Henrique, apenas ficou só com Flávio, atirou-se-lhe aos braços e pediu que o salvasse.

— Salvar-te! exclamou Flávio. De quê?

Henrique sentou-se outra vez sem responder e pôs a cabeça nas mãos. O padre insistiu com ele para que dissesse o que havia, fosse o que fosse.

— Cometeste algum...

— Crime? sim, cometi um crime, respondeu Henrique; mas, descansa, não foi nenhum roubo nem morte; foi um crime que felizmente se pode reparar...

— Que foi então?

— Foi...

Henrique hesitou. Flávio instou para que confessasse tudo.

— Eu gostava muito de uma moça e ela de mim, disse enfim o alferes; meu pai que sabia do namoro, creio que o não desaprovava. O pai dela, entretanto, opunha-se ao nosso casamento... Noutro tempo tu já saberias destas coisas; mas agora, não me atrevi nunca a falar-te nisso.

— Continua.

— O pai opunha-se; e apesar da posição que meu pai ocupa, dizia à boca cheia que nunca me admitiria em sua casa. Efetivamente nunca lá entrei; falávamos poucas vezes, mas escrevíamos a miúdo. As coisas iriam assim até que o ânimo do pai se voltasse a nosso favor. Uma circunstância, porém, ocorreu e foi o que me precipitou a um ato de loucura. O pai queria casá-la com um deputado que chegou há pouco do Norte. Ameaçados disso...

— Ela fugiu contigo, concluiu Flávio.

— É verdade, disse Henrique sem ousar encarar o amigo.

Flávio esteve algum tempo calado. Quando abriu a boca foi para censurar o ato de Henrique, lembrando-lhe o desgosto que iria causar a seus pais, não menos que à família da moça. Henrique ouviu silenciosamente as censuras do padre. Afirmou-lhe que estava disposto a tudo, mas que o seu maior desejo era evitar o escândalo.

Flávio pediu todas as informações precisas e dispôs-se a reparar o mal pelo melhor modo que pudesse. Soube que o pai da moça era um juiz da casa da suplicação. Saiu logo a dar os passos necessários. O intendente da polícia tinha já as informações do caso e corriam agentes seus em todas as direções. Flávio obteve o auxílio do Padre Vilela, e tudo andou tão a tempo e com tão boa feição, que antes das ave-marias as maiores dificuldades ficaram aplanadas. Foi o Padre Flávio quem teve o gosto de casar os dois jovens pássaros, depois do que dormiu em plena paz com a consciência.

Nunca o Padre Flávio tivera ocasião de freqüentar a casa do Sr. João Ayres de Lima, ou simplesmente do Sr. João Lima, que era o nome corrente. Andara entretanto em todo aquele negócio com tanto zelo e amor, mostrara tamanha gravidade e circunspeção, que o Sr. João Lima ficou morrendo por ele. Se perdoou ao filho foi unicamente por causa do padre.

— Henrique é um maroto, disse João Lima, que devia assentar praça, ou ir ali viver alguns meses no Aljube. Mas não podia escolher melhor advogado, e é por isso que eu lhe perdoei a tratantice.

— Verduras da mocidade, obtemperou o padre Flávio.

— Verduras, não, reverendo; loucuras é o verdadeiro nome. Se o pai da rapariga não queria dar-lhe, a dignidade, não menos que a moralidade, o obrigava a um procedimento diverso do que teve. Enfim, Deus lhe dê juízo!

— Há de dar, há de dar...

Conversavam assim os dois no dia seguinte ao do casamento de Henrique e Luísa, que era o nome da pequena. A cena passava-se na sala de visitas da casa de João Lima à Rua do Valongo, defronte de uma janela aberta, ambos sentados em cadeiras de braços de jacarandá, tendo de permeio uma mesa pequena com duas xícaras de café em cima.

João Lima era um homem sem cerimônias e muito fácil de criar amizade a alguém. Flávio pela sua parte era extremamente simpático. A amizade criou raízes dentro em pouco tempo.

Vilela e Flávio freqüentavam a casa de João Lima, com quem moravam o filho e a nora na mais doce intimidade.

Doce intimidade é uma maneira de falar.

A intimidade durou apenas alguns meses e não foi de toda a família. Uma pessoa havia em quem o casamento de Henrique produziu desagradável impressão; foi a mãe dele.