Espasmo

 

Êle morre. E tam só! Move-se e chama.
Quer chamar: sai-lhe a voz quasi sumida;
e pêlo esfôrço, sôbre o chão de grama
jorra mais sangue da ferida...

Vai morrer... Angustiado, a noite inteira,
— noite encantada dum estio morno —
viu o tempo seguir entre as horas caladas;
nem percebeu a Lua cálida e trigueira,
com mil clarões afuzilando em torno;
e o broche colossal das estrelas douradas!

Olha agora. A alvorada
começa de brilhar nos longes glabros.
Perto, galhos de arbustos sonolentos,
onde a luz se dissolve na orvalhada,
são como verdes candelabros,
confortando-lhe os últimos momentos...

Estira os braços... Os odores,
em revoada puríssima e louçã,
sobem, cantantes, multicores,
cheios da fôrça nova da manhã...

Êle pudera ouvir, caindo,
quando o estilhaço lhe rasgara o abdômen,
as joviais ovações dos seus soldados,
e, na fugida, os inimigos dizimados,
e os seus, em fúria, os perseguindo...
– E não restara um homem.

Depois, reviu os seus, a procurá-lo,
– altos lamentos pêla noite clara...
Por pouco o não pisara
a pata dum cavalo!
Quis gritar, mas não poude. E, único gesto
que abriu, foi um desfiar de lágrimas, silente;
e, olhos febris, rosto congesto,
viu seus hulanos
partirem tristes, tristemente...

E os passarinhos riem desumanos...
Sobem aos ares os primeiros hinos,
num triunfal e transbordante surto;
e em cima dêle, com seus pios cristalinos,
libra uma cotovia o vôo curto...

Vai expirar. Já, numa ardência louca,
sente a sêde da febre que o acabrunha...
Vai expirar... Mas só o estio o testemunha,
e a abelha matinal que lhe zumbe na boca...

E Gretchen? a rosada companheira
de dez meses apenas! e o filhinho
que está para nascer por êsses dias?...
– Tantas quenturas de lareira!
tanto aconchego de seu ninho!
tanto amor! tantas alegrias!...

Principiavam ao longe os roncos e os estouros...
Vincou desoladoramente a fronte.
Morreu sózinho. Mas o sol, lá do horizonte,
pôs o espasmo da luz nos seus cabelos louros.