XLVII. [O minhoto doente]

[C]omta-asse que hũa vez hũu minhoto foy doemte e rrogou a ssua madre que rroguase aos deus[es][1] que lhe dessem ssaude; e a madre lhe rrespomdeo:

— Filho, tu assanhaste os deoses com os teus pecados que tu fezeste: ssempre amdauas furtamdo em tall guysa que os deoses te dam peemdemça; quamdo tu fazias mall, deuêras a auer medo e deuêras de husar de piedade e nom de crueldade. Ora es piadoso porque nom podes mays fazer.

E o minhoto ficou muy triste e cuydoso com ssua emfermidade.




[Fl. 35-r.]Em aquesta estoria o doutor[2] nos emssina que nom deuemos esperar de fazer bem pera quamdo formos doemtes ou velhos, pera nos arrepeemdermos, ca muytas vezes acomteçe que quamdo o homem sse quer arrepeemder nom póde.

Pero quamdo ssomos mamçebos e fortes, deuemos de fazer bem, pera depois auermos bom gualardom, e rrepemdermo-nos dos pecados que auemos fectos[3], e nom dizermos: «sse oje nom fezermes bem, faze-lo-emos de manhãa», que tall ora cuydaremos d’achar misericordia, e nom a podemos auer.

  1. Como abaixo se lê deoses, supponho que deus aqui é erro por deuses. Como se vê, alterna no ms. deus[es], com u, e deoses, com o.
  2. No ms. por extenso.
  3. No ms. em abreviatura. Leia-se feitos.