O Livro de Esopo/O lobo e o cordeiro

II. [O lobo e o cordeiro]

[C]omta-sse que o lobo bebia hũa vez em hũu rribeyro, da parte de çima, e o cordeyro bebia em aquell medês rribeiro, da parte de fumdo. Disse o lobo ao cordeyro:

— Porque me luxas a augua e dapnas este rribeyro?

E o cordeyto rrespomdeo e disse homildosamemte:

— Eu nom te faço emjuria, nem luxo o rrio, porque a augua corre comtra mym, e a augua he muy clara; e pero sse a quisese aboluer, nom poderia.

Outra vez o llobo braada forte e diz:

— Nom te auonda que tu me fazes emjuria e dapno, e ajmda me ameaças?

E o cordeyro outra vez homildosamente rrespondeo:

— Nom te ameaço, /[Fl. 2-v.] mais eu me escuso com boa rrazom.

E o lobo respomdeo outra vez:

— Ajmda me ameaças? Já ssemelhauyll[1] jmjuria me fezeste tu e teu padre, ssom já bem sseis meses.

O cordeyro disse:

— Ó ladrom, eu nom ey tanto tempo!

E o llobo jroso disse:

— Oo maao rrapaz, ajmda ousas de falar?

E foy-sse a ell e matou-ho e come’-o[2].




Em aquesta hestoria rreprehemde este autor os ssoberbosos e os arrogamtes homẽes do mumdo, os quaaes comtra os homildosos jgnoçemtes sse esforçam de buscar cajom comtra rrazom, por que ssem rrazom [os] possam offemder e fazer-lhe maas obras. E pollo lobo sse entende[m][3] os arroguantes e maaos homẽes, e pollo cordeyro os homildosos e ignoçemtes. E como este lobo mata este cordeyro ssem rrazom, assy ho maao homem faz mall ao boo ssem lh’o mereçer.

  1. No ms. semelhaũl; na fab. XXXIV por extenso estauyll.
  2. =comeo-o. No ms, comeo. Podia tambem transcrever-se comeo-, e semelhantemente as palavras analogas que apparecem adeante.
  3. Esta palavra no texto vem em fim de linha, e por isso, segundo a regra das nasaes (vid. Introducção), devia ter , mas o til não se percebe; só adeante, e em cima, ha um ponto.