O romance.
ALMOÇO desagradavel, hoje, com um romance funebre ao lado, viuva de filho ao collo, contando que tem mais seis, que está na miseria, que quer metter dois num collegio, como orphãos.
O dono da casa almoça lendo um jornal, e o lê até ao derradeiro annuncio. Não ergue os olhos delle. Que coisas interessantes traria esse jornal!
A patrôa preside á mesa e mal responde á pedinte, que fala sem cessar, quebrando de suspiros fundos o seu ar de martyr resignada. Paíra contra a misera um ambiente de dureza, a dureza dos ricos contra os pobres que tentam sahir do seu lugar agarrados ás franjas da solidariedade humana.
O marido morreu diabetico — "secco, magrinho que nem uma creança." E deixou-a na miseria com seis filhos! E ella, só, sem mais ninguem no mundo... Anda a valer-se dos ricos, dos poderosos. "Queria que a senhora arranjasse dois lugares no collegio, gratis, para esta coitadinha e uma outra".
A dama rica, toda banhas e empafia, põe-se no apice do pedestal e: "Não sei, não garanto, vou ver, mas não prometto, não posso cuidar de nada, ando muito doente, vou ver, vou ver". Traducção facilima: não arranjo coisa nenhuma. A viuva suspira, accentua o ar de martyr, cabeça inclinada, rugas avivadas, maravilhoso modelo para um quadro de Durer: Resignação.
Por fim, sahiu.
Fui á janella. Lá ía, toda de preto, chapeu com crépes, véu. Ares de rica, de herdeira. Toda a rua affluiu á janella e olhou-a, e commentou-a. E lá desappareceu na esquina aquelle triste romance rico de titulos — A Misera, A Importuna, A Providencia de Seis Creanças, A Energigica, A Resignada, A Martyr, A Mendiga, A Dama de Preto — as you like it...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.