O Sr. Alberto Ramos é um poeta fortemente original na métrica dos versos, nas idéias e no sentimento com que os anima. A Ode do Campeonato tem qualquer coisa de pindárico, lembra a olímpica a Théron d'Agrigento e as grandes frases sonoras do conviva dos reis de Siracusa.
Essa poesia obedece a um sistema filosófico. O Sr. Alberto Ramos, com a sua elegância brummeliana e o seu nervosismo, cultiva o eu, pratica o super-humanismo de Nietzsche.
Que diz o sábio da floresta no Zaratustra?
"Direi que acreditais em Zaratustra? mas que importa Zaratustra! Sois meus crentes? Mas que importam os crentes. Ainda não vos tínheis procurado a vós mesmos quando me achastes. É assim que fazem todos os crentes: eis porque é a fé tão pouco.
Ordeno-vos agora que me percais para vos achardes, e só depois de todos vós me terdes renegado é que para a vossa companhia voltarei."
O Sr. Alberto Ramos já se achou. Zaratustra acompanha-o. É talvez o único homem no Brasil a quem Zaratustra dá essa honra. Daí o Sr. Alberto Ramos não acreditar senão nele mesmo, adorar a força, o domínio, e praticar, no limitado círculo dos humanos a que permite a honra da sua palavra, a filosofia do super-homem.
Que vem a ser um super-homem?
Um super-homem, na nossa sociedade, é o cavalheiro irresistível, de cujas palavras todos pendem e de cujos braços depende o mundozinho em que vive e que, com tudo isso, é frio, brilhante e duro como o diamante.
Mando, cheio de humildade, ao Sr. Alberto Ramos o meu questionário, e fico à espera.
Dias depois recebo estas imprevistas considerações filosóficas, em que o poeta da Ode do Campeonato se revela o idólatra da força e do paradoxo:
"As grandes épocas de civilização dos povos caracterizam-se pela elevação integral e harmônica da cultura física. Antes que o dogma cristão tivesse pervertido a noção da vida, erigido o pessimismo em moral e subvertido o sentido da terra, a saúde do corpo corria parelhas com a saúde do espírito. A base da cronologia grega foi a olimpíada, isto é, a glorificação da força e da inteligência. Os mais puros monumentos do gênero humano são a apoteose da força e da saúde.
Os períodos de decadência, ao contrário, caracterizam-se pela depressão física do indivíduo. A literatura dos anêmicos, dos alcoólicos, dos escrofulosos e dos dispépticos será paralelamente anêmica, desequilibrada, mórbida e indigesta. (Corra-se a galeria dos nossos autores da atualidade.)
As sociedades decadentes, fisicamente atrofiadas, como a nossa, são incapazes de produzir o tipo superior da espécie, o criador, o artista. Expiam assim obscuramente o crime da sua pusilanimidade. No domínio literário, como na esfera política, estão condenadas a uma subserviência opressiva e humilhante, quando não à esterilidade e à morte.
Mas em arte, como no mundo orgânico, o que importa sobretudo é a vida. É a força e a plenitude; é o gesto intenso e o coração à larga; é o vigor do músculo e o belo equilíbrio das funções vitais; são as aspirações livres para os cumes ásperos e solitários; é o ar puro da montanha no cérebro e nos pulmões, a afirmação imensa e transbordante perante a existência.
Fora disso, toda criação de arte não passará de um arremedo grosseiro e pueril, perigoso excitante de imaginações doentias, qualquer cousa, que será talvez polução da arte, não a arte mesma, de sua natureza fecunda, libérrima e dadivosa até a prodigalidade.
Os que pretendem que há no Brasil, hoje em dia, uma arte nacional, artes e artistas nacionais, ou ignoram as condições essenciais geradoras do fenômeno estético — ou conscientemente praticam uma fraude impudente, que repugna aos espíritos animosos, capazes de encarar a vida no que ela tem de austero e de elevado, e para quem a probidade mental constitui simplesmente um hábito de decência.
Mas a decadência é ainda uma das formas da vida. É também um desejo de primavera. Tal é a minha fé, o que eu considero o meu heroísmo na vulgaridade do presente. É a guirlanda radiosa e terrível que eu atiro ao futuro, por cima de cada berço, como uma promessa de vitória.
Eis o que julguei de meu dever declarar em resposta aos seus quesitos. Hoje, como ontem, eu proclamo a necessidade de uma reação implacável pela cultura física. É preciso que restauremos como fórmula irredutível o "mens sana in corpore sano"; ainda mais: é preciso que se lhe dê uma aplicação prática pela criação de medidas sanitárias rigorosíssimas (p. ex. o isolamento dos atacados de moléstias contagiosas; a proibição de casamento para os anêmicos, os tísicos, para os indivíduos achacados de moléstias crônicas, para os degenerados de toda espécie; a repressão do alcoolismo; a regulamentação da prostituição, etc.). Dia virá em que um espírito clarividente, apreensivo pelo futuro, ousará abordar em nossa terra a questão da redução das escolas superiores — a maior das calamidades públicas que têm assolado este país.
Então, subitamente esclarecidos, animados de fé tenacíssima, de paciente e valorosa energia, trataremos seriamente da grande reforma do ensino primário, cuidaremos da criação de escolas especiais de agricultura, de horticultura, de indústria e comércio, de artes e ofícios, etc. — Essa hora — ai de nós, longínqua! assinalará o primeiro passo no caminho das reações salutares, que nos conduzirão à posse efetiva dos bens supremos, honra e privilégio das nações fortes, que os não tiveram por obra e graça do Espírito Santo, mas que os disputaram, que os conquistaram, que os defenderam em lutas as mais nobres, as mais heróicas, as mais cheias de sacrifícios admiráveis, que constituem a história da mentalidade humana, através dos séculos.
Em suma, eu entendo que o orgulho da nossa sociedade atual — a admitir que ela fosse ainda capaz de um gesto fecundo de energia e saúde — devia proceder da consciência austera e formidável de ser a depositária de um germe sacratíssimo, a augusta portadora do fruto aspérrimo e luminoso que, em momento mais ou menos remoto, supremo, de reivindicações salutares para as nações fortes e de conseqüências irreparáveis para as nações pusilânimes, será chamado a testemunhar da nossa vontade vitoriosa, da nossa colaboração ativa e pertinente na obra de civilização e de progresso, do nosso direito de existência como povo livre, isto é, uma geração, robusta e sadia, muito diferente da nossa, melhor que a nossa, que saiba querer e saiba vencer, apta para conquistar os bens que não nos foram consentidos e, sobretudo, capaz de realizar pelo braço o que tiver sonhado com a mente.
Grávida do futuro! Que imensa perspectiva para esta raça de avariados, sombria, morna, vencida, sem paixões viris, sem entusiasmos frementes, nem alegrias tonificantes, e que ameaça extinguir-se pela impotência de uma senilidade precoce!
Mas não haverá por aí quem invente a fecundação artificial? Magnífico assunto para o seu próximo questionário, caro Sr. João do Rio, mais útil, mais atual e positivamente mais produtivo..."
A última ironia zaratustreana, aquela exclamação extática pela perspectiva da nossa raça grávida do futuro, não me tira do assombro de todo esse sistema reformador e forte. Talvez o Sr. Alberto Ramos tenha muita razão.
Felizmente já vamos subindo a montanha. Os clubes de regatas começam a transformação...