Mote
Mas se sois lince divino,
que o mais oculto estais vendo:
se estais, luz minha, sabendo
o mesmo, que eu imagino.



1Bem sei, meu amado objeto,
fazendo um breve conceito,
que penetrais do meu peito
o mais oculto, e secreto:
bem vê meu constante afeto
da vossa potência o fino,
porque neste vidro indigno
raiando desse Oriente,
se sois sol, não só persente,
Mas se sois lince divino.

2Deixo à parte haver gerado
vosso justo entendimento
os astros, o firmamento,
e todo o demais criado:
e fico como elevado
no poder, a que me rendo,
admirando: porém vendo
vossa grandeza, e poder,
quando chego a comprender,
Que o mais oculto estais vendo.

3Quando isento o pensamento
de toda a minha maldade,
vós lá dessa imensidade
vedes também meu intento:
se um oculto movimento
patente, e claro estais vendo,
fico por fé conhecendo
desse poder penetrante,
que não obsta estar distante,
Se estais, luz minha, sabendo.

4E posto encubrais o rosto
no acidental Sacramento,
mui bem vedes meu intento,
pois a tudo estais exposto:
muda a língua, e fixo o gosto
em vós, meu lince divino,
já reconheço, que o fino
deste arnor penetrareis,
porque, Senhor, bem sabeis
O mesmo, que eu imagino.