A classe dirigente existia em embrião na América Portuguesa e na Espanhola desde que em ambas havia uma aristocracia colonial, espécie de gentry, de caráter territorial - agrícola, ou pastoril, ou mineira -, que foi natural e fundamentalmente simpática à causa da emancipação política, a qual ela pôde tanto melhor servir quanto, no Brasil, formava essa classe os quadros de oficiais dos regimentos de milícias e os senados das câmaras municipais, encontrando-se também representantes dela nos cargos da magistratura e dos governos das capitanias menores [1]. André Vidal de Negreiros foi mesmo governador de capitanias importantes, mas isso constituía uma exceção, justificada pelos seus relevantes serviços de guerra.

O fato de só se terem descoberto diamantes e ouro no Brasil nos fins do século XVII, deu contudo à evolução portuguesa na América uma base mais estável do que à evolução espanhola. Esta base foi dupla, agrícola e pastoril - a lavoura da cana e a criação de gado. Pernambuco e sua expansão civilizadora para o norte foram o produto da primeira; a ocupação dos campos do Piauí foi a conseqüência da segunda. No sul o traço ambulatório foi mais acentuado e os bandeirantes mais constantes nas suas pesquisas. A Bahia participa de ambas as feições. O povoamento do interior constituiu um efeito mais moderno da indústria mineira, que teve que ser criada, embora empiricamente.

A Espanha encontrara logo no início civilizações relativamente adiantadas e riquezas acumuladas. Seu papel foi assim mais de conquistar do que de colonizar: a Argentina, que não tinha minas como o México, o Peru ou Nova Granada, estacionou por longo tempo numa exploração primitiva. Portugal colonizou porém na América tanto quanto conquistou: no Oriente é que obedeceu ao critério das feitorias comerciais. A tradição colonial era em ambos os casos a romana - de anexação territorial sem representação, isto é, sem direitos para os habitantes [2].

Na América Inglesa, pelo contrário, a gente não só era toda arraigada ao solo para onde se havia transplantado no intuito de ali permanecer, como oferecia no seu aspecto um prolongamento da raça da qual procedia. As colônias eram dos que as tinham fundado e não dos adventícios da metrópole que, desempenhando cargos de justiça, de administração, de serviço militar ou eclesiástico e de comércio, desprezavam o elemento mestiço ou mesmo crioulo puro, que reputavam inferior. O conflito que na América Saxônica foi, em matéria de separação, puramente político, aparecia pois na América Latina também como social, numa modalidade que não a de cor.

A idéia de nobreza não podia ser idêntica nas colônias ibero-americanas à das suas respectivas metrópoles. Não foram os grandes nobres, os poderosos representantes das casas de alta linhagem, como, em Portugal, as de Bragança ou de Aveiro, que passaram ao ultramar: foram os representantes da petite noblesse, da que em França se chamava d'epée ou de robe, fidalgos já se sabe ou filhos de algo, constituindo a casta guerreira. Eram eles os samurais da Península, que nas possessões se equiparavam socialmente desde o século XVI aos plebeus, salientando-se como exploradores de sertões, ocupadores de terras, fundadores de povoações.

Cortez, Pizarro, Almagro, Quesada, se não eram "hombres del estado llano", eram hidalgos pobres como D. Quixote, "de lança em riste, velha adaga, magro rossim e galgo corredor", afeitos a uma mesa mais que frugal, de índole aventurosa, espírito brioso, vontade tenaz e pronta iniciativa, cheios de uma dignidade que ia até a prosapia [3]. Pela freqüente ironia das coisas históricas, a colônia democraticamente organizada de Buenos Aires foi a fundada pelo adelantado Mendoza (os adelantados eqüivaliam aos nossos donatários e esse enricara no saque de Roma), ao passo que o Peru veio a ser a corte aristocrática de vice-reis faustosos.

Escreve o historiador venezuelano Becerra [4] que a aristocracia colonial espanhola tinha mais propriedades do que brazões: talvez fosse mais justo ainda dizer que preferia as propriedades aos brazões. Aliás as Leis de Índias tinham enobrecido todos os conquistadores que fundassem povoados e não se estabeleceu na prática distinção entre os caudilhos da conquista e os seus companheiros. Todos foram considerados primeiros povoadores e foram portanto fidalgos. O que entrou a diferenciá-los foi o grau da abastança e da influência adquiridas no país. Entre eles não havia exatamente sentimento de casta: o que havia era o gosto de um bem-estar mais generalizado do que nas terras de onde tinham procedido. Eis o que foi o mantuanismo [5] colonial.

A essa nobreza melhor assentaria, no conceituoso dizer do sociólogo Arcaya, cujas observações neste ponto se aplicam igualmente ao Brasil, a denominação de "burguesia". Se não era casta senão talvez num sentido bastante pálido, diferente da autoridade quase feudal desfrutada nos seus domínios, tampouco era uma aristocracia política ou mesmo uma oligarquia de governo, uma vez que este se constituiu autônomo e responsável. Ernesto Quesada pondera que nos países latino-americanos foram as ditaduras que desempenharam a função sociológica de amalgamar as diversas tendências sociais. Tal papel coube no Brasil à realeza.

Dava-se entretanto a circunstância, e nisto é que pode ter-se manifestado uma certa tendência oligárquica, difícil de medrar onde a monocracia era o regime mais popular, de haver uns tantos com audácia, energia e luzes para se colocarem acima da grande massa ignorante e inerte. Foram esses poucos que sobressaíram na eventualidade e pretenderam organizar os novos estados segundo suas preferências teóricas.

Os Suassunas, conspirando em Pernambuco em 1801 para o estabelecimento de uma república protegida por Bonaparte, correspondem aos Andradas em São Paulo, ainda que sua concepção estreita carecesse da visão nacional de José Bonifácio. Eles eram "os nobres", os que tinham oposto seu orgulho à vaidade dos "mascates". A colonização brasileira levada a cabo por degredados é uma lenda já desfeita. Nem ser degredado eqüivalia então forçosamente a ser criminoso, no sentido das idéias modernas. Punia-se com a deportação delitos não infamantes e até simples ofensas cometidas por gente boa. Os dois maiores poetas portugueses, Camões e Bocage, sofreram a pena de degredo na Índia, como Ovídio sofreu a do banimento no Ponto Euxino.

O Brasil tinha sua gente de nascimento. José Bonifácio, percorrendo a Europa como naturalista, nunca deixou de ser considerado nobre. Seu passaporte austríaco, que o Instituto Histórico conserva, reza ser ele um "portugeesischer Edelmann". O que não havia, quer nas colônias, quer na metrópole, era o rigor de preconceitos de raça como nas colônias inglesas da América. Da devassa de 1817 resulta que a melhor gente de Pernambuco - parte dela pelo menos - freqüentava a casa do Cruz Cabugá, que era filho de mercador e mulato: morreu aliás como ministro do Brasil na Bolívia. E como poderia exercer-se tal rigor se em maior ou menor grau foram mulatos João Fernandes Vieira, o herói da reconquista pernambucana, o padre Antônio Vieira, o grande espírito português do século XVII, e o marquês de Pombal, o ministro despótico e reformador? Na Argentina era mulato Rivadavia, o seu homem de Estado mais inovador. Este verdadeiro sentimento democrático, que é o da igualdade, foi o produto da organização social hispânica. O sentimento de liberdade política é que pode haver sido favorecido pelas idéias do filosofismo francês postas em prática pela revolução de 1789. O efeito dessas idéias na América Latina foi antes nocivo do que benéfico: elas não só se exageraram como se adulteraram, criando em muitos casos uma situação convencional e falsa. Ocupando-se da sociedade brasileira de 1821, escreveu Mrs. Graham, que tinha talento de observação, uma nota curiosa, a saber, que a maior parte dos homens versados em assuntos políticos era composta de discípulos de Voltaire, "os quais iam além das suas doutrinas em política e rivalizavam com sua indecorosidade em religião, pelo que suas falas eram por vezes repugnantes (disgusting) a pessoas de bom senso que tinham presenciado e compreendiam as revoluções européias". Pela boca de Mrs. Graham falava a Inglaterra hostil aos desmandos subversivos.

De resto, antes da guilhotina na França definir os direitos do homem, o espírito das comunidades ibero-americanas tinha, com limitadas exceções, desmanchado a vanglória da superioridade de raça fundada na nobreza do berço ou na alvura da tez. O próprio Império brasileiro foi democrático mais do que no rótulo, tanto que, ao organizar a sua nobreza, não a fez hereditária, condição de perpetuidade. A constituição monárquica de 1824 não reconhece privilégios de nascimento: a aristocracia que então se formou, era galardoada pelos seus méritos e serviços pessoais e parte dela era também representativa da riqueza, que é um dos esteios do Estado e um campo onde cabem as atividades individuais.

Na América Espanhola, onde as circunstâncias foram adversas à fundação de monarquias, o povo, em grande parte mestiço de índio e afeito ao paternalismo de governo - pois que toda a legislação tinha por objeto proteger a raça indígena se bem que não logrando evitar os abusos - não compreendia porque se queria substituir o rei, que era uma expressão palpável, por expressões abstratas. Na Venezuela, pátria de Bolívar, a popularidade do movimento de emancipação política só se tornou uma realidade quando Paez, filho da plebe, abraçou a bandeira independente e lhe trouxe o apoio da democracia "indômita e agreste" da qual ele próprio se faria no governo a encarnação.

No Brasil a aspiração nacional corporificou-se no representante da dinastia que a terra albergara numa hora de provação, e este caráter fez com que mais depressa se irmanassem os sentimentos da população. A resistência local por assim dizer não ocorreu. Não se conheceu um partido de tradicionalistas europeus, além dos próprios portugueses, ou uma devoção violenta de proletários privados da proteção efetiva de um governo sempre solicito em não permitir que a aristocracia lhe contrabalançasse a autoridade. O elemento de oposição à referida aspiração nacional foi o das Cortes de Lisboa, embora professando a doutrina do nivelamento das classes e da comunidade dos anhelos.

Desde os tempos coloniais, todavia, que a condição de nobreza não dava por si só direito sequer à constituição de uma aristocracia municipal. A partir dos começos do século XVII deixou-se mesmo de observar nas colônias espanholas a Lei de Índias que concedia aos descendentes dos conquistadores preferência para certos cargos municipais como, por exemplo, os de alcaides ordinários.

Algumas vezes os privilégios e títulos eram transmitidos pela linha feminina - caso ainda hoje comum na Espanha -, consorciando-se as filhas dessa gente de algo colonial com funcionários vindos da Espanha. Como porém semelhantes favores apenas podiam ser reclamados por indivíduos e não pelas corporações, estranhas a tais interesses pessoais, fácil era o irem caindo em desuso com a afluência dos espanhóis da metrópole e o advento de outras camadas sociais.

As barreiras entre as classes foram-se gradualmente abaixando e seu desaparecimento constituía o termo de um processo evolutivo, regular e próprio. A igualdade foi-se tornando legal, de fato como de direito, entre os nobres e os brancos "del estado llano", e as fronteiras entre estes brancos e os pardos livres, abastados ou remediados, por sua vez se fizeram imprecisas e fáceis de confundir ou de ultrapassar. Esse movimento geral de democratização social foi espontâneo: não obedeceu a sugestões de fora. As máximas e exemplos da Revolução que se diz mater do mundo contemporâneo, somente contribuíram para apressar o rompimento, determinando violentas explosões. O rompimento dar-se-ia de qualquer modo, porquanto era o fito da progressão de uma sociedade em formação sob os auspícios de uma metrópole mais atreita no ultramar aos proventos do que às tradições e que estava ela própria passando por uma transformação.

Tampouco foram no Brasil as funções municipais apanágio exclusivo da nobreza da terra. A chamada guerra dos mascates proveio de fato de se pretender criar, cerceando a jurisdição da câmara fidalga e brasileira de Olinda, a câmara burguesa e portuguesa do Recife. O conflito foi porém resultado do espírito de antagonismo que inspirou nesse caso a resolução, pois que nos senados das câmaras se sentavam indistintamente senhores de sangue azul e plebeus de sangue vermelho, cujas prerrogativas eram iguais às dos outros. O governo da metrópole até favorecia mais estes últimos por serem do reino e não das colônias, possuindo assim mais vivo o sentimento de fidelidade.

Mrs. Graham escreve que os portugueses ricos do comércio preferiam dar suas filhas a caixeiros sem vintém, vindos do reino, do que a brasileiros de posição, invocando a questão de raça pelo fato dos da terra; mesmo nobres, denunciarem freqüentemente cruzamento. A repugnância ao negro, praticamente abolida no trato social, subsistia bastante em matéria de casamento, mas não raro oferecia meramente um pretexto para menosprezo, tanto assim que muitos dos portugueses transplantados casavam nas famílias desde muito estabelecidas além- mar. Nem podia aquela repugnância corresponder a um sentimento senão assaz convencional, visto que em Portugal não havia escassez de sangue africano, dada a grande quantidade de negros importados, produzindo esta mescla de raças certa confusão social que redundou por fim em equilíbrio. O espirituoso escritor equatoriano Montalvo definiu em nossos dias a situação, lembrando que mal cabia o preconceito com relação à progênie, quando não tinha servido para refrear os amores dos conquistadores.

Se a bastardia nunca foi um empecilho à nobreza, pois que desde o começo das monarquias hispânicas foram os bastardos dos reis reconhecidos e ricamente dotados (no século XVIII ainda nascia bastarda em Portugal a casa de Lafões), não é de admirar que bastardos de valor fossem tão apreciados pelos seus serviços quanto os brancos puros. Francisco Barreto de Meneses, o general da campanha da restauração pernambucana contra os holandeses, era filho de português nobre e de índia peruana, tendo aliás nascido em Callao. É verdade que, mesmo nos Estados Unidos, a mestiçagem com índio nunca foi considerada humilhante, sendo os produtos socialmente tratados noutro pe. Nas colônias espanholas os mestiços seguiam a condição materna e portanto mergulhavam na raça aborígene, mas ainda assim, lá como no Brasil, os que tinham nas veias sangue negro muitas vezes apregoavam ter sangue indígena.

Contudo não constituía o sangue negro eventualmente obstáculo insuperável nem sequer a mercês e graças régias. Não foi só o índio Camarão quem recebeu foros de nobreza: o preto Henrique Dias teve o hábito de Cristo com tença. João Fernandes Vieira, apesar de ser de cor, governou Angola e Pernambuco. Os populares brancos formavam o elo médio da cadeia, prendendo-se por um lado aos nobres territoriais e por outro ao elemento plebeiamente mestiço. Em tais condições não podia mesmo haver diferenças fundamentais de classes. As divisões eram artificiais e os costumes modificavam até a legislação. Entretanto certas diferenças extremam a organização da vida social nas duas seções em que se divide a América Latina.

Da mesma forma que sucedia em Portugal, comparado com a Espanha e mau grato a carência nas colônias espanholas de um rigoroso sentimento de hierarquia, a aristocracia brasileira achava-se muito menos distanciada do povo. Se este mais depressa fraternizou com ela, é porque a relação em que viviam representava uma longa tradição a que não faltava o sofrimento, mas a que faltava o ódio. Os índios eram uma raça livre por lei, de fato serva adstrita à gleba e escrava nas explorações de minas. Os negros eram escravos por lei e formigavam no Brasil, que foi o seu grande mercado na América do Sul, ao passo que na América Espanhola a instituição servil tinha raízes menos fortes, sendo logo abolida quando ocorreu a independência ou pouco depois e não oferecendo o aspecto de uma instituição profunda e essencial.

É conhecida de resto a preponderância do elemento indígena na maior parte das sociedades neo-espanholas do Novo Mundo. Esses índios tinham sido as vítimas dos encomenderos pelos quais tinham sido repartidos, para que deles tomassem conta em troca de certa soma de trabalho, e no rei enxergavam vagamente um patrono e arrimo contra as iniqüidades. Aos negros no Brasil estava porém trancada esperança análoga, porque a legislação sancionava o seu cativeiro, com o único recurso da alforria pelo trabalho próprio ou pela filantropia alheia.

Nem poderia constituir-se uma nobreza regular sem os morgadios, que eram praticamente desconhecidos na América e que na Península Ibérica permitiram as grandes casas sustentarem até o século passado o seu fausto. Os morgadios do além-mar não eram vedados, antes autorizados isoladamente por lei, mas não entravam nos hábitos. De um ou outro se dá notícia no Brasil. O pouco valor relativo das terras era outrossim uma condição desfavorável à sua instituição: não se podia mesmo contar, como na Europa, com rendimentos mais ou menos certos. Havia muito de flutuante, de indeciso, nessa vida do Novo Mundo.

Grandes fortunas não existiam: o que havia eram extensas propriedades, proporcionalmente de escassa remuneração por não ocorrerem, com o sistema do monopólio mercantil, oportunidades de especulação. Aliás as grandes fortunas são por via de regra antes industriais e comerciais do que agrícolas: os lucros agrícolas costumam ser moderados, sendo precisas circunstâncias excepcionais, como as da última guerra e, com relação ao algodão, como as da Guerra de Secessão, para certos artigos darem elevados proventos.

Os latifúndios coloniais apresentavam-se em larga proporção baldios e não podiam nestas condições assegurar um rendimento sequer suficiente e estável. O número dos ricos andava limitado, graças à divisão da propriedade, a não ser pelo resultado do próprio trabalho e felicidade: ora, com a obrigação do esforço individual, maior ou menor, cessava a primeira condição de uma aristocracia de lazer. Em toda a América Hispânica assim acontecia. Se um hidalgo pretendia estabelecer um morgadio, não podia para isto dispor senão da quarta parte da sua fortuna porque, pelo eqüitativo direito espanhol, as três outras partes eram legítima dos filhos. De ordinário a partilha dos bens tinha lugar sobre a base da igualdade. As encomiendas de índios não substituíam propriamente os morgadios porque não eram hereditárias: eram apenas vitalícias, algumas vezes outorgadas por duas ou três vidas.

Na Venezuela os vínculos de terras conservadas indivisas eram em proveito de todos os descendentes do fundador, para serem desfrutadas em comunidade perpétua, alguma coisa no gênero do mir russo; ou então consistiam de capellanias fundadas com determinado rendimento para sustento e ordenação (estado e formatura como se dizia) dos clérigos da família, em troca na obrigação de umas tantas missas. Os que apenas queriam aproveitar o ensejo de estudarem, recebiam ordens menores e antes de se tornarem presbíteros, abandonavam o benefício a outros. Também havia um ou outro morgadio nos puros moldes europeus: Bolívar, por exemplo, era morgado, o que o não impedia de mofar da nobreza americana.

De lado a lado se estabelecia por essa América Latina um desafio escarninho. Os governadores vindos das duas metrópoles timbravam em mostrar escassa consideração pela fidalguia colonial, mesmo para indicarem a superioridade da sua própria nobreza e assim, pensavam, melhor firmarem seu prestígio [6]. Troçava-se dos nobres trotando para suas ruins plantações, montados em ruins bestas, envergando ruins vestes e empunhando ruins chapéus de chuva.

A raça branca depauperara-se nos trópicos sob a dupla ação do clima e das doenças, apesar da resistência peninsular primar qualquer outra e de serem os espanhóis e portugueses os melhores colonizadores da zona quente. A degenerescência era porém visível em muitos casos, quando a não corrigia a infiltração de sangue mais rico de seiva, vindo de fora, fosse da Europa, fosse da África, ou a não sustava o cruzamento com os indígenas. A superioridade da família humana transplantada no intuito de conquistar ou de colonizar revelava-se ocasionalmente em tipos anormais como o de Bolívar, no qual reviveram, sobre o mesmo fundo psíquico dos seus maiores, "a necessidade de sensações violentas, o prazer das batalhas, a satisfação de anhelos ingênitos de glória e de poderio". No Brasil o tipo que se lhe assemelha mais é o de Dom Pedro, um peninsular que da mãe herdara muitos traços do caráter espanhol.

Sonhadores de liberdade, o Brasil os teve, como os de Minas em 1789 e os de Pernambuco em 1817, uns e outros manifestando pronunciada tendência à Organização. Mais tarde porventura, era também o português mais legalista, posto que se denunciando freqüentemente seu espírito jurídico pelas formas do litígio e da chicana. O pessoal político das Cortes de Lisboa e da Constituinte do Rio recrutou-se entre essa gente que era a que, ainda depois da independência, promovia revoluções como a de Pernambuco e outras províncias do norte em 1824, instigada por motivos constitucionais mais do que pelo simples prurido de mudança de regime.

Os nobres da terra como o morgado do Cabo, contra quem e sua investidura oficial se fez a citada revolução de 1824, constituíam em suma os únicos representantes da tradição, porque o clero era todo ele ou quase todo revolucionário. Esses nobres afluíram das capitanias próximas quando a realeza foragida estabeleceu sua corte tropical, e nela defrontaram com os cortesãos de gema, que formavam o séquito português do monarca, e com os mercadores também vindos do reino europeu, agora mais ricos do que os demais pelo desenvolvimento tomado pelo comércio e igualmente com ambições aguçadas pelo desdém de que eram vítimas da parte de ambas as aristocracias.

Esta expressão, no tocante à brasileira, não significa absolutamente, muito pelo contrário, que fosse ela adversária de reformas: em toda a América Hispânica contaram-se os nobres coloniais entre os partidários mais decididos das idéias liberais. Estas idéias imperavam entre a inteligência do século XVIII, nos países reputados de maior atraso, muito mais geralmente e muito mais fundamente do que se pode à primeira vista supor, dada a impressão que anda de ordinário consorciada com essas sociedades beatas e supersticiosas. O voltairianismo foi um traço freqüente em Portugal e portanto no Brasil, não só na França [7].

A luta não era tanto de idéias como de interesses. A família real emigrara de Portugal com 15.000 pessoas de comitiva e esta gente tratava de viver, ocupando não só os melhores lugares, mas mesmo aqueles a que por lei tinham direito os da terra. A presença da corte tinha indiretamente trazido muitos benefícios e dotado o Brasil da categoria de nação. O espetáculo era porém desolador para o observador estrangeiro, juiz mais imparcial, uma vez que se lhe oferecia ensejo de assistir a ele. O bávaro von Weech, que em 1830 escreveu suas recordações de viagem entre 1823 e 1827 ao Brasil e Províncias Unidas do Prata [8], fala da rotina dos negócios, da almoeda dos favores e graças, da exploração da população pelos estancos e pelos absurdos entraves aduaneiros postos ao tráfico inter-provincial, que assinalaram o reinado de Dom João VI no terreno econômico e moral.

A realeza acabara por viver da corrupção e na corrupção e a corte portuguesa retirara-se após dar um verdadeiro assalto ao erário brasileiro. São de von Weech as seguintes palavras: "Os portugueses de torna-viagem despojaram a terra de avultadas somas e, fiéis ao seu sistema de esgotamento até o último momento, esvaziaram todos os cofres públicos, até a caixa das viúvas e órfãos. Só Sua Majestade carregou em ouro em barra e amoedado mais de 60 milhões de cruzados, sem falar nos diamantes, empenhados no Banco do Rio de Janeiro a troco de fortes somas e que foram transportados sem o Banco ser indenizado".

No Brasil, como em toda a América Hispânica, faltava povo. Num dos seus ofícios para a chancelaria austríaca o encarregado de negócios Mareschal observa que mesmo que o país viesse a sofrer dos horrores da revolução, "o povo se cansaria da anarquia mais cedo do que na Europa, porque ele se compunha na sua totalidade de fazendeiros e não havia a ralé que se torna nas mãos dos agitadores cego instrumento". A ralé existia, mas era um elemento inteiramente fora da vida política: o grau de ignorância, a condição de falta de cultura, vedava ao povo propriamente qualquer participação na vida consciente da comunidade.

Eduardo Prado notou com sua habitual finura a intuição genial do pintor Pedro Américo, colocando no seu quadro da proclamação da Independência, em plano inferior ao príncipe e à sua comitiva militar vibrante de entusiasmo, com as espadas nuas e alçadas e nos lábios o grito épico, o carreiro boçal, guiando seus bois, atônito diante daquela cena cujo sentido completamente lhe escapava.

Segundo Condy Ragúet, o encarregado de negócios americano, que era porém um maldizente e um petulante com quem a nossa chancelaria teria mais tarde dificuldades e dissabores, o governo brasileiro "mais desejava reduzir do que acrescer o conhecimento político do povo", ajuntando que os americanos "eram vistos pelo governo com olhares suspicazes e eram tão postos de quarentena pelas autoridades e seus incensadores, como se receassem ser contaminados pelos princípios republicanos dos quais é sabido sermos advogados" [9].

A própria liberdade de conversação, portanto de palavra, era na opinião desse diplomata menor sob o imperador constitucional do que o fora sob o rei absoluto. Verdade é que este possuía qualidades excepcionais para um soberano da época de governos paternais. A atmosfera, primeiro turva por eminentemente cortesã da Lisboa pré-napoleônica, depois singularmente agitada pelo fluxo e refluxo da maré liberal, não lhe permitira brilhar nesse meio: fora mister à personagem o sol dos trópicos para inundá-la de luz.

O rei era justamente o que o comerciante inglês Luccock, vinte anos residente no Brasil, descrevia rico de bom senso, de uma bonomia espontânea que ele acentuava, servindo-a com sua extraordinária memória e seu conhecimento dos pequenos fatos ou incidentes relativos às pessoas com quem se encontrava e com quem se entretinha, da mesma forma que ao serviço do Estado punha a penetração notável do seu entendimento, sua capacidade de estudo refletido dos problemas da administração e a astúcia, predicado peculiar à sua família.

Estas últimas qualidades tinham-no predisposto a uma política larga de melhoramentos, com que o Brasil amplamente aproveitou e que contrabalançou no espírito da gente melhor da terra o efeito deplorável do intercurso com os fidalgos da corte, o qual sobretudo originou enfado e provocou o retraimento de grande número de nacionais. Luccock nutria aliás a opinião que os brasileiros eram no geral " independentes, violentos e politicamente mal-educados". Estavam de certo mais perto da natureza do que os europeus, e sua independência era a manifestação de um sentimento que se generalizara nos últimos tempos.

Escreve Luccock que nas camadas menos cultas esse sentimento degenerara num falso respeito humano, verdadeira impostura que fazia até ser reputado degradante o sobraçar pacotes e carregar utensílios de trabalho [10]: entre as camadas mais cultas o sentimento se deparara e acrisolara ao ponto de traduzir-se por uma nobre aspiração política. Quando o marquês de Sapucaí dizia no Instituto Histórico, do qual foi presidente, que "ninguém pode arrogar-se a glória, não digo só de ter feito, mas de ter apresentado a declaração da emancipação política do Brasil; este ato operou-se tão aceleradamente e por tal unanimidade de votos de todos os brasileiros, que pode dizer-se com verdade que os fatos encaminharam os homens e não os homens os fatos" - não podia ter em mente abranger o povo no sentido restrito da palavra. Este, antes de emancipar-se politicamente, tinha que se emancipar civilmente; antes de independência, carecia de alforria.

Acreditavam não poucos, mas tudo gente de fora, que os escravos dariam grande trabalho, contagiando-se nesse meio revolucionário que estava sendo o brasileiro e tentando contra os senhores represálias como as do Haiti. A recordação do quilombo de Palmares fortalecia essa impressão. Entretanto, seja mercê da influência da servidão, seja pela vigilância constante e pronta repressão dos brancos - oficiais e particulares - os casos de sublevação negra foram esporádicos, não se espalharam, antes foram facilmente sufocados [11].

O africano não foi o elemento perturbador, mesmo porque se ia diluindo no europeu, e o mestiço era antes politicamente amimado. Conta o encarregado de negócios da Áustria que no dia do batizado da princesa Januária, em 1822, a guarda da cidade foi confiada aos regimentos de mulatos, assim se respondendo à queixa dos regimentos de milícias, compostos na maior parte de caixeiros portugueses, que tinham apresentado uma petição a D. Pedro contra o excesso de serviço que para eles representava a retirada da divisão portuguesa, obrigando-os a descurarem seus próprios negócios.

O Rio de Janeiro em 1821 era uma cidade absolutamente sui generis. Colônia de Portugal até um lustro antes, não parecia uma cidade portuguesa: tinha todo o exotismo do Novo Mundo dentro da sua moldura tropical e americana, encaixilhando um arremedo de cidade peninsular, de ruas estreitas à moda árabe e chácaras de recreio à moda inglesa. Botafogo apresentava sua pequena baía orlada dessas chácaras, a que servia de sentinela do lado do mar o Pão de Açúcar e de pano de fundo montanhas cobertas de matas escuras, entre as quais se destacava o Corcovado, aonde costumavam de quando em vez subir a cavalo o príncipe real e a princesa Dona Leopoldina, que von Weech nos descreve como excelentes ginetes, ele resplendente de mocidade, queimada do sol a tez trigueira, ela rechonchuda e com a pele de loura afogueada pelo calor.

Centro de escravidão, parecia por esse lado o Rio de Janeiro uma cidade africana, com negros a fervilharem em todos os cantos - negros de ganho, carregando toda espécie de fardos, desde os mais leves até os mais pesados; negros do serviço doméstico, as negras de carapinha comprida e alta formando cilindro, denotando escravas de estimação, ao lado das outras, de carapinha curta; negros nas fileiras dos regimentos; negros remando nas catraias, puxando carroças de mão, transportando cadeirinhas metidos nos varais, de grilheta aos pés cumprindo sentenças e executando os serviços da edilidade; negros barbeiros ambulantes, operando ao ar livre in anima vili, porque os da gente melhor [12] tinham suas lojas e eram ao mesmo tempo sangradores; negros dentistas, de condição livre, ao passo que os barbeiros entregavam ou repartiam os lucros com o senhor.

O caldeamento das raças é que a princípio emprestara à capital brasileira seu aspecto peculiar e próprio, em que já havia um quê de alacre, de buliçoso e de irrequieto fornecido pelo céu transparente, pelo ar, ora de fornalha, ora de suave e fresca brisa, pela natureza de galas perpétuas, pela fusão de povos diversos na cor, na origem, no temperamento. Em 1822, por ocasião da independência, o Rio de Janeiro tomara porém o aspecto de uma cidade bastante cosmopolita na feição européia.

O comércio em grosso achava-se em grande parte nas mãos dos ingleses, que proviam os retalhistas nacionais e franceses. Estes tinham-se especializado como retroseiros, vendedores de miudezas e de artigos de modas. Havia contudo bom número de lojas inglesas, principalmente de seleiro, e os chamados ship-handlers, fornecedores de viveres e bebidas para as embarcações fundeadas ou em trânsito. Os alfaiates eram em parte franceses, em parte ingleses, assim como os padeiros; as tavernas todas inglesas, rivalizando com as dos portos britânicos; os ourives, da terra, traficando em artefatos do Porto - cruzes, cadeias, botões, corações e figas.

O artigo inglês - London superfine - primava no mercado. Eram as chitas e madapolões estampados, as casimiras, as quinquilharias, além das ferragens de Birmingham e da cutelaria de Sheffield. Diz Mrs. Graham que os retalhistas brasileiros, aliás mais descuidosos no atender aos fregueses, vendiam mais barato do que os estrangeiros, e que se encontravam sedas, crepes e outros produtos da mão-de-obra chinesa, o que se explica pelas comunicações diretas com Macau.

O trato com os estrangeiros alterara assaz os antigos hábitos de retraimento; modificara até a cozinha e introduzira certos hábitos de civilização, de antes desconhecidos e que o clima dificultava na maior parte do ano, convidando às sestas durante o dia e aos deshabillés caseiros. Escreve Debret que as senhoras vestiam com apuro (recherche), garridice e até espavento, usando geralmente cores claras e vivas. Primeiro houve no vestuário feminino uma infiltração inglesa, antes de vir a francesa, definitiva, que baniu de todo o capote - o josézinho, cujo sestro fora importado de Lisboa com a corte. O cosmopolitismo desse tempo ainda era porém um cosmopolitismo especial, de terra quente, ultramarina e apenas começando a conviver diretamente com os grandes centros de cultura.

A mudança da corte trouxera um acréscimo repentino e avultado de população das classes superiores, mas era um elemento descontente, que não encontrara nem boas acomodações, nem distrações do seu gosto no novo meio, pior no seu conceito do que qualquer meio de província portuguesa, porque era um meio dependente, um meio colonial, bárbaro no seu entender. Os fidalgos lisboetas enfastiavam-se a morrer no Rio, sem as óperas e bailados de São Carlos, que o São João nunca desbancaria: nem as tertúlias e serões dos seus palácios, esparsos por todos os bairros da cidade montanhosa e pitoresca debruçada sobre o Tejo; nem as vivas e alegres touradas ao sol quente, mas não inclemente do verão português.

Só Dom João VI gostava. A família real vivera todo o tempo dispersa. A rainha Dona Maria I, louca sem remédio, com suas enfermeiras, numa ala de convento improvisado no palácio, onde recebia a visita diária do filho extremoso; o príncipe regente em São Cristóvão, numa quinta particular transformada em paço, sem grandeza nem conforto sequer, onde os dois filhos se criavam à rédea solta, domando potros no picadeiro, pregando sustos às visitas com disparos de canhõesinhos e touros desembolados, entremeando de palavradas as conversas; a princesa Dona Carlota e as filhas, umas louras e delicadas, outras morenas e azougadas, pessimamente alojadas no casarão dos vice-reis, adorno principal do largo do desembarque, o qual era o prazo dado dos marítimos, das meretrizes e da gente do comércio.

Esta formava o grosso da melhor população fluminense até que se lhe agregasse o elemento aristocrático emigrado do reino. O Largo do Paço continuara porém a ser a distração favorita do pequeno burguês que vivia do aluguel de um ou dois escravos, ia pela manhã à missa, passava à fresca na casa de telha-vã as horas de calor e ali aparecia das quatro horas às Ave Marias a tomar ar, comer doces de taboleiro e beber água do chafariz refrescada nos moringues de feitio egípcio e mourisco, aurindo a viração marítima. Ao mesmo ponto afluíam e à mesma hora os negociantes à espera de navios que lhes vinham consignados e os capitães das embarcações mercantes surtas no porto. Sentados sobre o parapeito do cais, davam trela à má língua antes de continuarem a sessão nas boticas do seu conhecimento. Os oficiais das marinhas estrangeiras com unidades estacionadas no Rio costumavam desembarcar à noite, mas para passar algumas horas nos cafés dos começos da rua Direita, onde depois se chamou o Carceller, do nome da pastelaria que aí se abriu.

Pelas ruas do Rio de Janeiro deparava-se um carnaval perpétuo comparado com o qual o movimento de hoje figura de monótono. Era tal diversidade a imagem de uma sociedade de transição, na qual se misturavam os preconceitos do velho tempo e as aspirações da idade moderna, o ceticismo das crenças tradicionais e o ardor dos novos ideais, as recordações da época colonial e as promessas do período independente que se aproximava a vapor. Pouco faltava de resto para que, exceção feita dos estrangeiros, não se encontrasse pelas ruas um homem, sobretudo branco, sem o laço verde e amarelo e o mote Independência ou morte [13]. Tempo esse de intenso nativismo, em que o sentimento público mirava até com escassa simpatia os ingleses pelas estreitas relações que a Grã-Bretanha mantinha com Portugal[14].

Uma nota interessante que então se acentuou, mas que já soa na correspondência do enviado dos revoltosos pernambucanos de 1817, Cruz Cabugá e que deve ter florescido entre as lojas maçônicas do Novo Mundo, é a do espírito americano, em contraposição ao espírito europeu. Um dos capítulos de acusação ulteriormente formulados contra Dom Pedro I seria o de ser o imperador, embora constitucional, sectário do sistema europeu, a saber, do sistema monárquico, de opressão e tirania política, que a Santa Aliança não só simbolizava como aplicava. Por esse lado a doutrina de Monroe representava um produto das circunstâncias permanentes da América.

Não admira que mais tarde, Natividade Saldanha, o poeta e secretário da junta rebelde que proclamou a Confederação do Equador com Manuel de Carvalho Paes de Andrade à sua frente, referindo-se à política imperial, a tratasse não só de vacilante como de européia, e anti-americana, porque visava reunir nas mãos do mesmo soberano os cetros do Brasil e de Portugal. Já antes da independência, no discurso que, reunidos, proferiram ao príncipe regente os procuradores gerais das províncias do Brasil em 3 de junho de 1822, dele requerendo a convocação de uma Assembléia Constituinte do reino americano, declaravam esses primeiros representantes da nação: "O sistema europeu não pode pela eterna razão das coisas ser o sistema americano; e sempre que o tentarem será um estado de coação e violência, que necessariamente produzirá uma reação terrível". Entre os ministros de Estado que se conformaram com essa representação, já se achava José Bonifácio.

Na representação em que o comércio do Rio de Janeiro se dirigiu ao senado da câmara para sustar o efeito do decreto de 7 de março de 1821, determinando a partida real, eram recordadas como as grandes vantagens produzidas pela transferência da corte e que convinha consolidar: assegurar à dinastia um império "vasto e precioso que pela força das coisas e pelo andar dos tempos se separaria de Portugal como a América do Norte se separou da Inglaterra", conservar a Portugal na Europa um grau de consideração política que ele não poderia ter sem o Brasil e "poder dominar o Atlântico e o comércio do mundo, dando as mãos aos Estados Unidos da América" [15].

  1. Oliveira Viana, Populações meridionais do Brasil, na Revista do Brasil, n.º 20.
  2. Ernesto Quesada, La evolución econômico-social de la época colonial en ambas Américas, Buenos Aires, 1914.
  3. Pedro M. Arcaya, Estudos de sociologia venezuelana, Madri, 1917.
  4. Vida de Miranda.
  5. Expressão derivada do fato de pretenderem os nobres de ultramar, apegados por fim a tais exterioridades, que pelas leis suntuárias espanholas só as mulheres da sua classe tinham título ou direito a usarem de manto. A verdade é que semelhantes leis suntuárias não visavam a diferençar as classes sociais pelo ves0tuário, antes a impedir que qualquer delas malbaratasse seus haveres no luxo. Era uma política de restrição, a bem da economia particular e geral. A capa e batina dos estudantes de Salamanca e de Coimbra tinha por objetivo uniformizar na aparência os estudantes ricos e os pobres, para que estes não fossem humilhados pelos outros, tendo todos igual jus à ilustração intelectual que foi por onde se chegou à igualdade consciente.
  6. Pedro Areaya, ob. cit. Conta-se, e o fato é comprovado por documentos do arquivo ou Registro Principal de Caracas, que o governador da Venezuela, Ricardos, chegou a mandar que o carrasco saísse em dia certo pelas mas da cidade, vestido de gala e ostentando cabeleira (pelucon), que era ou se pretendia ser uma das regalias do traje dos nobres. No Chile dava-se o nome de pelucones aos nobres, em política conservadores.
  7. O poeta Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elísio) foi perseguido pela Inquisição por que, entre outras coisas, tratava os livros devotos de "besbelhos espirituais" e Jesus Cristo de profeta como os que o precederam, e negava dogmas: note-se que era clérigo. O nosso Moraes e Silva do Dicionário teve seus dares e tomares com o mesmo Santo Ofício, porque declarou concordar com a opinião dos que só achavam na religião revelada petas manifestas, duvidava de que uma gata, ao parir, pudesse ter dores porque não fora incluída no pecado original, e em refeições de quaresma comia com os companheiros de troças coimbrãs, presunto roubado. D. Vicente de Sousa Coutinho, embaixador de S. M. F. em Paris, era de idéias tão avançadas que na sua correspondência oficial chega a censurar o clero francês por não querer prestar o juramento ditado pela Constituinte (Sousa Monteiro, Boletim da 2.ª classe da Academia Real das Ciências de Lisboa, vol. I, 1903).
  8. J. Friedrich v. Weech, Reise nach Brasilien und den vereinigten Staaten des La-Plata-Stromes während den Jahren 1823 bis 1827. München, 1831.
  9. Arquivo do Departamento do Estado de Washington.
  10. Conta Debret (Voyage ao Brésil), o pintor da corte, que a repugnância nacional por transportar embrulhos era tal que uma vez viu um indivíduo pagar um vintém a um carregador para levar-lhe... um pau de lacre e duas penas de pato de escrever.
  11. Mareschal fala, entre os indivíduos presos por ocasião do adiamento da eleição dos procuradores gerais - espécie de conselho de Estado que se quis impor ao príncipe regente, ao mesmo tempo que junta fiscal, que se queria impor ao seu ministério - de um padre que andava pregando liberdade e igualdade aos negros. Talvez fosse o famoso agitador de rua conhecido por Macambôa, por ser formado em canones e clérigo sub-diácono, de fato advogado da Casa de Suplicação; ou então o padre Coes, figura obrigada dos motins dessa quadra.
  12. Em 1822 vieram barbeiros mais elegantes de Montevidéu fazer concorrência aos cabeleireiros franceses, dos quais o mais afamado, Mr Catilino, ficara abastado e passara o negócio ao oficial, que acompanhou a corte para Lisboa, sucedendo-lhe na voga e proventos o cabeleireiro de Dom Pedro, o francês Desmarets. O dentista imperial, um francês muito hábil, em sete anos fez fortuna (Debret, Voyage au Brésil).
  13. Correspondência oficial do encarregado de negócios americanos Condy Raguet. Ernesto Ebel, de Riga, chegado ao Rio a bordo do Brigue Theodor em fim de fevereiro de 1824, ainda encontrou os oficiais da saúde, polícia e alfândega usando no braço direito um escudo com a divisa independente e no chapéu o tope com as cores nacionais (Rio de Janeiro, Und seine Ungebungen in Jahr 1824 in Briefen eines Rigaer’s, St. Petersburg, 1828).
  14. Escreve Mrs. Graham que na recepção no Paço a 22 de janeiro de 1822, aniversário de Dona Leopoldina, Dom Pedro não prestou a menor atenção a súdito algum britânico, nem sequer aos comandantes dos vasos de guerra Aurora e Doris, que ali tinham ido dar realce à festa com os seus galões dourados.
  15. Dr. Melo Moraes, História do Brasil-Reino e Brasil-Império, Rio de Janeiro, 1871.