— Pedi-lhe um beijo coraste!
Teus olhos no chão fitaste,
E a rosinha desfolhaste
Que te dei!
Foi um pedido inocente,
Impulso de afeto ardente;
Ofendi-te, seriamente
Não pensei!
 
— Pois eu também não cuidava,
Quando a rosa desfolhava,
Que tanta mágoa lhe dava
Que lhe dei!
O senhor pediu-me um beijo.
Eu também tinha desejo...
Mas, quando quis veio o pejo,
E... eu... corei!
 
— Inocente!... teve um pejo!
Agora então, dás-me o beijo?
É tão grande este desejo
Com que ’stou!...
— Não se amofina comigo?
— Ah! não vês? sou teu amigo...
— Veja o que diz!...
— É o que digo...
— Não lhe dou!
 
— Quisera que me dissesses
Que novos modos são esses
De tratar-me... só mereces
Meu desdém!
Já não preciso do beijo,
Ou seja inocência ou pejo,
Boas-festas lhe desejo,
Passar bem!
 
— Não ralhe comigo que me entristeço!
O seu desdém não mereço...
Olhe — vê... como ingordeço...[1]

Olhe bem...
Não olha? ‘stá mal comigo?
Olhe, para meu castigo
Veio tarde, meu amigo,
Vou... ser mãe!
 
— É crível? na flor dos anos
Pode haver entre os humanos
Quem ousasse... desenganos!
É tal e qual!
Reparei... tinha uma pança
Aquela pobre criança,
Que poria em contradança
Um arsenal!
 
——
 
Do sentimento no excesso
Maldisse a luz do progresso,
Que deixa ver pelo avesso
As ilusões!
Doido, sensivelmente,
Deixei aquela inocente
Dizendo piedosamente
Co’os meus botões:
 
— Pobre menina! tão cedo!
Abuso do século!... ai!
(Há de ser linda criança...
Se, ao menos, eu fosse o pai?!)


  1. O seu desdém não mereço...

    Olhe... vê... como ingordeço? — vers. 8 e 9.
     
    Não foi a força da consoante que ali pôs aquele ingordeço, acreditem.
    O fato deu-se e a ingênua não sabia gramática (o que não admira, porque gramática não é para todos). Aqui tinha eu pano para mangas se quisesse tomar contas a certo literatos a barbas enxutas, como aquele chama o sr. Alexandre Herculano a esses quindnas da família dos parlapatães. Mas, Deus lhes perdoe, já que, como diz ainda o mesmo senhor, são eruditos que lendo ainda por abixo, passam nas trevas como a coruja.