Ha uma Gota de Sangue em Cada Poema/Guilherme
Guilherme
Ser feliz é ser grande. Imenso de alma,
inda que o corpo se lhe dobre...
É alcançar a região etéria e calma,
onde a alma viva enfim, nua e desimpedida...
Indiferentemente
ou sendo rico, ou sendo pobre,
ser feliz é encontrar no fim da vida,
de torna-viagem para a povoação,
a inflexível consciência, e encaral-a de frente:
e ajoelhar para a coroação.
Ser grande é ser bom. Justo
na maneira de agir e no discernimento...
Não é apenas plagiar Alexandre ou Augusto,
sem que de glória e honras se farte:
antes é mitigar o humano sofrimento,
e ter o bem como estandarte.
Ser grande é compartir o chôro largo
do mundo; agindo de tal forma,
a deixar para o fraco uma lei e uma norma,
e um beijo doce em cada lábio amargo...
É pêla fôrça real das sábias energias,
apagar o sarcasmo e as ironias...
É, pêlo amor que aleita e orvalha,
e pêlo gênio cálido e eficaz
pôr sôbre a inveja uma eternal mortalha,
e erguer, sôbre a mortalha, a figura da paz.
E, não pensando em si, dar a felicidade,
– conhecendo que a glória apenas dura
o quarto-de-hora desta vida,
no minuto sem fim da eternidade –
desdenhar para si toda ventura;
desatulhar a estrada interrompida;
e, sem baquear na faina um só instante,
para que o povo passe adiante
terraplenar os Pireneus e o Jura:
é ter a luz e compreender a luz,
é ser bom finalmente, é ser Jesus!...
Mas o pior dos homens dêste mundo,
o menor, o mais triste, o mais mesquinho,
deve de ser o homem que andando seu caminho,
é infecundo no espírito, e fecundo
só nos desvairos e erros que pratica;
deve de ser o homem que andando seu caminho,
faz desgraçado quem se lhe aproxima;
e á própria caravana, inumerável, rica,
faz tomá-lo por Deus, e a enlouquece e dizima...
Infeliz! Pensa em luz, e engendra escuridades;
quer replantar o bem, o mal deita raízes!...
– Certo: é a maior das infelicidades
fazer dos outros homens infelizes.