O Livro de Esopo/O cavallo e o leão que se fingia medico

XXVIII. [O cavallo e o leão que se fingia medico]

[Fl. 20-r.][P]om enxemplo este poeta e diz que hũu cauallo amdaua em hũu prado a pasçer, e ueo hũu lleom e disse ao cavalo:

— Porque comes essa herua?

O cavalo lhe disse que a comia por meezinha, ca era muyto doemte.

E o leom lhe disse:

— Irmãao, ssabe por çerto que eu ssom gram phisico: pero leixa-me tocar teu pulsso e darey-te meezinha, que loguo sserás ssãao.

O cavallo conheçeo que o leom dizia esto maliçiosamente pera o matar, e cuydou em sseu coraçom[1] outra maliçia e disse:

— Mestre amiguo, eu traguo hũa espinha no pee: rroguo-te que m’a tires.

O leom acostou-sse ao caualo por de tras pera ueer a espinha, e o cauallo lhe deu hũu par de couçes na cabeça que o deytou em terra quasy morto. Entrementes que o[2] leom assy jazia, o cauallo fugio pera casa de sseu senhor, e o leom acordou e achou-sse escarnido.




Per este emxemplo o ssabedor poeta nos amostra que nos [nom][3] devemos fazer aquelles que nom ssomos, mas deuemos[4] dizer a verdade, quem nós ssomos, porque em dizemdo a uerdade o homem nom póde sser rreprehendido, e dizendo a mentira póde auer vergonça e maa fama.

Notas editar

  1. No ms. coracom.
  2. Aqui está riscada a palavra cauallo.
  3. Falta evidentemente nom, que escapou por causa da vizinhança de nos, que começa pelas mesmas lettras. O sentido é: «não devemos fingir que somos quem na realidade não somos».
  4. No ms. dizemos ( por influencia do dizer seguinte), com z emendado em v, e plica no i.