ATO III
editarNa fazenda do Pouso-alto. Sala interior, vendo-se ao fundo o terreiro, com depósito de cereais e aparelhos agrícolas. Arvoredos, etc., etc. Ao levantar do pano, ouve-se a voz do feitor dando ordens.
CENA I
editarJOSEFA, EVARISTO
A VOZ DE EVARISTO - Se não tens força, vou eu ensinar-te! (Ouve-se estalar o chicote) Tira o couro deste animal! Grita, burro, que quanto mais barulho fizeres, pior será. (Gemidos de dor.) Levem-no para o roçado novo, à beira d’água, amarrem-no a um tronco de árvore! Lá poderá berrar à vontade. (Esvaem-se os gemidos e a voz.)
JOSEFA (Entrando.) - É só o que se vê desde menhã até de noite! Negro, café, chicote, tronco; tronco; café, chicote, negro. Despois que aqui cheguemos, há mais de quinze dias, inda não vi nem ouvi outra coisa! Quem é que pode com esta vida? Despois dizem que eu sou faladeira... Eu só falo quando tenho rezão. Se não querem me ouvir, vou pro meio do cafezal, e hei de falar, falar, até não poder mais! Quem é que pode ficar calado quando assunta coisas daquelas! A gente perde até a vontade de comer! Ora, quem havera de pensar! ... Bem sei por que ela ficou maluca... Desde muito tempo que o tal nhonhô Gustavinho me dava que pensar! Ela é branca, o mano é muito disfarçado... Como é que saiu um filho moreno e de cabelos duros? Isto sempre me intrigou; mas, enfim, não dizia nada, porque eu só falo quando tenho rezão... Porém, despois que vi o tal Gustavinho variando por causa da moléstia, confirmaram-se as minhas desconfianças, e vou dar parte ao mano, aconteça o que acontecer. E sabe Deus, sabe Deus, se ela está doida, e se aquilo de estar no hospício não é manha! E de família! Já a mãe não se falava bem dela, e a irmã....cala-te, boca! Elas, pelo menos, procuravam gente branca. Mas não um escravo, um negro! Oh! fico toda arrepiada quando penso nisso! (À parte.) Com um escravo! parede. (A uma cadeira.) Com um negro, cadeira! (Ao sofá.) Um negro! (Repete a todos os objetos que se acham na sala com tremeliques nervosos e sai com as mãos na cabeça e repetindo.) Um negro! Um negro!...
CENA II
editarDOUTOR, CAROLINA; entra cada um de seu lado
CAROLINA (Indo ao encontro do doutor.) - Como o acha, Eugênio?
DOUTOR - Posso quase assegurar-lhe que está livre de perigo, salvo complicações imprevistas; Gustavo foi presa de uma fortíssima comoção cerebral que, se devesse matá-lo, já o teria feito. Consegui debelar a febre que o prostava, e cuido que o seu estado deixou de ser melindroso.
CAROLINA - E minha mãe, e minha pobre mãe?!
DOUTOR - Talvez recupere a razão no Hospício de Pedro II, para o qual foi necessário removê-la. Mas não tenho esperança alguma. A sua loucura apresenta um caráter horrível.
CAROLINA (Chorando, apoia-se ao ombro do doutor.) - Eugênio! No meio de que desgraças e dissabores tem se alimentado o nosso amor!
DOUTOR - Consola-te, Carolina.
CAROLINA - E por mais que procure, não atino com a causa de tanto infortúnio. Minha mãe louca.... Gustavo doente... Lourenço... Não sei por quê, mas parece-me que Lourenço não é estranho a estas desgraças... A cólera de papai, a fugida de Lourenço...
DOUTOR - Lourenço subtraiu dinheiro da secretária de seu pai... A exaltação do senhor Salazar impressionou dona Gabriela a ponto de lhe tirar a razão... A doença de Gustavo é causada, sem dúvida, pelo estado em que viu sua mãe!
CAROLINA - Vamos ter com Gustavo... É preciso não abandoná-lo um só momento... Pobre irmão! Venha comigo, Eugênio. (Saem)
CENA III
editarSALAZAR, EVARISTO, FEITOR
SALAZAR - Encampo tudo quanto fizer. Para negros não há contemplações.
EVARISTO - Eu cá não brindo. À menor falta que cometam, trabalha o bacalhau feio e forte!
SALAZAR - Assim! Entendo que o negro só deixa resultado com o seguinte sistema: das cinco da manhã às sete da noite é roçar, derrubar matas e apanhar café; às oito da manhã e à uma da tarde é angu, abóbora e couve. E sempre que for possível, chicote e tronco, para tirar-lhes a preguiça!
EVARISTO - É o sistema por mim seguido desde que o senhor me confiou a administração desta fazenda. Tenho-me dado muito bem com ele, e não pretendo mudá-lo.
SALAZAR - São todos mansos como cordeiros.
EVARISTO - A maior parte. Há um grupo de quatro ou cinco um tanto rebeldes. Negros novos. Gente do Ceará. Antipatizam comigo; mas essa ojeriza têm-lhes custado caro. Ainda há pouco, mandei surrar um deles com todos os sacramentos... Prometo que hei de pô-los a todos no bom caminho! E o tal Lourenço? Nada?
SALAZAR - Já foi filado, segundo um telegrama de Serafim, que hoje recebi. O rapaz é esperto, foi uma bela aquisição, o Serafim!
EVARISTO - Ainda bem! Agora sua licença: vou dar providências sobre o embarque do café!
SALAZAR – Vá, vá, senhor Evaristo. (Evaristo sai) É o beijinho dos feitores.
CENA IV
editarJOSEFA, SALAZAR
SALAZAR (A Josefa, que entra.) - Como vai o rapaz, mana?
JOSEFA - Sei cá! Pode ir melhor, ou pior, ou na mesma, pouco se me dá!
SALAZAR - Oh! não tanto assim! Gustavo é um estróina, é um inútil, convenho; mas afinal, é meu filho, e portanto seu sobrinho...
JOSEFA - Meu, não! Lavo a testada!
SALAZAR - Hein?...
JOSEFA - Nunca!
SALAZAR - Nunca?!
JOSEFA - Jamais!
SALAZAR - Explique-se! Não gosto de meias palavras.
JOSEFA - Quantos dedos tenho eu nesta mão?
SALAZAR - Cinco, creio.
JOSEFA - E nesta outra?
SALAZAR - Cinco também, parece-me!
JOSEFA - E nas duas juntas?
SALAZAR - Ora vá para o inferno.
JOSEFA - Diga!
SALAZAR - Dez! Vamos lá!
JOSEFA - Pois tenho tanta certeza de ter cinco nesta, cinco nesta, e dez nas duas juntas, como tenho a certeza de que o tal Gustavinho não é seu filho, e muito menos meu sobrinho.
SALAZAR - Você está caducando ou deu na aguardente do alambique!
JOSEFA - Mano, eu só falo...
SALAZAR - Quando tem razão: os doidos dizem a mesma coisa.
JOSEFA - Desculpo as suas má-criações, porque eu só quero o seu bem. Está então convencido de que esse coisinha é obra sua?
SALAZAR - Não! provavelmente há de ser do vigário.
JOSEFA - Olhe que eu estou falando sério. Quem dera que fosse do vigário!
SALAZAR - Então há de ser do diácono!?
JOSEFA - Desça!
SALAZAR - Do sacristão.
JOSEFA - Desça mais!
SALAZAR - Ora desça você para as profundezas do inferno com a sua língua de víbora, e vá aborrecer ao diabo que a carregue!
JOSEFA (Segurando-lhe no braço) - Diga-me uma coisa: que dia é hoje?
SALAZAR - Sexta-feira.
JOSEFA - Quantos do mês?
SALAZAR - Doze.
JOSEFA - Que horas são?
SALAZAR - Deve ser dez. Ora, senhor! Já me não bastava a mulher doida! Também esta!
JOSEFA - Pois bem: tome nota do que lhe disse, mês, semana, dia, hora, e lugar.(Saindo, com ironia.) Eu é que sou maluca! Eu é que sou maluca! (Saída falsa.)
SALAZAR (Segurando-a com força pelo braço.) - Velha maldita! explique-se ou a esgano! Não sei a quem se referem as suas suspeitas. Você não passa de uma miserável caluniadora, de uma vil intrigrante, de uma envenenadora de profissão! Eis aí ! (Dá-lhe um empurrão, Josefa vai cair sobre o sofá.)
JOSEFA (Erguendo-se.) - Apare o carro! Quer que eu me explique? Pois eu me explico. (Pausa.) De que cor é a sua pele?
SALAZAR - Aí vem o estilo cabalístico! (Com força.) Branca!
JOSEFA - Sim... . apesar de que o nosso bisavô materno era pardo.
SALAZAR (Tapando-lhe a boca.) - Psit, mulher!...
JOSEFA - Bem pardo!
SALAZAR - Mana!
JOSEFA - E foi escravo até a idade de cinco anos!
SALAZAR - Cala-te, diabo!
JOSEFA - Ninguém nos ouve. Era mulato e escravo; mas a aliança com galegos purificou a raça, de sorte que tanto você como eu somos perfeitamente brancos... Temos cabelos lisos e corridos, beiços finos e testa larga.
SALAZAR - Bem; que mais?
JOSEFA - Qual é a cor de sua mulher?
SALAZAR - Branca...
JOSEFA - E bem branca. Ora, sim, senhor. Como é que explica que seu filho seja bastante moreno, tenha beiços grossos e cabelos duros? Hein?
SALAZAR (Sorrindo.) - Você é uma toleirona. Também a mim, isto causava espécie; mas disse-me um médico ser este fato observado em famílias que contam um ou mais ascendentes remotos de cor. Desgostou-me muito isso; mas enfim! São caprichos da natureza! Uma raça não se purifica inteiramente senão depois de séculos... A mestiçagem com africanos produz atavismos...
JOSEFA - Bem... não digo mais nada... Prefiro deixá-lo na doce ilusão. (Vai a sair.)
SALAZAR (Segurando-a.) - Com mil diabos! Já agora quero saber!
JOSEFA - Quer?
SALAZAR - Sim!
JOSEFA - Pois ouça lá, mesmo porque já estou engasgada. Sou capaz de estourar, se fico calada! Ontem à noite fui ao quarto de Gustavo... Ele estava ardendo em febre e delirava... Sabe o que dizia? Dizia assim - Eu? Filho de um negro? Eu? Negro? Eu? Ladrão?!
SALAZAR (Muito agitado.) - E o que conclui você daí?
JOSEFA (Hipocritamente.) - Concluo... concluo que o Lourenço é uma cria de família... muito estimado... escandalosamente protegido por sua mulher. Deus lhe perdoe, e.. (Salazar agarra na garganta da velha, dá um grito e sai correndo.)
CENA V
editarJOSEFA (Só.)
JOSEFA - Quase me estrangula! Ih! Nunca pensei que a coisa causasse tanto barulho! (Com voz medrosa e de mãos postas.) Meu Santo Antônio, fazei com que não aconteça alguma desgraça, porque tal não era a minha intenção! Juro que não era a minha intenção! Juro que não era! (Jura com os dedos em cruz.) Vós bem sabeis, meu bom santo, que só falo quando tenho rezão. Vou para o meu oratório rezar dez padre-nossos e dez ave-marias, para que fique tudo em paz nesta casa! (Benze-se.) Minha Nossa Senhora das Candeias! Ainda bem que eu estou fora de toda esta intrigalhada (Fora de cena.)... e tenho a minha consciência limpinha. Só me meto com a minha vida... (Perde-se a voz.)
CENA VI
editarGUSTAVO. magro, pálido, alquebrado, amparado pelo DOUTOR e por CAROLINA
DOUTOR - É uma imprudência! Faz mal, faz mal, senhor Gustavo!
GUSTAVO - Não, doutor... ficarei sossegado... aqui... nesta poltrona... (Sentam-no.)
CAROLINA - Meu irmão, atende ao teu médico...
GUSTAVO - Deixem-me... quero estar só! (Fecha os olhos. Carolina, depois de uma pausa, julgando-o a dormir, impõe silêncio ao doutor, toma-o pelo braço e saem ambos pé ante pé. Só.) Terrível! terrível pesadelo de todos os momentos! Oh! por que me não fulminou um raio, minutos depois daquela monstruosa revelação?! Deus! Destino! Providência! Acaso! Qualquer que seja o teu nome, és bem cruel para aquele cujo único crime foi a leviandade e a inexperiência próprias da mocidade! (Nervosamente.) Gustavo Salazar, és filho de um escravo! Ferve-te nas veias o sangue africano! Pertences à raça maldita dos párias negros! À qual sempre votaste o desprezo mais profundo! Tua mãe prevaricou com um escravo... Oh! (Soluça amargamente.)
CENA VII
editarO MESMO, SERAFIM, LOURENÇO
SERAFIM traz pelo cós da calça LOURENÇO, que tem as mãos amarradas sobre as costas, e está magro, hirsuto e com ar idiota.
SERAFIM - Aqui está o negro! Safa! Custei! (À parte.) Quando ia entrar na estação da estrada de ferro, encontrei o presidente do Clube Abolicionista Pai Tomás... Mas é preciso ganhar a vida! (Gustavo ergue-se e recua espavorido para o canto oposto do teatro, fitando Lourenço com o olhar desvairado.) Admira-se, não é assim? Ah! eu cá, quando porfio, mato caça. Eu e dois pedestres andamos por ceca e meca e Olivares de Santarém, mas afinal seguramos o negro, e bem seguro! (A Lourenço.) Foge agora, se és capaz, tratante! cachorro! peste! descara...
GUSTAVO (Segurando-o pela garganta.) - Cale-se!
SERAFIM (Engasgado.) - Fala comigo?
GUSTAVO - Se ousar dirigir-lhe a mais leve injúria, mato-o! (Larga-o).
SERAFIM (À parte.) - Esta agora! que bicho o mordeu? (Alto.) Mas senhor Gustavo...
GUSTAVO - Saia! (Empurra-o.)
SERAFIM (Saindo, à parte.) - Ora, dá-se! Homessa!...
CENA VIII
editarGUSTAVO, LOURENÇO, depois o DOUTOR
Cena muda. Ficam em frente um do outro, silenciosos.
GUSTAVO (Consigo.) - Sonho terrível! Meu... pai, aquele que ali está! Mas, não! É o delírio da febre... Impossível! (Pausa. Inclina-se sobre o sofá e oculta o rosto, soluçando.) Dilata-se-me o coração... estala-se-me o peito que mal o pode conter... É o grito fatal da natureza! É a voz sagrada do sangue! (Por três vezes sucessivas Gustavo vai dirigir-se a Lourenço, mas, ao aproximar-se dele, recua convulsivamente, com certa repugnância. Lourenço curva a cabeça e soluça. Neste momento, o doutor vai entrar, mas, vendo o quadro, volta e assiste à cena, da porta, sem ser visto pelos dois.) Aquele que ali está amarrado e vi ipendiado, que em breve vai sentir nos seus pés o ferro da ignomínia e em suas costas o açoite infamante do cativeiro, é... é meu pai. (A tira-se aos braços de Lourenço, o qual, com um supremo esforço e dando três solavancos, quebra as cordas que lhe algemam os pulsos. Ficam abraçados.)
DOUTOR (À parte.) - Compreendi tudo! meu Deus!... (Desaparece.)
CENA IX
editarGUSTAVO, LOURENÇO,. SALAZAR, SERAFIM, depois EVARISTO
SALAZAR (Depois de fitá-los com ódio, a Serafim.) - Vá chamar o Evaristo. (Serafim sai.)
GUSTAVO - Para que o Evaristo?
SALAZAR - Com que direito me faz essa pergunta?
GUSTAVO - Não sei! Pergunto para que manda chamar o Evaristo?
SALAZAR - Para arrancar o couro àquele negro!
EVARISTO (Entrando.) - Pronto!
SALAZAR (Apontando para Lourenço.) - Ei-lo! Entrego-lho à discrição. (Evaristo, com um gesto de ameaça, dirige-se para Lourenço.)
GUSTAVO - Não lhe toque!
SALAZAR (À parte.) - Ah! (Alto, brandindo o chicote que arranca das mãos do feitor.) Pois começarei eu mesmo!
GUSTAVO (Interpondo-se.) - Por Deus, que o não há de fazer!
SALAZAR (Furioso.) - Afaste-se! Afaste-se! senão aplico-lhe uma chicotada!...
LOURENÇO (A Gustavo.) - Deixe-o, meu senhor... Eu sei o que devo fazer. (Sai. Evaristo acompanha-o, Gustavo quer também acompanhá-lo, mas cai abatido e tenta em vão erguer-se.)
CENA X
editarSALAZAR, GUSTAVO
SALAZAR - Filho do meu escravo!
GUSTAVO - Já o sabia?! Tanto agora como mais tarde!
SALAZAR - Esta sala não é lugar de moleques. Saia!
GUSTAVO (Erguendo-se a custo.) - Sairei... Antes, porém, há de ouvir-me...
SALAZAR - Não discuto com os filhos dos meus escravos!
GUSTAVO (Com calma terrível.) - Sou filho do seu escravo, sim, e nem por isso me julgo mais desprezível do que quando supunha ser seu filho, percebe? A febre escalda-me.., o delírio faz-me ver a nu a verdade das coisas... Ouça-me... (Segurando-o.) Desde o momento em que soube que me corria nas veias o sangue de um escravo, senti que este sangue vinha, não deturpar ou desonrar, mas sim tonificar o meu organismo, corrompido pela educação que o senhor me deu! Agora, ao menos, tenho no coração um sentimento, coisa que só de nome conhecia... Dinheiro! estolidez! vícios! crueldade! insolência! bestialidade! eis tudo quanto eu sabia do mundo. E foi o senhor que me ensinou! Percebe?
SALAZAR - Já disse que não discuto com um negro!...
GUSTAVO - Negro, sim! Sou da raça escravizada! Sinto as faces abrazadas pelo sangue ardente dos filhos do deserto, que os seus predecessores algemam à traição, para virem com eles poluir o seio virgem das florestas americanas! Negro, sim! Sou negro! Estou aqui em sua frente como uma solene represália de milhares de desgraçados cujas lágrimas o têm locupletado. Ah! os senhores pisam a tacões a raça maldita, cospem-lhe na face?! Ela vinga-se como pode, introduzindo a desonra no seio de suas famílias! (Cai extenuado e em prantos.) Ó minha mãe!
SALAZAR - Não me fale em sua mãe, senhor! se não estivesse louca, eu...
CENA XI
editarOS MESMOS, SERAFIM, que entra esbaforido, depois JOSEFA
SERAFIM - Patrão.., patrão... O Lourenço enforcou-se!
GUSTAVO (Com um grito.) - Enforcou-se! (Sai como um louco, mal podendo suster. Salazar tem um sorriso de satisfação.)
SERAFIM - Os negros, ao verem-no morto, revoltam-se, e, armados de foices, perseguem o feitor pelo cafezal a dentro! Acuda-o!
SALAZAR - Miseráveis! (Agarra uma espingarda que está a um canto e sai arrebatadamente)
SERAFIM (Só.) - Escapei de boas! Qual! Decididamente não me serve o ofício! É muito perigoso e eu tenho amor à pele! Vou fazer-me de novo abolicionista, e voltar ao Clube Pai Tomás, para ver se melhoro de condição...
JOSEFA (Entrando com muito medo.) - Senhor Serafim! Senhor Serafim! (Ouve-se fora vozeria confusa.) Misericórdia! (Foge, benzendo-se.)
SERAFIM - Eu aqui não estou seguro! Vou esconder-me no quarto da velha. (Sai. Continua a vozeria.)
CENA XII
editarSALAZAR, depois CAROLINA, depois escravos, o DOUTOR
O ruído cresce e aproxima-se. Ouve-se a detonação de uma espingarda. Salazar entra perseguido e coloca-se contra a porta, que de fora tentam arrombar.
SALAZAR - Venham! Morrerei no meu posto e venderei caro a vida!
CAROLINA (Entrando.) - Não se exponha! Fuja por ali, meu pai!
SALAZAR (Louco de furor.) - Seu pai? Eu! Procure-o no meio desses que vêm me assassinar. Talvez o encontre!
(Arrombam a porta. Entra uma multidão de escravos armados de foices e machados. Avançam para Salazar. Carolina, interpondo-se, ajoelha.)
CAROLINA (Com lágrimas na voz.) - É meu pai! Piedade! (Os negros ficam interditos, olham uns para os outros, abatem as armas e retiram-se resmungando, Salazar abraça Carolina e chora.)
SALAZAR - São as minhas primeiras lágrimas, Carolina! (Longa pausa, durante a qual Salazar soluça apoiado ao colo da filha.) Mas... Gustavo?
DOUTOR (Entrando.) - Fui encontrá-lo morto, junto ao cadáver de seu pai.
FIM DA PEÇA
(Cai o pano)