Quadros da vida.
TARDE linda, hontem. Conversava-mos á janella, eu e o Quim, sobre a acção ideologica de Ruy neste paiz e sobre a ascensão ininterrupta da grande figura nacional.
— Sobe sempre..
— Já aquelle desce, desce sempre, disse Quim.
Referia-se ao Pedro Inchado, mendigo habitual da nossa rua. Lá vinha elle, todo farrapos, immundo. Ha mendigos decentes, que guardam a compostura da miseria. Este, perdeu tudo e é no moral tão roto como no physico. Sem camisa — um trapo de paletó sobre o couro gafeirento; sem ceroulas — vêem-se-lhe pedaços de perna pelos buracos da calça immunda. Passou por nós e apanhou varias pontas de cigarro.
— Desce sempre. Ha mezes pilhei-o a apanhar um cigarro, mas olhava para os lados antes, a ver se era observado. Perdeu já este ultimo pudor...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.