O Sr. Fábio Luz foi um dos primeiros escritores com tendências sociais e humanitárias que consultei. O Sr. Fábio respondeu-me com esta breve carta:
"1º. Para as minhas tendências literárias (muito incompleta ainda a minha formação) contribuíram diversos autores, notadamente Zola, nos seus últimos livros, e Kropotkin acentuando sentimentos desde muito carinhosamente cultivados. Mais que todos, porém, contribuiu a alma ingênua e boa do povo, em cujo contato vivo, cujos costumes e índole procuro estudar, cujas dores físicas e morais sou obrigado a observar quotidianamente, por dever profissional, sendo, como sou, médico. Por amor deste último mestre vieram-me a revolta contínua contra a organização social de hoje e a aspiração por um futuro melhor e mais eqüitativo.
2º. Nenhuma preferência tenho por qualquer dos meus trabalhos, julgando-os sempre incompletos e deficientes, mal os publico, constantemente torturado pelo desejo de produzir melhor, numa sede insaciável de perfeição nunca atingida, máxime quando os comparo com as obras de arte dos outros.
3º. Atualmente o Brasil literário atravessa um período de estagnação e as lutas se travam entre os consagrados, que procuram amesquinhar e depreciar os trabalhos dos novos, no justo receio de que lhes venham fazer sombra, e os novos, que aspiram ser velhos, medalhões, consagrados, demolindo reputações bem ou mal adquiridas.
Acredito, entretanto, que um vigoroso movimento, sério e consciente, se vai fazendo para dar à arte um cunho social e humano, que há de predominar, abandonados os requintes de perfeição manual e mecânica, tão em voga, bem caracterizados pela modelagem perfeita das estátuas das nossas praças, sem um sopro de inspiração artística na concepção, nem como símbolos, nem como verdade, pela falta absoluta de sinceridade, incapazes de provocar sensações fortes e duradouras e sentimentos elevados. Arte de filigrana — bela para ver e inteiramente inútil —; boa arrumação de palavras, paisagens sem figuras, figuras sem a iluminação do olhar.
4º. Julgo que não.
5º. O jornalismo estraga e esteriliza os escritores e artistas que fazem dele profissão. Para a literatura é sempre prejudicial, com suas apoteoses aos amigos e conluiados, enchendo-os de vento e vaidade, e o silêncio matador para os desafetos ou indiferentes. Dos conciliábulos das redações e dos chopps íntimos saem sempre as coteries e as consagrações das mediocridades, em torno das quais chocalham os guizos da fama (!), desviada a atenção pública do verdadeiro mérito, iludida pelas fanfarras, entontecida pelo fumo do incenso queimado em turíbulos de folha de Flandres."
O autor do Ideólogo, aliás uma alma delicada e simples, não compreende que já não estamos no tempo dos gênios ignorados...