Alvaro estava em pé, com os olhos fitos na porta por onde Maria devia entrar. A prioreza, apenas entrou com a secular pela mão, disse mui affavelmente:
—Eu não esperei que me apresentassem o sr. Alvaro para ter o prazer de cumprimenta'-lo. Conheci n'esta casa suas tias-avós, conheci sua mãe, e seu pae e toda a sua familia. Até conheci um anjinho do céo, que me disseram ser esposa de v. ex.ª Tratei de averiguar se era verdade. O mundo dizia que sim, o anjinho tambem dizia que sim, e eu disse sempre que não, porque não acho natural que o possuidor de um thesouro, vindo do céo, o lançasse de si. Teima a minha Maria em dizer que é sua, e eu digo que não póde ser senão de quem eu quizer. Agora é minha filha e não póde ser sua esposa, sem que v. ex.ª m'a venha pedir com todas as formalidades de noivo.
—E dar-m'a-ha v. ex.ª?—perguntou Alvaro correspondendo com jovialidade á graça risonha da prelada.
—Dou-lh'a—replicou a prelada—com uma condição. Há de vir viver ao pé de nós.
—Como, minha senhora?!
—Ha-de vir viver comnosco. Aposto que está lá fazendo seus entes de razão contra a violação do claustro? Eu lhe digo, meu genro, uma freira, que tem uma filha como esta, dá um testemunho de que se deixou arrastar por alguma d'essas paixões feias que são a origem d'estes anjos tão lindos! V. ex.ª está-se rindo?! Então ouça-me agora seriamente, e esta Maria, que está chorando e rindo ao mesmo tempo, escute tambem. O sr. Alvaro vem viver comnosco, não é bem comnosco, porque entre a nossa casa e a sua ha uma parede. Então já sabe para onde vae?
—Não, minha senhora; espero as ordens de v. ex.ª.
—Vae para casa do nosso capellão, que é um egresso chamado Antonio dos Anjos, um santo, que foi algum tempo mestre de uma creança traquinas, que andou por esse mundo de Christo a fazer travessuras, e me dizem que ainda aqui ha-de vir para ser muito meu amigo, e talvez para me pedir contas de um coração que eu, sem sua ordem, recolhi ao meu, para ambos pedirem juntos ao Senhor das misericordias a redempção de um escravo do mal, tão digno de ser o que eu sei; e Deus quer que elle seja.
Maria rompeu em soluços e lagrimas. A prelada tomou-lhe para o seio a face, como se afagasse uma creança. Alvaro estava immovel, com os olhos rasos de lagrimas postos no sympathico grupo da encanecida prioreza e da ainda formosa Maria.