Os que podem cativar na guerra levam para vender aos brancos, os quais lhe compram por um machado, ou foice cada um, tendo-os por verdadeiros cativos, não tanto por serem tomados em guerra, pois não consta da justiça dela, quanto por a vida que lhes dão, que é maior bem que a liberdade; porque se os brancos os não compram, os primeiros senhores os têm em prisões atados pelo pescoço, e pela cinta com cordas de algodão grossas e fortes, e dão a cada um por mulher a mais formosa moça, que há na casa, a qual tem o cuidado de o regalar, e lhe dar de comer até que engorde, e esteja para o poderem comer, e então ordenam grandes festas, e ajuntamentos de parentes e amigos, chamados de 30, 40 léguas, com os quais na véspera, e dia do sacrifício, cantam e bailam, comem, e bebem alegremente, e também o padecente come e bebe com eles, depois o untam com mel de abelhas, e sobre o mel o empenam com muitas penas de várias cores, e a lugares o pintam de jenipapo, e lhe tingem os pés de vermelho, e metendo-lhe uma espada na mão, para que se defenda como puder, o levam assim atado a um terreiro fora da aldeia, e o metem entre dois mourões, que estão metidos no chão, afastados um do outro alguns 20 palmos, os quais estão furados, e por cada furo metem as pontas das cordas, onde o preso fica como touro, e as velhas lhe cantam, que se farte de ver o sol, pois cedo o deixará de ver, e o cativo responde com muita coragem, que bem vingado há de ser, então vão buscar o que há de matar a sua casa todos os seus parentes, e amigos, onde o acham já pintado de tinta de jenipapo com carapuça de penas na cabeça, manilhas de ossos nos braços, e nas pernas grandes ramais de contas ao pescoço, com seu rabo de penas nas ancas, e uma espada de pau pesada de ambas as mãos mui pintada, com cascas de mariscos pegadas com cera, e no cabo e empunhadura da espada grandes penachos; e assim o trazem com grandes cantares, e tangeres de seus búzios, gaitas e tambores, chamando-lhe bem-aventurado, pois chegou a tamanha honra, e com este estrondo entra no terreiro, onde o paciente o espera, e lhe diz que se defenda, porque vem para o matar, e logo remete a ele com a espada de ambas as mãos, e o padecente com a sua se defende, e ainda às vezes ofende, mas como os que o tem pelas cordas o não deixam desviar do golpe, o matador lhe quebra a cabeça, e toma nome, que depois declara com as cerimônias que vimos no capítulo passado.

Em morrendo este preso, logo os velhos da aldeia o despedaçam, e lhe tiram as tripas e forçura, que mal lavadas cozem para comer, e reparte-se a carne por todas as casas, e pelos hóspedes, que vieram a esta matança, e dela comem logo assada, e cozida, e guardam alguma muito assada, e mirrada, a que chamam moquém, metida em novelos de fio de algodão, e posta nos caniços ao fumo, para depois renovarem o seu ódio, e fazerem outras festas, e do caldo fazem grandes alguidares de migas, e papas de farinha de carimã, para suprir na falta de carne, e poder chegar a todos; o que o matou nenhuma coisa come dele, antes se vai logo deitar na rede, e se faz todo sarrafaçar, e sangrar, tendo por certo que morrerá se não derrama de si aquele sangue, nem faz o cabelo dali a sete ou oito meses, os quais passados faz muitos vinhos, e apelida os amigos para beber e cantar, e com essa festa se tosqueia, dizendo que tira o dó daquele morto, e é tão cruel este gentio com os seus cativos, que não só os matam a eles, mas se acontece a algum haver filho da moça que lhe deram por mulher, a obrigam que o entregue a um parente mais chegado, para que o mate, quase com as mesmas cerimônias, e a mãe é a primeira que lhe come a carne; posto que algumas, pelo amor que lhes têm, os escondem, e às vezes soltam também os presos, e se vão com eles para suas terras, ou para outras.