[C]omta-sse que hũa vez hũu asno encontrou com hũu porco montês, e ssaudamdo-o disse com boo[1] coraçom:
— Deus te ssalue, senhor porco. Compre-te de mym algũu seruiço? Eu prestes ssoom pera vosso mamdado.
E o porco rreçebeo as doçes palauras por emjuria, e ameaçamdo com a cabeça, disse:
— Quem[2] es tu, vilãao, que ás tamta audaçia que me ssaudas? Se nom fosse porque[3] nom quero luxar o meu fremoso demte na tua vil /[Fl. 8-v.] persoa, eu te adubaria como tu mereçes!
E o asno, ouuindo estas palauras, partio-sse com gram temor.
Em aquesta hestoria ho autor nos emsina que nos nom deuemos de assanhar d’algũa cousa que nos sseia dicta por bem e por folgamça. E ajmda nos emsina mais que, sse nos algem ssauda, que nos nom assanhemos[4], postoque a persoa proue sseja, e que nom despreçemos os proues, porque dho[5] rrico ao proue ha gram comparaçom: ca ho rrico muytas vezes escarneçe ao proue, e nom dá graças a Deus da merçẽ que lhe Deus fez.