tem-se notado, que o melhoramento communicado á terra por este meio quasi que duplica as colheitas de trigo, e tem chegado a triplicar as de centeio!
443.º No nosso paiz é porém quasi desconhecido este processo, e todavia os correctivos calcareos faceis e pouco dispendiosos em bastantes localidades são altamente reclamados por muitos dos nossos solos areentos e graniticos, e pelos silico-argilosos, que beneficiados deste modo duplicarião pelo menos nos seus productos, e ganharião grandemente em salubridade.
444.º Marga ou marne. Se a cal é proveitosa como correctivo a marga inda o é muito mais. Tambem desde tempo immemorial é conhecido o seu uso no melhoramento das terras. Serviram-se della os gregos, os romanos, os gaulezes; e hoje quasi todas as nações agricolas a empregão em maior ou menor escala.
445.º A marga é um composto de carbonato de cal e de argila siliciosa. Acha-se abundantemente espalhada em um grande numero de terras, e especialmente nas de alluvião, nas bacias e nas beiras dos rios junto ás camadas argilosas.
446.º A marga tem sido dividida em tres especies, em argilosa, siliciosa, e calcarea; segundo nella prepondera ou a argila, ou a silica, ou o carbonato de cal.
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447.º A importancia deste correctivo deve obrigar-nos a procural-o em toda a parte, onde o seu emprego fôr reclamado. Os terrenos onde cresce a tussilagem, a salva, o trevo amarello, e os cardos apresentão ordinariamente a marga a uma pequena profundidade. Ella fórma algumas vezes o assento sobre que repousa o solo. A riqueza que o agricultor então possue logo á flor do seu terreno é inapreciavel. Basta uma lavra um pouco mais profunda para a misturar com o solo, e imprimir-lhe uma admiravel fecundidade. E quantos lavradores regão com o seu suor quasi infructiferamente extensos terrenos, que para serem fecundos não carecião senão de lavouras um pouco mais fundas, que trouxessem á superficie do solo a marga que lhe serve de assento!
448.º A marga reconhece-se pelos seguintes caracteres. A sua côr é geralmente branca amarella ou verdoenga segundo a sua diversa composição elementar; desfaz-se e esboroa-se ao ar; apega-se fortemente á lingua; lançada no acido nitrico, muriatico, ou no vinagre forte entra logo em efervescencia acompanhada de espumas; lançada n'agoa apresenta immediatamente uma ligeira ebullição e fórma uma especie de magma solto no fundo do vaso.
449.º Estes caracteres modificão-se segundo a natureza particular da marga; assim a efervescencia é tanto maior quanto maior fôr a quantidade de carbonato de cal; a unctosidade quanto maior fôr a porção de argila; e as espumas quanto mais abundante fôr a silica, e por conseguinte o ar contido entre as suas molleculas.
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450.º Entre as tres especies de margas acima mencionadas deve o agricultor escolher aquella em que predominar a terra elementar, que faltar no seu terreno, se o quizer corrigir proveitosamente, e communicar-lhe aquellas relações fundamentaes productoras da fertilidade, que caracterisam o solo normal. Assim o marne argiloso convem aos terrenos siliciosos; o silicioso aos argilosos, e o calcareo a uns e outros.
451.º A marga deve espalhar-se em pequenos montes sobre os terrenos desembaraçados de agoas, e em tempo seco, e depois de estorroada pela acção dos agentes atmosphericos deve enterrar-se por meio de uma lavra pouco profunda. Em algumas localidades mistura-se a marga com terriço, e emprega-se passado algum tempo com grande vantagem; por isso que começa desde logo a beneficiar o solo, o que não acontece empregando-se a marga pura, cuja acção fertilisadora é muito mais lenta.
452.º A quantidade de marga a empregar é por tal modo variavel, que a melhor regra que o agricultor póde seguir é a de conformar-se com os usos e praticas adoptadas no seu paiz. Mas como no nosso raras vezes se tem empregado este correctivo, sempre apresentaremos algumas indicações que possam guial-o. Em primeiro logar a quantidade de marne a empregar é subordinada á quantidade das terras elementares nelle contidas, e á maior ou menor carencia dessas mesmas terras no solo. Por exemplo, o marne póde ter de 10 até 90 por 100 de carbonato de cal, e o terreno póde precisar maior ou menor quantidade desta substancia, e então é claro que a dóse do correctivo deve ser regulada por estas duas circumstancias. Mas na generalidade dos casos poucas vezes deixará de convir o uso adoptado na Normandia que consiste em lançar em cada geira vinte carradas; ou o seguido em muitas outras partes da França e da Italia, que se reduz a espalhal-o no terreno de modo que venha a formar uma camada superficial de 4 linhas de espessura.
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453.º Os effeitos da marga sobre o solo, principalmente se ella é calcarea são muito similhantes aos da cal. O solo margado fica mais enxuto, mais estorroadiço, mais poroso, mais accessivel a uma boa e facil cultura, mais salubre, e muito mais productivo. Sobre este ponto seria incrivel o que se diz e escreve senão tivesse sido observado. Ha muitos departamentos em França cujos solos tem triplicado de valor depois que foram margados; o mesmo acontece na Alemanha, na Italia e em outros paizes.
454.º A caliça resultante da demolição dos edificios tem uma grande influencia sobre a vegetação, porque além do carbonato de cal que principalmente a fórma contem saes deliquiscentes de base calcarea, nitratos e muriatos de cal de potassa e soda que activam consideravelmente a vegetação, não só melhorando as condições phisicas do solo, mas estimulando as raizes absorventes das plantas, e mesmo ministrando-lhes alguns principios nutritivos; de modo que este correctivo não só obra mechanica, mas tambem phisiologica e chimicamente.
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455.º Todavia como esta substancia sómente se encontra em poucas localidades, não póde o seu uso deixar de ser muito circunscripto tornando-se por esta razão um correctivo muito menos importante que os precedentes.
456.º As conchas fósseis são tambem consideradas como correctivos, posto que o seu modo de obrar esteja muito longe de ser puramente mechanico: são de uma grande utilidade, reunindo na sua acção as vantagens da cal e da marga; e communicando aos terrenos uma productividade muito duradoura; mas o seu emprego tambem não póde deixar de ser limitado pelas mesmas razões que limitam o do anterior correctivo.
Estimulantes.
457.º Os estimulantes são aquellas substancias que communicam ao solo certas qualidades excitadoras das forças vivas, e que provocam e desafiam a acção destas mesmas forças quando se põem em contacto com os tecidos vegetaes. Estas substancias não podem porém deixar de se considerar como correctivos, porque melhoram, como elles, as condições phisicas do solo; e como tambem subministram varios principios nutritivos ás plantas tem por isso alguns pontos de contacto com os estrumes. Consideramol-as porém como estimulantes porque a sua influencia mais pronunciada é phisiologica, e reduz-se a excitar as acções organicas por meio das quaes se manifesta a vida dos vegetaes.
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458.º Sem entrar na questão ainda muito obscura e debatida do modo de obrar destas substancias, limitar-nos-hemos aqui a uma succinta exposição do seu emprego na agricultura. - O gesso, o sal, e as cinzas são os correctivos estimulantes mais geralmente usados.
459.º Gesso. A applicação do gesso ou do sulphato de cal como adubo dos terrenos não é muito antiga. E' ao pastor Meyer que a agricultura deve esta bella descuberta, que data de 1765, e que desde logo se espalhára rapidamente pela Alemanha, pela Suissa, e pela França. E' conhecida a maneira engenhosa porque Franklin generalisou o seu emprego na America. Para vencer a incredulidade dos seus compatriotas traçou em grossas lettras, com o pó do gesso, e n'um campo de trevo (figura 6) ás portas de Washington as seguintes palavras: «Isto foi adubado com gesso.» A acção estimulante deste adubo fez sobresahir aquellas palavras, que ficaram traçadas em relevo por caules mais vigorosos e verdes. Este facto observado por quantos entravam e sahiam pelas portas da cidade foi mais convincente que todos os argumentos até então inutilmente produzidos - e o gesso popularisou-se desde então nos Estados Unidos. - E' com factos e não com theorias que se convencem os agricultores!
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460.º E' ás leguminosas que principalmente convem o gesso; e como sabemos que elle entra na sua composição intima, é claro que deve obrar não só como estimulante, mas tambem como principio alimenticio. O seu effeito sobre as gramineas é contestado; entre tanto na America tem-se applicado aos campos de milho com bastante vantagem. Emprega-se especialmente nos prados de luzerna, de trevo, de esparceto ou sanfeno, e augmenta notavelmente as suas producções. Mas tornando as plantas muito mais vigorosas e verdes, imprime-lhes todavia uma certa tendencia para se tornarem duras e lenhosas, devendo por esta razão ser cortadas um pouco no cedo. Tambem se emprega com successo sobre as favas, feijões, e ervilhas, mas com quanto augmente a producção torna com tudo os legumes mais difficeis de cozer.
461.º E' ordinariamente em pó que o gesso se emprega. Espalha-se sobre as folhas e tecidos verdes das plantas recentes em tempo socegado e humido; ou lança-se á terra metade do que se pertende empregar no acto da sementeira, e a outra metade na seguinte primavera.
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462.º Applica-se na dóse de tres a quatro quintaes por geira; uma dóse maior poderia ser prejudicial, mas nunca uma dóse menor deixa de produzir effeito mais ou menos sensivel.
463.º Não se deve applicar ás terras calcareas, e particularmente ás gipsosas, mas aproveita especialmente aos terrenos argilosos e siliciosos. E' preciso porém não esquecer, que o uso deste correctivo estimulante, assim como o de todos os outros reclama estrumes mais ou menos copiosos, para reparar as perdas que os terrenos experimentam em consequencia de uma mais energica vegetação.
464.º Sal. O sal commum ou das cozinhas (hydrochlorato de soda) é um estimulante que foi conhecido e usado pelos povos da mais remota antiguidade. No Indostão e na China entre os assirios e egipcios fez-se sempre deste adubo um uso muito extenso. Os inglezes applicam-no com grande vantagem ás culturas de trigo, de cevada, de batatas, e de forragens leguminosas. Em algumas provincias de França parece que começa a utilisar-se. A grande reputação que tem neste paiz os carneiros nutridos nos departamentos do Oeste é devida, segundo se suppõe, aos pastos ligeiramente adubados pelas nevoas do Oceano.
465.º Sabemos porém de algumas experiencias tentadas no nosso paiz, que não foram coroadas de felizes resultados; este adubo peiorou durante alguns annos os terrenos em que fôra empregado provavelmente porque houve excesso na dóse - e na verdade está demonstrado que as dóses excessivas deste estimulante esterilisão por muitos annos o melhor terreno.
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466.º As dóses empregadas em Inglaterra diversificão segundo as plantas, e tambem deverão variar segundo a natureza dos terrenos. Nos campos de cevada e trigo costumão geralmente lançar de tres a quatro quintaes por geira; de dois a tres quintaes nos prados das leguminosas; e um pouco mais desta quantidade nas batatas.
467.º Mas estas dóses talvez sejão todas excessivas para o nosso clima; e nós aconselhariamos os agricultores que quizessem servir-se deste adubo a que começassem por dóses mais diminutas, e por pequenos ensaios, como convem sempre que se tratar de qualquer innovação.
468.º Cinzas. Os effeitos das cinzas como adubos estimulantes são muito notaveis; ellas tornão mais divisiveis os solos argilosos, mais consistentes os ligeiros, destroem as más hervas, activão consideravelmente a vegetação, e subministrão ao terreno muitos saes, que as plantas se approprião como alimentos, de modo que a sua acção é debaixo deste ponto de vista muito similhante á dos estrumes.
469.º As cinzas de turfa, as vegetaes, as dos fornos de cal, do carvão de pedra, e das barrellas são as mais geralmente usadas.
470.º As cinzas de turfa são de uma applicação frequente nos paizes do norte, na Belgica, e na Flandres franceza. Na Alemanha fazem tambem um grande emprego da turfa, que talhão em pedaços com a fórma de ladrilhos e queimão depois lentamente sobre grelhas de ferro; as cinzas resultantes destas borralheiras são applicadas com tal proveito que tem feito a fortuna de muitos cultivadores; daqui veio o proverbio «Feliz o paiz que queima sua mãi.» Os nossos agricultores podem nelle aprender uma util lição aproveitando de ora avante a turfa que apparece em muitas localidades do nosso solo. Nem é só a turfa que é assim aproveitada por meio das borralheiras; são tambem as leiras de terra por muito tempo inculta e arrelvada, que depois de reviradas pelo arado e de talhadas em pedaços quadrangulares são postas ou em pequenos montes, ou umas sobre as outras formando fornos, a que depois se deita fogo para assim as calcinar e aproveitar as cinzas das plantas que nellas se continhão.
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471.º As queimadas são ainda outro meio muito usado no nosso paiz, na Hespanha, na França, na Saboia, &c. pelo qual utilisamos a maior parte das cinzas vegetaes. Os campos que ficaram incultos durante alguns annos, e que se cobriram de carvalheiras, de urzes, de estevas, de cardos, e de outras plantas, são submettidos ás queimadas para que as cinzas dellas resultantes fiquem adubando a terra. As queimadas não produzem porém sómente este effeito, mas modificão tambem o solo pela acção do fogo; diminuindo em certos casos a força da cohesão das partes terrosas.
472.º Pelo que respeita ás outras especies de cinzas acima mencionadas bastará saber, que ellas são muito proveitosas, particularmente ás culturas dos trigos, centeios e outras gramineas; que matão os insectos; que destroem muitas sementes e hervas prejudiciaes, e que se costumão espalhar sobre o solo no acto de lhe dar os ultimos ferros, ou no proprio acto da sementeira.
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Estrumes.
473.º Os estrumes são adubos organicos provenientes de substancias animaes ou vegetaes, que pela sua decomposição offerecem ás plantas principios pela maior parte liquidos ou gazosos appropriados á sua nutrição.
474.º A natureza tão simples como providente dispoz em sua admiravel economia, que as gerações que morrem sirvão de alimento ás que lhes succedem. Assim os principios que entravão na composição das plantas ou dos animaes, que a vida abandonára, são restituidos á terra, á agoa ou ao ar, para irem novamente servir de principios elementares a outras plantas e a outros animaes que ainda gozão da vida. E esta é a razão porque os adubos organicos ou os estrumes são mais poderosos na vegetação do que os inorganicos: os primeiros não melhorão sómente a condição phisica dos terrenos, nem excitão simplesmente as forças vitaes das plantas como os segundos, mas subministrão-lhes tambem os seus principaes alimentos, que são as substancies carbonatadas e ammoniacaes.
475.º E na verdade a sua acção phisica é incontestavel, por isso que elles communicão evidentemente divisibilidade ao solo tenaz; consistencia áquelle que é solto; frescura ao que é seco, e calor ao que é frio: a sua acção phisiologica é revellada pela grande energia, que adquirem todos os actos vitaes logo depois do seu emprego - energia que pela rapidez com que se manifesta não póde attribuir-se ao acrescimo de nutrição, que estes adubos occasionão: e a sua acção chimica é de todas a mais pronunciada por isso que os quatro principios organogenios, e os saes, que entrão na sua composição postos em liberdade, em virtude da sua decomposição putrida não podem deixar de subministrar ás plantas ricos elementos de nutrição.
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476.º A acção por tanto dos estrumes é tão complexa como importante. Elles elevam a temperatura em torno das raizes e dos tecidos verdes das plantas - determinam essas correntes electricas que são uma consequencia da decomposição putrida dos detritos organicos, e que excitam fortemente a vegetação - ministram ás plantas, o acido carbonico, e a ammonia que são como já vimos os seus primeiros elementos nutritivos - fornecem-lhes além disso diversas soluções salinas que são indispensaveis á nutrição. Finalmente resolvendo-se quasi inteiramente em substancias gazosas cercam as plantas de uma atmosphera aereiforme e protectora que as defende até certo ponto dos rigores do clima ou das estações - e em consequencia da sua avidez pela humidade vão-na subtrahindo lentamente á atmosphera para a fazer chegar até as raizes, tornando o solo mais fresco, mais poroso, mais accessivel a acção dos meteoros atmosphericos, e mais propicio por consequencia á vegetação.
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477.º Em vista de tantas e tão poderosas influencias não devemos admirar-nos de que os estrumes sejam o nervo da vegetação e o pingue alimento da terra, e que a mais fertil cesse de produzir se não repararmos as suas forças por meio desta substancia reanimadora. E na verdade os estrumes devem ser considerados como a base fundamental de todas as culturas. E fora tão impossivel conservar a vida dos rebanhos sem pastagens, como manter a fecundidade da terra sem lhe restituir por meio dos estrumes a substancia nutritiva que lhe fôra subtrahida pelas diversas culturas a que andára submettida.
478.º «Com superabundancia de estrumes, diz Schwerz, podem operar-se prodigios e fazer sahir da areia arida ricas colheitas de trigo; do mesmo modo que no mundo com muito dinheiro e sem outro merito real se podem prefazer muitas e bellas cousas. Mas de ordinario uma massa inexgotavel de estrumes está tanto á nossa disposição como uma rica mina de ouro.»
479.º As principaes condições com que o solo deve concorrer para facilitar a acção dos estrumes são uma dada humidade, uma dada temperatura, e uma dada porosidade.
480.º A humidade é necessaria á decomposição dos estrumes; e sem esta decomposição não podem os seus principios elementares ser absorvidos, e utilisados pelas plantas. Convem porém que a humidade não seja nem muito diminuta nem muito excessiva, por isso que no primeiro caso a decomposição, e por consequencia a evolução das substancias alimenticias, é consideravelmente retardada com prejuizo da vegetação; e no segundo é inteiramente paralisada, porque o ar, um dos agentes indispensaveis daquella decomposição, não podendo pôr-se em contacto com os detritos organicos pelo obstaculo que lhe offerece a agoa interposta ás suas molleculas, estes deixão de fermentar e de decompôr-se - e mesmo quando tenha ainda logar alguma decomposição, e por conseguinte algumas emanações nutritivas, estas não poderião ser aproveitadas pelas raizes no estado de edemacia e maceração, a que são sempre reduzidas pelo excesso do liquido aquoso. Donde resulta que o agricultor deve evitar com igual cuidado na applicação dos estrumes quer a falta, quer a superabundancia da humidade no solo, se quizer tirar todo o possivel proveito daquelles fertilisadores agentes.
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481.º A temperatura é tambem uma condição necessaria á acção dos detritos organicos; mas importa que não seja nem muito baixa, nem muito elevada; porque no primeiro caso é muito lenta a decomposição putrida, e no segundo summamente rapida. Ora é uma verdade theorica e praticamente reconhecida, que a acção dos estrumes será tanto mais proveitosa na vegetação, quanto a sua decomposição fôr mais gradualmente proporcionada á nutrição das plantas nas diversas epocas do seu desenvolvimento. - A temperatura mais adequada á melhor decomposição dos estrumes é a das nossas primaveras; e é nestas epocas que elles costumão geralmente lançar-se no solo.
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482.º A porosidade do terreno é tambem uma condição muito importante, não só por subministrar ás emanações gazosas um proveitoso reservatorio; senão tambem por facultar a essas mesmas emanações, e ás soluções salinas um facil accesso até ás extremidades espongiosas das raizes.
483.º A questão de saber se o estrume deve ser enterrado no começo ou n'uma epoca mais adiantada da sua fermentação, quando aquella substancia fórma uma massa molle e cohesiva, que se deixa facilmente cortar com a enchada, é ainda um ponto controverso em que as conclusões da theoria se não conformão com os usos da pratica, que devem merecer-nos sempre grande contemplação, quando não são evidentemente absurdos ou prejudiciaes.
484.º Suppõe-se que os estrumes perdem consideravelmente da sua efficacia pelas substancias, que se desprendem no acto da sua fermentação; e que a emissão destas substancias lhes fazem perder talvez uma terça parte da sua virtude fertilisante. Tem-se por isso aconselhado aos agricultores, que os empreguem ainda verdes para o solo se poder impregnar dos principios que se havião de derramar na atmosphera, se o seu emprego tivesse logar n'uma epoca mais avançada da sua decomposição.
485.º Os cultivadores porém tem recebido em todos os tempos estes conselhos com uma indifferença e incredulidade inabalavel; e similhantes aos pequenos gansos que continuam a lançar-se n'agoa apezar das reiteradas appellações da gallinha que lhes serve de mãe, e que se aflige loucamente com a sua obstinação, elles não tem prestado neste ponto a menor attenção aos agrónomos de gabinete. - De que lado estará pois a razão? Nós suppomos que é do lado dos agricultores praticos contra os agricultores theoricos.
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486.º Suppomos na verdade que se tem exaggerado bastante as perdas, que os estrumes experimentam no começo da sua fermentação; e que os gazes, que então se desprendem, são pela maior parte aquosos. Estas exhalações são similhantes ás que se elevam á superficie de um campo que acaba de ser lavrado, que são um resultado evidente da evaporação da humidade do solo. E' verdade que neste ultimo caso algum acido carbonico se desprende tambem; e que no primeiro se evolve egualmente, além desta substancia, alguma ammonia; mas estas perdas são pouco importantes.
487.º Por outro lado é incontestavel que com os progressos da fermentação bastantes principios nutritivos se evolvem, com perda manifesta e grave da virtude fertilisadora dos estrumes, donde se deve inferir que nem estas substancias perdem em não ser desde logo empregadas apenas começa a fermentação; nem convirá certamente o seu emprego n'uma epoca muito posterior em que se encontrem já bastante depauperadas dos gazes uteis e nutritivos.
488.º Esta é em nosso entender a regra, que suppomos deve ser mais geralmente seguida, e tanto mais quanto é certo que os estrumes frescos, principalmente sendo animaes, communicam á maior parte das plantas um cheiro e um sabor desagradavel, que as torna repugnantes ao homem e aos animaes - e que a ammonia, que então se evolve, quasi no seu estado de pureza, chega muitas vezes a destruir a vegetação pela sua concentração e causticidade. E' porém indubitavel que se as terras fôrem fortes e frias, e se as culturas não estiverem eminentes, poderão empregar-se os estrumes um pouco mais verdes, e pelo contrario um pouco mais curtidos nas terras seccas e ligeiras, com tanto que as plantações ou as sementeiras se sigam quasi immediatamente ao seu emprego.
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489.º Se os estrumes porém tiverem sido previamente misturados com a cal, com as cinzas, ou com o carvão vegetal o seu emprego segundo as experiencias de Mr. Payen poderá ter logar logo no começo da sua fermentação sem os inconvenientes indicados, e ainda com a vantagem de ser augmentada a sua força fertilisante, por isso que aquellas substancias tornão mais gradual e lenta a evolução das suas emanações nutritivas.
490.º Todas as substancias animaes ou vegetaes pódem servir de estrumes quer sós, quer misturadas entre si ou com substancias mineraes; donde resulta dividirem-se os estrumes em vegetaes, animaes, vegeto-animaes, e compostos.
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Estrumes vegetaes.
491.º Os estrumes vegetaes foram empregados desde a mais remota antiguidade. Os primeiros agricultores aprenderam logo da natureza o uso deste adubo; porque é com elle que ella repara geralmente as perdas occasionadas pela vegetação. - Os gregos e os romanos segundo o dizer de Theophrasto, e de Plinio utilisaram sempre os estrumes vegetaes na grande cultura. Era costume entre aquelles povos fazer extensas semeadas de tremoços e favas, não por lhes recolher o fructo, mas para os enterrar pouco depois da epoca da floração com o fim de adubar os terrenos, e de os predispor para novas culturas. Esta mesma pratica foi depois seguida na Italia, na França, e em varios outros paizes. Na Toscana semea-se o milho grosso no mez de Agosto para o enterrar nos fins de Outubro. No Piemonte semeia-se geralmente o centeio e enterra-se quando começa a espigar com o fim de robustecer as terras destinadas á cultura do canamo. Na Hespanha e mesmo em alguns pontos de Portugal usa-se principalmente dos tremoços; assim como do trigo sarraceno em alguns departamentos de França.
492.º As vantagens destes estrumes vegetaes verdes são incontestaveis. Em primeiro logar podem produzir-se á vontade, e generalisar-se segundo as exigencias das diversas culturas por mais extensas que ellas sejam. São além disto pouco custosos e produzem excellentes resultados. Restituem á terra muito mais do que lhe haviam subtrahido; porque como as plantas são enterradas no começo da floração, isto é, na epoca em que os seus principios elementares tem sido absorvidos mais na atmosphera do que no solo; vem este a receber mais do que dispendera, e fica consideravelmente enriquecido com os despojos de uma vegetação vigorosa e suculenta.
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493.º As particulares circumstancias tanto do nosso clima como da nossa agricultura reclamam imperiosamente o emprego destes estrumes. A falta infelizmente geral de gados, e por consequencia de estrumes animaes; assim como o predominio da grande sobre a pequena cultura no sul do reino, devem decidir os nossos agricultores a preferir aquella casta de adubos. A sua adopção ainda é particularmente requerida pela muito geral aridez do nosso solo, e pela temperatura um pouco elevada do nosso clima; porque é demonstrado que os estrumes verdes vegetaes tornam as terras mais frescas e humidas: e daqui provém o não serem adoptados nos paizes do norte senão em localidades e circumstancias excepcionaes. E na verdade apezar de algumas experiencias felizes feitas em Inglaterra e na Irlanda os cultivadores deste e d'outros paizes do norte tem renunciado a este modo particular de estrumar, olhando como muito mais vantajoso o emprego daquellas plantas na sustentação dos gados.
494.º As favas tem sido recommendadas como o melhor dos estrumes verdes para adubar os terrenos destinados á cultura dos cereaes, e particularmente do trigo. Estes estrumes podem com o tempo communicar aos terrenos mais fracos uma grande productividade. Devem ceifar-se durante o curso da floração e enterrar-se immediatemente depois. Acreditando que esta pratica pode ser especialmente vantajosa no nosso paiz; aconselhariamos os nossos lavradores a que a ensaiassem principalmente nos terrenos silico-argilosos, e calcareos. - Nas localidades em que não se puder renunciar ao systema dos pousios - systema que só lentamente se póde ir abandonando e que em certas localidades apenas se deve modificar - estes poderiam tornar-se menos prejudiciaes adoptando-se este modo de estrumar e além disto lavouras frequentes, e repetidas durante o tempo de descanço dado ás terras.
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495.º Nos terrenos proximos ao mar devem aproveitar-se como excellentes adubos os fucus, vulgarmente conhecidos pelos nomes de sargasso dos mares e carvalho marinho, as confervas e outras especies de algas, e geralmente todas as plantas maritimas.
496.º O nossos agricultores não deixão, em alguns pontos do litoral, de fazer uso destes extrumes, mas estão muito longe de os utilisar quanto fôra para desejar. O seu emprego quando judicioso não só fertilisa espantosamente os terrenos, reparando as suas forças productivas; mas excita ao mesmo tempo a acção vital das plantas; por isso que elles não obrão sómente como estrumes, mas tambem como estimulantes, em consequencia do sal marinho que contem. Tambem a sua applicação é muito geral e conhecida desde tempo immorial nas costas do Oceano; e principalmente na Bretanha, na Normandia, na Galliza, e em todo o Portugal, mas com especialidade nas provincias do Minho e Algarve.
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497.º As vantagens particulares destes estrumes merecem ser aqui mencionadas. Ouçamos o que nos diz a este respeito o celebre agronomo John Sinclair. «Estes estrumes apresentão singulares vantagens - elles não contem sementes de más hervas, e decompõem-se com uma certa rapidez - elles são immediatamente uteis ás plantas sem exigir um longo processo de preparação. Com o seu soccorro o agricultor póde cultivar mais frequentes vezes cereaes ou plantas verdes para enterrar, e augmentar assim a quantidade dos seus estrumes. Não se podem pôr em duvida os seus bons effeitos, nem objectar cousa alguma contra o seu emprego, a não ser que os grãos por elle produzidos são (se por ventura devemos acreditar alguns cultivadores) de uma qualidade inferior.»
498.º Os limos, e outras plantas aquaticas arrancadas do fundo dos rios e dos pantanos; e geralmente todos os despojos da vegetação, como folhas e ramos de arvores e arbustos, as canas, os tojos, os fetos, as urzes, os frutos apodrecidos, o pé da uva, o bagaço da azeitona, &c. devem aproveitar-se como estrumes, posto que a sua acção seja menos energica do que a das plantas marinhas.
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Estrumes animaes.
499.º Estes estrumes, que são um resultado da de composição das substancias organicas do reino animal, tem sido considerados em todos os tempos como os mais ricos agentes da fertilidade das terras.
500.º O cultivador deve pois empenhar toda a sua attenção e cuidado em aproveitar todos os despojos e detritos do reino animal, na certeza de que tudo o que poder colligir será sempre pouco em relação ás exigencias e necessidades da cultura. Assim os tecidos, o sangue e toda a casta de excreções animaes devem ser solicitamente aproveitados como meios poderosos de reparar as perdas, que a terra experimenta em quanto fornece ás plantas os materiaes da sua nutrição.
501.º Os estrumes animaes são mais pingues que os vegetaes em consequencia das substancias azotadas de que superabundão. Os segundos ministram ás plantas muito acido carbonico, e pouco azote; os primeiros ambas estas substancias, e particularmente a ultima debaixo da fórma de ammonia, que é uma das combinações azotadas mais simplices e frequentes da natureza.
502.º As carnes, o sangue, os ossos, os cornos, e os excrementos são as substancias que mais geralmente se utilisão como estrumes. Tanto as carnes como o sangue costumão ordinariamente empregar-se ou misturando-se com terras e substancias vegetaes, depois de haverem sido previamente submettidas a uma conveniente putrefacção, ou enterrando-se antecipadamente a alguma profundidade e distancia das plantas, que desejamos beneficiar. Estes adubos, quando se não tomão estas precauções, não só destroem as plantas em virtude da sua causticidade, mas imprimem-lhes um gosto e um sabor repugnante.
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503.º Os ossos e cornos devem ser reduzidos a fragmentos; os primeiros a um pó grosso, e os segundos a aparas para serem depois applicados aos terrenos, que enriquecem e fertilisão durante muitos annos.
504.º Os excrementos animaes, a que se dá tambem o nome de esterco, são o melhor, e o mais rico de todos os adubos. O seu uso é universal em toda a parte, onde as terras são submettidas á cultura. Uns são porém mais pingues e poderosos do que outros. Depois dos excrementos humanos que são os mais substanciaes e azotados, os das aves domesticas, e muito particularmente o dos pombos, conhecido pelo nome de colombino, passão por ser os mais activos e quentes de todos. Riquissimos em combinações azotadas elles entrão facilmente em fermentação, e é mister empregal-os em pequenas dóses para não serem nocivos á vegetação. Utilisão-se de preferencia nas culturas industriaes, como as do tabaco, linho, colsa, &c.
505.º O guano, esse adubo tão afamado, hoje objecto de extenso commercio, tão geralmente applicado na America, e que se encontra abundantemente em algumas ilhas do mar do sul, é tambem um excremento de aves, que ainda excede o columbino em actividade.
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506.º O esterco das ovelhas é depois do das aves o mais quente e activo; a sua acção é prompta e energica, mas pouco duradoura. Para melhor aproveitar os excrementos destes animaes uteis a tantos respeitos ao lavrador é costume fazel-os pernoitar em rediz ou espaços de terreno descubertos, circunscriptos por cancellas, redes e pallissadas moveis, que se transferem facilmente de um para outro logar. Deste modo os seus excrementos são immediatamente recolhidos pelo solo, que impregnando-se delles vae sendo parcial e successivamente adubado. E' porém necessario lavrar o campo antes e immediatamente depois de estrumado, para que os principios gazosos tanto os provenientes das excreções alvinas, como das urinarias se não volatilisem.
507.º A acção dos estrumes destes animaes é tão poderosa que os nossos lavradores calculão o seu valor em muito mais do que o valor do leite e dos queijos que elles produzem. Assim é geral entre elles a crença de que sem bons rebanhos de ovelhas não se podem ter boas searas. E na verdade as que crescem nos terrenos onde se estabeleceram os rediz ou as malhadas distinguem-se á primeira vista das dos terrenos circumstantes, que não foram beneficiados por este precioso adubo.
508.º O estrume do cavallo é tambem muito recommendavel pela sua força, mas é preciso empregal-o bem curtido para que não infeste os terrenos com muitas sementes de hervas ruins, que não tendo sido alteradas pelas forças digestivas deste animal, vão depois germinar com prejuizo das culturas, a que dedicámos o solo. E' por esta razão que os agricultores mais experimentados o empregão desde logo nas culturas sachadas, que destroem aquellas hervas ruins e predispõem os terrenos para as culturas dos cereaes.
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509.º O estrume do boi é mais frio e menos poderoso que o do cavallo. Convem particularmente aos terrenos aridos e siliciosos, porque lhes communica a frescura e humidade de que precisam. A sua fermentação é menos rapida, e os seus principios nutritivos menos abundantes.
510.º A natureza e a efficacia de todos estes estrumes varía segundo a natureza e a copia dos alimentos dados aos animaes. Os agricultores que tiverem o bom juizo de nutrir bem os seus gados terão não só uma maior quantidade, senão tambem uma melhor qualidade de estrumes. O bom alimento dos gados deve ser um dos primeiros cuidados do lavrador. E não é sómente por humanidade e reconhecimento, que elle deve trazer bem nutridos e pensados os animaes, que o ajudão nos afanosos trabalhos do campo, é tambem por conveniencia propria; a fim de lhe produzirem mais trabalho, maior copia de substancias alimentares, e uma maior abundancia de adubos.
511.º A mistura de todos os estrumes que temos mencionado produz um adubo, que se póde empregar com vantagem em todas as culturas, porque os defeitos de cada estrume em particular ficão deste modo corrigidos pelas diversas qualidades dos outros. O cultivador deve por tanto misturar todos os seus estrumes uns com os outros para os tornar mais apropriados ao melhoramento das terras.
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512.º As excreções urinarias dos animaes domesticos reforçadas com outras substancias organicas, como sangue, excrementos humanos, &c. são tambem empregadas como estrumes liquidos por muitos cultivadores. Estes estrumes são recolhidos em reservatorios subterraneos praticados nos logares mais baixos dos curraes e das estrebarias, e depois de terem ahi experimentado uma avançada fermentação, e de terem sido misturados com uma quantidade egual de agoa são transportados para os campos em pipas ou carros feitos de folha de ferro com a fórma manifestada pela estampa que apresentamos em seguida; e ahi derramados por egual como se pertendessemos submetter o terreno a uma ligeira irrigação.
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513.º E' principalmente na Flandres, na Suissa e no norte da França, que se faz um uso extenso deste estrume. O vigor que as plantas adquirem quando são regadas com elle é incontestavel; mas o seu emprego não deixa de ter graves inconvenientes, que provavelmente tem obstado e continuarão a obstar á sua generalisação. Primeiramente o cheiro que delle se desprende é repugnatissimo ao homem e aos animaes que se prestão sempre com grande reluctancia á sua transportação; e até se communica, segundo se diz, a algumas plantas, como são os nabos, as batatas, e as betarrabas: em segundo logar a sua decomposição sendo muito rapida, elle subministra desde logo ás plantas grande copia de principios alimentares, mas deixa depois de lhos subministrar com prejuizo do seu progressivo desenvolvimento.
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514.º O uso mais geralmente adoptado de aproveitar estas excreções deixando impregnar as camas dos gados com ellas, é talvez preferivel ao uso flamengo e suisso; e principalmente nos paizes quentes como o nosso, em que as decomposições putridas das substancias organicas se estabelecem e consummão com tanta rapidez.
Estrumes vegeto-animaes.
515.º De todos os estrumes são os vegeto-animaes os que mais frequentemente se usão na agricultura. São uma mistura de substancias animaes e vegetaes. E' nos curraes, nas arribanas, e nas estrebarias, que mais commummente se confecciona este excellente adubo. Elle resulta da combinação das excreções dos animaes domesticos com os despojos das plantas, que lhes serviram de leito ou de cama, e que se foram successiva e periodicamente renovando. Estas camas são feitas com palha, folhas, tojos e outros vegetaes herbaceos ou sublenhosos de facil maceração. E' deste estrume a que mais particularmente se dá o nome de esterco, que Oliveiro de Serres - esse cultivador esclarecido do reinado do bom Henrique 4.º - dizia o seguinte «E' o esterco que remoça, aquece, engordura, adoça, doma e fortalece as terras cançadas pelo grande trabalho, e as que de si são frias, magras, duras, rebeldes e de dificil cultura; tantas são as suas virtudes!» Esta rapida exposição das qualidades deste estrume é tão precisa e elegante como philosophica e verdadeira!
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516.º Os estrumes vegeto-animaes são a grande base sobre que repousa a boa agricultura; são a condição capital de um bom systema agronomico: mas como estes estrumes não podem haver-se sem gados é claro que estes são a primeira necessidade do agricultor. Sem gados, diz Villeroy, não ha agricultura, e sem muitos gados não ha boa agricultura. Esta maxima é de uma exactidão incontroversa - mas para que ella se realise é necessario que os gados sejão sustentados nos estabulos, a fim de poderem ser aproveitados os seus estrumes; e para que a estabulação possa levar-se a effeito ainda é necessario dispôr de uma grande copia de forragens ou de bons prados naturaes e artificiaes. Pena é que os nossos agricultores não apreciem geral e devidamente toda a importancia deste methodo para a prosperidade de uma empreza agricola! - Reservemos porém para outro logar o tratar com mais detenção deste interessante assumpto.
517.º Quando os gados são sustentados nos curraes produzem uma grande abundancia de estrumes, principalmente se houver todo o cuidado em lhe renovar frequentemente as camas, e se estas forem de despojos vegetaes proprios a absorver todas as suas dejecções. Segundo as esclarecidas observações de Mr. de Dombasle cada cabeça de gado grosso póde produzir annualmente para cima de vinte carradas de estrume, uma vez que o animal seja nutrido e pensado dentro do curral como deve ser; ao passo que só produz quatro quando anda a pasto durante o dia; e durante todo o tempo na boa estação. Que riqueza por tanto perde o lavrador em não submetter todo ou ao menos parte do seu gado grosso ao systema da estabulação! Nós não ignoramos com tudo que este systema não póde nem deve em certas localidades adoptar-se repentinamente, nem a transição de um para outro systema agronomico póde deixar de ser mesurada e gradual; mas é preciso que pouco a pouco se vão instituindo estes melhoramentos, e no fim de alguns annos terão desapparecido as principaes difficuldades que se oppõem á sua adopção.
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518.º Em geral não se applica grande attenção á maneira porque se devem dispôr e ordenar as esterqueiras; mas os bons agricultores põem nisso grande cuidado. O terreno que deve servir ás esterqueiras deve ser previamente revestido de uma camada de argila formando um plano levemente inclinado circunscripto por uma goteira ou canal para que os sucos que manam dos estrumes não sejam absorvidos pela terra, e se escoem por aquelle canal para um reservatorio visinho a fim de serem convenientemente utilisados já como estrumes liquidos, já na humectação das camas dos gados no acto de se mudarem. A estrumeira deve estar proxima do curral, e furtada á acção forte e continua do sol ou das chuvas, que precipitando a fermentação, faz evaporar muitos principios nutritivos. E' por isso conveniente ou cubril-a com colmo ou estabelecel-a debaixo de algum pequeno telheiro.
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519.º A pratica de misturar as terras e principalmente a marga com os estercos tem sido geralmente aconselhada; e na verdade ella poderá obstar a que se desprendam alguns gazes; mas por outra parte apresentando o inconveniente de tornar mais dispendiosa a transportação dos estrumes, esta pratica tem sido censurada pelo celebre pratico ha pouco citado no seu Calendario do bom cultivador.
520.º Em muitas das nossas provincias, talvez em todas, servem-se dos tojos, codeços, carqueijas, fetos, &c., para os lançar nos curraes, nos pateos, e mesmo nas estradas com o fim de serem triturados pelos animaes, de lhes servirem de camas, e de se impregnarem das suas excreções. Este processo é muito usado na Estremadura, no Alemtejo, e principalmente no Minho - nesta ultima provincia destinam-se até terrenos, a que se dá o nome de bouças, expressamente á cultura do tojo, planta que depois cortam e utilisam como a principal base das suas estrumeiras.
521.º A maneira mais geral de empregar estes estrumes consiste em transportal-os para os campos, dispol-os em montes equidistantes; espalhal-os depois por egual no terreno, e enterral-os immediatamente ao arado ou á enxada. Alguns agricultores tem o pessimo costume de deixar por largo tempo o esterco nos campos sem o enterrar. Este costume deve ser severamente condemnado, porque os estrumes assim expostos á acção das influencias atmosphericas perdem uma grande parte da sua fertilidade. Na Flandres, e nos paizes onde a agricultura tem subido a um certo gráu de perfeição, apenas o estrume se descarrega no campo é immediatamente enterrado. E os flamengos são tão diligentes nesta operação, que nem esperam que o campo esteja todo estercado para procederem a ella, mas vão enterrando o estrume á proporção que o espalham. Esta diligencia merece ser imitada em toda a parte.
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Estrumes compostos.
522.º Os estrumes compostos são adubos artificiaes formados por substancias de diversa natureza tiradas dos dois reinos organico, e inorganico.
523.º Os excrementos humanos lançados na terra abrazam as plantas pela grande quantidade de ammonia que contem; mas misturados com cinzas, com carvão, com cal, e mesmo com outras terras perdem a sua causticidade abrazadora e formam um estrume composto dotado de uma grande fertilidade. Os chins não se servem de outro estrume para adubar os campos em que semeam os trigos.
524.º Os emprezarios da limpeza de Pariz utilisaram ultimamente aquelles excrementos misturando-os com terras, e submetendo a mistura ao calor de fornos construidos expressamente para aquelle fim; pulverisam-na depois reduzindo-a a uma especie de terriço, e vendem-na debaixo do nome de poudrette. Este adubo apresenta uma incrivel fecundidade, e emprega-se em grande escalla nos arredores daquella cidade.
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525.º Quando ha falta de plantas para formar os leitos dos gados nos curraes lança-se muitas vezes mão de terras calcareas e marnosas para servirem de excipiente ás dejecções animaes; estas terras depois de sobrecarregadas de substancias organicas constituem um bom estrume composto - outras vezes misturam-nas com o esterco dos curraes que adquire neste caso além das propriedades dos adubos organicos as dos correctivos, com que tambem se podem melhorar mechanicamente os terrenos.
526.º Finalmente são ainda consideradas como estrumes compostos não só as immundicies e varreduras das ruas das cidades que são adubos de uma complicada composição e de uma grande actividade; senão tambem as lamas e depositos lodosos dos fossos, dos rios, dos lagos, e dos pantanos, que não devem empregar-se senão depois de uma completa putrefacção por causa das variadas sementes de hervas ruins, que contem.
527.º Esta succinta exposição que acabamos de fazer sobre os variados adubos organicos é propria para persuadir aos cultivadores que existem dispersas em torno delles um grande numero de substancias inteiramente abandonadas e perdidas que poderiam ser aproveitadas no adubo das terras; e que é do seu immediato interesse utilisar todas aquellas substancias augmentando com ellas a massa dos seus estrumes.