O Escandalo do Petroleo/Carta aberta ao Ministro da Agricultura
Carta Aberta ao Ministro da
Agricultura
“Sr. ministro: — Ha coisa de um ano o abaixo-assinado enviou ao sr. presidente da Republica
uma séria denuncia contra a sabotagem sistematica que de muito tempo o Serviço Geologico, hoje
rebaptizado em Departamento Nacional de Produção Mineral, vem exercendo contra o petroleo
brasileiro. Essa denuncia acusava o Departamento de ter como divisa: “Não tirar petroleo e não
deixar tira-lo”; de falsear os resultados geologicos
e geofisicos a fim de desanimar as pesquisas promovidas pelas companhias nacionais; de haver
substituido a velha Lei de Minas, liberal e exequivel, por um mostrengo sexquipedal que impossibilita de maneira absoluta qualquer exploração do
sub-sólo; de tudo fazer, em suma, para que o
Brasil se perpetue per omnia secula como mercado
comprador do petroleo estrangeiro, para regalo
dos trusts que no-lo vendem. Decorria dai o fato grotesco de, no continente petrolifero por excelencia, que é a America do Sul, todos os paises terem
petroleo excepto justamente o maior de todos —
o nosso.
O sr. presidente da Republica transmitiu essa denuncia ao sr. ministro da Agricultura para as necessarias providencias. Como o tempo se passasse e não viesse nenhuma, o signatario resolveu repeti-la, desta vez á nação, por meio do prefacio escrito para o livro de Essad Bey “A Luta pelo Petroleo”.
Esse prefacio abalou o publico pensante, fazendo a imprensa abrir-se em comentarios severamente desfavoraveis ao Departamento Nacional de Produção Mineral. O qual Departamento, em vez de chamar á responsabilidade o “caluniador”, limitou-se a uma comunicação aos jornais, bastante chilra, que concluia desta maneira: Quanto ás acusações aleivosas, formuladas por aventureiros de má fé, estamos certos de que a Comissão de Inquerito sobre o Petroleo, solicitado pelo ministro da Agricultura ao presidente da Republica, saberá apurar a verdade e apontar á Nação os nomes que devem ser punidos pela Justiça”.
Os aventureiros de má fé claro que eram, em primeiro lugar, o autor do infame prefacio, e em segundo, os heroicos pioneiros que á frente das companhias nacionais, procuravam, com tremendo esforço, dar petroleo ao Brasil.
Criminosa aventura de má fé, sonharem com um Brasil poderoso, rico, liberto para sempre da sangria anual de meio milhão de contos, que é quanto lhe custa não haver ainda mobilizado as tremendas reservas de oleo que indubitavelmente possue. Infamia suprema: atreverem-se a denunciar, com provas na mão, a camorra enquistada no Departamento Nacional com o fim expresso de impedir que o grande objetivo seja alcançado.
Sr. ministro: os aventureiros de má fé cujos nomes deverão ser apontados á Justiça estão dentro do Departamento Nacional, não fóra. A afirmação nada tem de gratuito. Vamos fundamenta-la.
Antes de mais nada, porém, é mistér esclarecer um ponto. Esse famoso Departamento Nacional de Produção Mineral, que custa ao país mais de 5.000 contos por ano, é um organismo composto de numerosas peças. Umas ornamentais apenas, de méra função decorativa, como o seu diretor geral. Outras tecnicas, mas simplesmente burocraticas. Existem, todavia, duas peças mestras que estão para o resto do organismo como o cerebro humano está para o corpo. São elas o diretor da geofisica, Mr. Mark Malamphy, e o diretor de Geologia Mr. Victor Oppenheim. Peças mestras, sr. ministro, porque um é o detentor em primeira mão dos resultados dos estudos geofisicos; o outro é o detentor em primeira mão dos resultados dos estudos geologicos. Esses dois homens, portanto, dispõem, sempre de primeira mão, de todos os segredos do sub-solo nacional, revelados pela Geofisica e pela Geologia. Conjugados, formam a cabeça do Departamento, a cabeça de onde tudo emana — sejam as determinações do diretor geral, sejam as instruções dos ministros da Agricultura.
E tão intima é a associação desses dois hemisferios cerebrais do Serviço Geologico, que acabaram constituindo uma firma comercial para uso externo — Malamphy & Oppenheim. O endereço telegrafico dessa firma é — Malop. Mal, primeira silaba de Malamphy, e Op, primeira silaba de Oppenheim. Ora, um cerebro é um cerebro; e por maior que seja um corpo tem, em todas as suas partes, de subordinar-se ao cerebro. Daí o fato de o pomposo Departamento Nacional de Produção Mineral reduzir-se hoje a uma simples dupla — á dupla Malop. Quem quer negocios de subsolo no Brasil, não procura o Departamento; procura Malop.
Mas, sr. ministro, donde vieram esses homens e que fazem?
Vieram diretamente do trust que tem como ponto de programa conservar o Brasil em “estado de escravização petrolifera”. Com que fim? Retardar, senão impedir, o nosso 13 de Maio economico. Por que meio? Transformando um serviço publico que nos custa 5.000 contos por ano em méro instrumento dos interesses estrangeiros contrarios a que o Brasil seja produtor de petroleo. Indague o sr. ministro da procedencia desses homens e assombre-se da nossa infinita ingenuidade.
Que fazem?
Anunciam em revistas estrangeiras, para uso de quem lá fóra queira apossar-se das terras petroliferas brasileiras, os serviços profissionaes da firma Malamphy & Oppenheim. Vendem, pois, os segredos do sub-solo nacional, de que são detentores em primeira mão. Si o sr. ministro tem duvidas, mande consultar as coleções do “Professional Directories of Mining and Metallurgy”, de Nova York, bem como as do “Mining Magazine”, de Londres. Lá encontrará a dupla Malop oferecendo ao estrangeiro segredos do sub-solo nacional conseguidos á custa dos 5.000 contos anuais arrancados a um pobre povo na miseria.
Mas, sr. ministro, si essa prova não for considerada suficiente, o signatario poderá apresentar outra, de esmagadora evidencia. Poderá apresentar no inquerito a abrir-se o original de uma carta de Mr. Mark Malamphy, em resposta á consulta dum americano interessado em adquirir terras petroliferas no Brasil. A consulta foi provocada pela leitura dos anuncios da Malop feitos nas revistas indicadas.
A tradução dessa carta é:
“Prezado senhor: — Sua carta de 4 de outubro foi recebida hontem, ao voltar do campo. Espero que me perdoará a inevitavel demora em
responde-la.
Ha algum tempo atraz, Mr. Oppenheim e eu fizemos anuncios no "Professional Directories of Mining and Metallurgy", de Nova York, e no "Mining Magazine", de Londres. Mas ha um ano fomos obrigados a suspender esses anuncios, em parte por motivos politicos e mais especificamente porque os trabalhos decorrentes dos nossos contratos com o governo nos impossibilitavam de aceitar outras obrigações naquele tempo.
Relativamente aos seus amigos interessados nas possibilidades do petroleo no Brasil posso dizer que teremos muito prazer em oferecer a nossa cooperação para qualquer empresa legitima que tiverem em vista. Mr. Oppenheim anda atualmente ocupado numa investigação geologica no Vale do Alto Amazonas e não pode ser alcançado neste momento, mas estou seguro de que tambem concordará com isto.
Se quiser avisar seus amigos para se comunicarem comigo e darem-me uma ideia geral dos planos que têm em vista, eu terei prazer em discutir com eles o auxilio que poderemos prestar-lhes.
Em relação á nossa integridade profissional devo dizer que tanto Mr. Oppenheim como eu somos membros da American Institute of Mining Engineers e da American Association of Petroleum Geologists, estando com os nossos papeis arquivados nas secretarias dessas entidades tecnicas. Tambem sou membro da Societé of Petroleum Geophysicists e da American Geophysical Union. Qualquer informação desejada a esse respeito poderá ser obtida de Mr. A. B. Pearson, secretario da A. I. M. E., Nova York, rua 39 West, n.º 29.
Esperando nova comunicação sua e de seus amigos, e agradecendo o incomodo que teve para encontrar o meu endereço, subscrevo-me sinceramente seu — Mark C. Malamphy — Rua Prudente de Moraes, 451.
P. S. — Nosso endereço telegrafico é: — Malop — Rio.”
Será possivel, sr. ministro, prova mais clara
do que o signatario vive afirmando? Essa carta
revela apenas uma abertura de negociações com
um freguês novo Quantas muito mais positivas
não existirão nos arquivos secretos das entidades
estrangeiras namoradoras do petroleo que “oficialmente não temos” e que por todos os processos se
vão apossando das nossas terras petroliferas para
utilização futura? E no entanto, sr. ministro, é
por meio da firma Malop que o diretor geral do
Departamento se orienta e induz a orientação dos
ministros da Agricultura...
A politica dos grandes trusts mundiais de petroleo em relação ao petroleo do Brasil consiste em “acaparar” as terras potencialmente petroliferas depois de á nossa custa estudadas geologica e geofisicamente por intermedio da dupla Malop. Essas terras, “já adquiridas em enormes quantidades”, se destinam a ficar como reservas para futuro aproveitamento, quando vierem a extinguir-se os campos que os trusts atualmente exploram. E nesse intervalo — 50 anos ou um seculo — que fique o nosso pobre Brasil na miseria, a combater comunismos filhos da miseria e a despender meio milhão de contos annuais na compra do combustivel indispensavel á sua economia. E mais 5.000 contos para beneficio pessoal de Malop...
Sr. ministro: o signatario não é um difamador. Não passa dum humilimo escritor de livros para creanças que viu claro o complot tramado contra as riquezas do nosso sub-solo e por todos os meios o vem combatendo — já com a promoção de companhias nacionais que abram perfurações, já por meio de insistente denuncia da camorra que embaraça e impede a vitoria dessas empresas. É um homem que não se conforma com o fato de os Estados Unidos extrairem do seu subsolo mais de 100 milhões de contos por ano e o Brasil, com um subsolo equivalente, não extrair coisa nenhuma.
Não é um aventureiro de má fé, sr. ministro. Bem ao contrario, é a criatura de maior bôa fé que possa existir, ingenuo a ponto de esperar que suas palavras sejam lidas e meditadas por um ministro da Agricultura. E tambem leal, porque essa criatura de boa fé sabe vêr no sr. ministro uma bôa fé irmã da sua, filhas ambas da natural honestidade de que ambos são dotados. Porque num homem tão culto, tão bem formado intelectualmente como Odilon Braga, unicamente a boa fé das almas limpas pode explicar o fato de vir deixando-se enganar pela manhosa camorra enquistada no Departamento Nacional. O crime é na realidade tão monstruosamente cinico que a um espirito recto como ò do sr. ministro repugna admiti-lo. Mas a carta que acaba de ler é de molde a abrir os olhos até a cegos de nascença.
Mais um ponto a esclarecer, sr. ministro, e este referente ao caso de Alagoas. Em seu comunicado de 5 do corrente, dado á imprensa, o sr. ministro transcreve a conclusão do relatorio do sr. Bourdot Dutra sobre a manifestação de petroleo dada pelo poço de 308 metros que o antigo Serviço Geologico abriu em Riacho Doce ha muitos anos atrás. Bourdot confessa o encontro dos primeiros petroleos. Pois bem: está aí um ponto que o inquerito prometido tem que apurar. Por que motivo esse poço foi abandonado? Se a sondagem fôra feita para descobrir petroleo e o petroleo começara a aparecer, por que motivo a sondagem não foi levada por diante? Por que motivo está parada ha tantos anos? Por que motivo o Departamento anda a procurar petroleo no Alto Amazonas (onde ainda que jorre nos será de nenhum valor devido ás dificuldades de transporte), quando o Departamento sabe existir petroleo em Riacho Doce, a cem metros do mar, a quatorze kilometros dum porto de exportação — Maceió?
Isto quer dizer, sr, ministro, que o petroleo já foi revelado no Brasil ha muitos anos — mas que a sua descoberta vem sendo sabotada. O prejuizo que tal sabotagem causou ao país, a quanto montará, sr. ministro? Dez, vinte, cem milhões de contos? Mande fazer a conta, sr. ministro, de quanto o Brasil despendeu na aquisição de petroleo estrangeiro, desde a data da abertura, em Riacho Doce, dessa sondagem reveladora de petroleo (como o confessa o proprio Departamento pela boca do sr Dutra), até hoje. Só aí encontrará uma soma de varios milhões de contos — soma que representa uma quota minima no prejuizo fantastico que vem dando ao país a politica negativa e sabotadora dos “aventureiros de má fé” alapados no Departamento Nacional.
Era este, sr. ministro, o depoimento que o signatario desejava prestar no inquerito sobre o Petroleo. A estranha demora em dar-se inicio a tal inquerito leva-o a vir depor em publico, fazendo sincerissimos votos para que o sr. ministro reflita a fundo — e resolva como a sua conciencia de homem de bem o determinar.
(a) MONTEIRO LOBATO”
A impressão dessa denuncia foi tremenda. Não houve jornal que a não comentasse em termos candentes. O Ministro da Agricultura viu-se forçado a tomar providencias — e surgiu a Comissão de Inquerito sobre o Petroleo nomeada por decreto presidencial afim de apurar os fatos da denuncia. Essa Comissão ficou constituida pelos srs. Joviano Pacheco, general Meira Vasconcelos, comandante Ary Parreiras, engenheiros Lima e Silva e Pires do Rio, ao qual coube a presidencia.
A essa Comissão o Ministro da Agricultura apresentou “AS BASES PARA O INQUERITO”, onde reuniu sobre o problema do petroleo no Brasil todos os elementos que o D. N. P. M. houve por bem lhe fornecer.
O Dr. Pires do Rio oficiou a Monteiro Lobato pedindo que depusesse — e Monteiro Lobato o fez por escrito, pela forma a seguir.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.