Recordando...


RECORDANDO minha vida collegial vejo quão pouco os mestres contribuíram para a formação do meu espirito. No entanto, a Julio Verne todo um mundo de coisas devo! E a Robinson? Falaram-me á imaginação, despertaram a curiosidade — e o resto se fez da se.

Julio Verne levou-me a Humboldt, e depois á Geographia e ás demais sciencias physicas e sociaes. Foi o apperitivo. Entreabriu-me as cortinas do mundo como coisa viva, pittoresca, composta de paizagens e dramas. De posse dessa visão, e esporeada pela imaginativa, a intelligencia "comprehendeu e quiz saber". Que menino, após a leitura de Keraban, o cabeçudo, não corre expontaneamente a abrir um atlas para ver onde fica o Bosphoro?

A intelligencia só entra a funccionar com prazer, efficientemente, quando a imaginação lhe serve de guia. A bagagem de Julio Verne, amontoada na memoria, faz nascer o desejo do estudo. Supportamos e comprehendemos o abstracto só quando já existe material concreto na memoria. Mas pegar de uma pobre creança e pol-a a decorar nomes de rios, cidades, golphos, mares, como se faz hoje, sem este preparo da intelligencia por intermedio da imaginação, chega a ser criminoso. E', no entanto, o que se faz!... A arte abrindo caminho á sciencia: quando comprehenderão os pedagogos que o segredo de tudo está aqui?

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.