As moscas da vidraça.
LEONTINA vive a rugir desesperos d'alma, que Lucy cruamente define falta de casamento.
A's vezes chego a crer que Lucy tem razão, se bem que o estado d'alma de Leontina seja muito semelhante ao meu.
Que é falta, tenho a certeza. A duvida vem no "do que". Porque é falta multipla, e vaga, e inapprehensivel.
De confiança? De objectivo? De fins nitidos, claros e fortes?
Ha sempre a boiar no lago das vontades fracas o lotus enervante do—para quê? Esta horrivel pergunta géla a vontade, fal-a tabetica, cachetica, paralytica. Fal-a sorna, fal-a querer de pantano, vontade de agua-verde.
Tudo quanto, movido pela brisas da sensação, penetra-me na alma, dá de chofre contra essa muralha insidiosa, viscosa, odiosa. E fica ao pé da muralha, escabujante, morto.
Sinto minh'alma cheia de cadaveres de resoluções, esqueletos de motivos, caveiras de desejos.
Tal qual certa vidraça da sala de jantar que nunca se abre. Todos os dias mães-d'agua, borboletinhas, moscas verdes que vieram do jardim vão cabecear nos vidros, inutilmente procurando varar para a rua luminosa.
E morrem de inanição.
E juncam o peitoril da janella de pequeninos cadaveres...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.