O Livro de Esopo/O senhor e o cão velho

LVI. [O senhor e o cão velho]

[Fl. 40A-v.][P]om emxemplo este doutor poeta e diz que hũu senhor tijnha hũu cam muyto preçado e muy valemte, e tamto ho amaua que comsigo o tijnha muytas vezes na cama.

Este cam veo a envelheçer. E hũa vez o sseu senhor o leuou com siguo[1] aa caça e mostrou-[lhe][2] hũ[a] lebre: e este cam nom a pôde tomar. O sseu senhor ouue gram nojo, e tomou hũu paao e começou a ferir[3] este cam crueuelmente[4]. Depoys que o ferio, o cam falou e disse:

— Quando eu era nouo, caça nhũa[5] nom escapaua da minha boca; ora, que ssom velho, tu me deuias perdoar e devias-te lembrar do boo seruiço que eu te fiz quando era nouo. Entom me /[Fl. 40B-r.] preçauas tu muyto; ora que som velho, me despreças e nom te nembras do boo seruiço que de my rreçebeste.




Per este emxemplo este poeta nos demostra que o amor dos maaos homẽes tamto dura quamto dura o seruiço que o homem lhe faz. E aquell que serue os maaos perde o seruiço, porque aquell que maao senhor he, nom ha em ssy discreçom pera rremunerar sseus seruidores do seruiço que d’elles rreçebeo ao tempo que lhe conprira.

  1. No ms. com siguo, em duas palavras.
  2. Onde ponho colchetes, o ms. está roto.
  3. No ms. lê-se começou aaferir. É provavel que o segundo a seja engano e não constitua com ferir uma palavra aferir, pois ferir é frequente no ms.
  4. No ms. crūēūlmente: o til que cobre ueu representa e ou i. As fórmas cruevel e cruevil são conhecidas e português antigo; o nosso ms. tem noutro logar crueuees (fab. XXXI). Quanto a escolher -il ou -el, o nosso ms., se tem estauyll (= estávil) na fab. XXXIV, tem ciuell (= cível) na fab. LX.
  5. Leia-se nẽ hũa ou nehũa.