A representação portuguesa nas Cortes tinha benevolamente concedido à brasileira duas agências de previdência constitucional, que eram a comissão luso-brasileira, cujo parecer de 18 de março, posto pelo avesso pelo parecer posterior relativo à representação paulista, só depois de 1.º de julho, isto é, depois de votadas as medidas de repressão contra os díscolos de além-mar, entraria em debate, e a comissão especial brasileira incumbida de formular os aditamentos e modificações que a experiência das coisas da sua terra sugerisse a esses deputados, para fazerem parte da lei orgânica do Reino Unido, a fim de que esta pudesse operar sem atritos e muito menos desavenças como as que estavam assinalando sua discussão.
Era aparentemente, e para alguns sinceramente, uma tentativa final de composição, da qual a maioria portuguesa do Congresso conservava contudo nas mãos a regulação: era também o meio de encerrar a discussão do instrumento constitucional, a qual já se estava prolongando demasiado para um país que não via sem desconfiança esse ensaio de regeneração que punha fim a tanta idéia tradicional e a tanto costume querido.
A comissão constitucional brasileira foi formada de luminares da representação - Antônio Carlos, Vilela Barbosa, Fernandes Pinheiro, Lino Coutinho e Araújo Lima - e o resultado dos seus trabalhos foi apresentado a 17 de junho. O parecer correspondia ao mérito dos que o elaboraram, obedecendo à inspiração geral das instruções dadas aos deputados paulistas por José Bonifácio.
O regime do dualismo foi respeitado pela comissão, cabendo a cada reino sua legislatura e havendo um parlamento como hoje se diria imperial, para lidar com os interesses comuns - políticos, mercantis, militares, comerciais -, composto de 50 representantes, 25 de cada seção da monarquia, nomeados pelas respectivas legislaturas. Era um sistema muito parecido com o que depois conheceu a Áustria-Hungria quando se estabeleceu em 1867 o Ausgleich, com sua sessão anual das respectivas delegações parlamentares. Gozaria esse parlamento imperial do poder supremo de sancionar, ou de suspender por nociva aos interesses gerais da monarquia ou aos interesses privativos de cada reino nas suas relações um com o outro, a legislação emanada dos dois Congressos, nos quais tomariam assento os representantes das possessões asiáticas e africanas, conforme a própria escolha - a autodeterminação - destas colônias.
O executivo americano caberia ao herdeiro da Coroa, ou na sua impossibilidade a um membro varão da família real, ou em último caso a uma junta de regência, sendo representado em cada província por um delegado, equivalente a um prefeito de departamento no império francês ou, melhor ainda, a um presidente de província do império brasileiro, e assistido por secretários de Estado responsáveis. O governo de Lisboa só se reservaria em última instância a nomeação dos ministros do supremo tribunal de justiça - que a Constituição portuguesa acabou por estabelecer no Brasil pelo seu artigo 193, com atribuições iguais ao de Portugal [1]- e dos bispos, submetidos em listas tríplices à sua escolha. À alçada do regente ou da regência só escapavam assim o manejo das relações exteriores, a declaração de guerra, e a concessão de títulos honoríficos.
Este projeto correspondia à "independência moderada" de que falava Dom Pedro aos baianos, mas já existiam federalistas que queriam uma legislatura para cada província, e para os regeneradores chauvinistas tratava-se de pura "independência mascarada". Do ponto de vista constitucional uma objeção foi apresentada, que tinha o seu valor: a organização preconizada ofendia as bases da Constituição na parte em que esta estabelecia uma Câmara única. O exemplo da convenção francesa, a recordação da sua obra altaneira em defesa da França revolucionária atacada por todos os lados, erguia-se contra o princípio de uma segunda câmara conservadora, câmara absorvente no modelo que fora aventado, pois que lhe caberia a faculdade de anular a obra das legislaturas cis e transatlântica. A concessão desta legislatura, independente e superior na sua missão, aterrava mesmo mais do que a de uma câmara alta ou simples câmara revisora dos projetos da câmara baixa.
O argumento brasileiro, em resposta a essa objeção, de que Cortes Gerais eram só umas, essas, reconhecidas por toda a monarquia, não passando as outras de parlamentos locais, como o eram as câmaras municipais, legislando por posturas nas suas pequenas circunscrições, soa como um sofisma. Os que o formulavam mesmo reconheciam que a função censória do proposto parlamento imperial assentava porventura melhor à Corte Suprema de Justiça ou ao Conselho de Estado.
Outro argumento brasileiro tinha mais força e era o da necessidade de haver Cortes no Brasil que temperassem a ação do executivo, facilmente despótica sem esse freio. Logo houve quem se aproveitasse de tal receio para insinuar, em vez de um regente único, uma série de vice-reis, tantos quantas as províncias, o que obedecia ao plano persistente de romper a unidade do reino americano - "único e indivisível" dizia Lino Coutinho, arremedando a França da Convenção. Gomes de Carvalho a este propósito mostra a conversão do inteligente baiano, que era dantes um puro girondino, e lembra que José Bonifácio fizera escola. Se Cortes aliás deviam ser só umas, uma só devia também ser a regência, segundo as bases.
No espírito dos que defendiam com brilho e ardor o projeto da comissão havia mais sinceridade do que se pode à primeira vista imaginar. A independência era um grande ideal, mas cuja realização trazia no bojo uma ameaça, que era a do desmembramento do Brasil. Não se achava por acaso fragmentado o império espanhol da América? Resistiria o império português às tendências desagregantes, especialmente ao federalismo dissolvente que parecia querer primar entre o elemento avançado? O dualismo conservava vantagens manifestas, se fosse lealmente aplicado, num espírito de igualdade, e o deputado português Sarmento, nascido no Brasil, chegou a notar com razão que desde o advento do regime constitucional havia maior número de afinidades e mais coesão entre Portugal e Brasil [2]
A questão estava naquela lealdade da aplicação e também em poder-se suprimir certa conformação da mentalidade, comum a todas as metrópoles, que as faz sempre olhar para suas colônias com um desprezo mesclado de ciúme, tendendo a minguar-lhes a valia e a não descobrir nelas condições para um governo próprio. A maioria portuguesa não quis atender a razão alguma, nem mesmo aceder a que a legislatura transatlântica fosse apenas consultiva: não foi sequer admitida a discussão a proposta da comissão neste ponto essencial.
O príncipe real foi excluído do direito à regência brasileira pelo temor de que se afeiçoasse demasiado a terra - o exemplo de Dom João VI estava vivo e bem recente o trabalho que dera arrancá-lo de lá - e também pelo interesse dinástico e pessoal que o mesmo teria em não despedaçar a unidade política e administrativa do reino americano. O ideal para a maioria portuguesa das Cortes era a multiplicidade dos governos provinciais, a qual, dizia ela, agiria como o melhor corretivo no caso de despotismo do executivo, apontado como possível na falta de uma legislatura. A igualdade entendida doutro modo do que esse, ao revés, traduzia a seu ver a dependência da seção menor da monarquia.
O exemplo nada distante da separação da América Inglesa, por falta de uma compreensão lúcida da situação das treze colônias e do sentimento dos seus habitantes da parte dos homens de Estado britânicos então no governo, não ajudara a regeneração a enxergar melhor o perigo. Acumulava esta erro sobre erro, acumulando as provocações que eram ainda mais de atos que de palavras.
As discussões eram simultâneas, do parecer da comissão constitucional brasileira e do da comissão mista - o de 18 de março, cuja discussão recomeçou de fato após a adoção das medidas punitivas, não passando o de 10 de junho do produto da suspensão do debate anterior, motivada pelos denominados atos de rebeldia paulista - e simultâneas eram as denegações a tudo quanto fosse aspiração de verdadeira autonomia da colônia elevada a reino.
Enquanto nas Cortes lutavam as duas deputações, o governo brasileiro adiantava-se às resoluções tomadas em seu detrimento na sede da Monarquia. A convocação da Assembléia Constituinte convertera-se numa realidade, mesmo porque a condição real do Brasil brigava com os projetos de organização de que em Lisboa se discutiam gravemente os prós e os contras, como se nada houvesse de positivo para os regular além-mar de acordo com o meio político e social.
Assim a necessidade absoluta para o predomínio português de manter e sustentar Madeira na Bahia era o argumento mais forte contra a oposição doutrinária movida pelos brasileiros à divisão nas antigas províncias do poder civil do militar, um absurdo em direito público conforme mostrou Vilela Barbosa, porque ao executivo cabe sempre a disposição da força armada, sem a qual não poderia dar sanção às suas determinações.
O parecer procurara uma forma que se lhe afigurava viável, fazendo do comandante das armas membro da junta e com voto exclusivamente nos assuntos militares, obediente no entanto às decisões coletivas. Esta participação efetiva, pois que era deliberativa, do elemento militar na vida do executivo ou na administração pública, contrariou porém vários partidários da preponderância do elemento civil, como Vilela Barbosa, que mostravam desconfiar do arreganho bélico desses "pretores lusitanos que ficavam sendo membros natos dos governos locais, com a força das legiões que comandam" [3] quando Silvestre Pinheiro Ferreira pensava até que a nomeação dos comandantes de armas devia caber às juntas provinciais.
Nesta altura dos debates surgiu entretanto no seio das Cortes uma dúvida que era uma ameaça: subscreveriam os deputados americanos, interpretando fielmente seu mandato, o pacto constitucional cuja redação estava finda, mas no qual os direitos do reino brasileiro estavam exarados platonicamente, pois que na prática lhe andavam não só regateados como até recusados? Importava que o provisório das disposições gerais não adquirisse a permanência da lei, e de uma lei orgânica, sem esse ato adicional puramente brasileiro.
Cipriano Barata, com seu habitual desassombro, formulou o dilema nos termos menos equívocos, declarando que não dava sua assinatura se o parecer da comissão fosse adiado e a Bahia continuasse ocupada por tropas européias, portanto em estado de guerra. Por despique alguns dos antagonistas do Brasil emprestavam-lhe desígnios fratricidas, de pensar em fazer derruir o edifício da regeneração pela soldadesca da Santa Aliança e em apoderar-se das colônias portuguesas, ao que se devia responder estancando em Angola, com a proibição da saída de negros escravos, a fonte da prosperidade brasileira.
Para Moura, que repudiara sem rebuços o esforço que sobre si mesmo fizera para tornar por algum tempo conciliadora sua disposição anteriormente agressiva, a situação variara completamente desde que dela se podia traçar o seguinte esboço: em vez das juntas respeitarem todas, como dantes, as decisões das Cortes, "a de São Paulo desobedecia, injuriava e até negava a autoridade do Congresso, a de Minas legislava, a de Pernambuco obedecia numas coisas e desobedecia noutras, a da Bahia fazia raciocínios, a do Maranhão hesitava e a câmara do Rio reclamava independência". Tal estado de coisas fora sobretudo criado pelo proceder dos paulistas, o qual não podia ser encarado com tibieza e contemporização.
A 22 de julho, véspera do dia em que foram publicados os decretos de l.º de julho destinados a promover o rompimento definitivo, rejeitava o Congresso, mais uma vez dominado por Fernandes Tomás, que negava à América o que reclamara revolucionariamente para a Europa - governo próprio e responsável - o artigo do parecer relativo à subordinação do governador militar às juntas provinciais, aliás já rejeitado pela comissão. Ficava essa solução provisória de lado, aguardando a solução definitiva por meio dos artigos adicionais à constituição e ficava também adiada para então a discussão da emenda proposta por Alencar, do Ceará, que no intuito disfarçado de livrar a Bahia da presença de Madeira, sugeria a remoção dos comandantes de armas em conflito com as respectivas juntas provinciais.
Ficavam portanto os procônsules na plenitude da sua autoridade mais longa que a das juntas, e, quanto à retirada das tropas portuguesas, menos possível era ainda efetuá-la quando sua permanência obedecia, segundo Moura, a um tríplice fim: reprimir os independentes, guardar as pessoas e bens dos europeus e proteger os brancos contra os negros. O Brasil era quem mais perderia aliás, no conceito do orador da regeneração, com tal retirada, como se perderia avocando uma independência que o havia de despojar do caráter político europeu que então lhe dava a união com Portugal e o poria à mercê das ambições de potências cobiçosas, contra as quais se formularia, mas só no fim do ano imediato, a doutrina de Monroe.
A aceitação pelo príncipe regente do título de defensor perpétuo significava que sua residência no Brasil estava assente pelo menos até o falecimento de Dom João VI trazer-lhe mais altos e amplos deveres. Por mais que os deputados brasileiros explicassem que toda a política dos seus conterrâneos obedecia ao fito de pôr o reino americano ao abrigo da anarquia que se seguiria ao desaparecimento do seu centro executivo, os deputados portugueses nela só viam palpitar a ânsia da separação. E não se enganavam de resto muito, pois já deixara de ser possível manter a ligação.
Negando ao Brasil os direitos de um reino não só unido mas uno, esforçando-se para roubar-lhe a integridade, as Cortes regeneradoras tinham-no levado à necessidade imprescindível de desfazer a união. Os representantes ultramarinos andavam naturalmente adstritos a certas reservas, mas ocasiões havia em que as punham de banda e a verdade irrompia fremente dos seus lábios. Antônio Carlos numa dessas agitadas sessões de junho e julho não teve pejo de dizer que seguiria em tudo e por tudo a opinião da sua província. Se o Brasil se quisesse declarar independente, para ele seria um dever religioso acompanhá-lo nessa resolução.
Pelo mês de agosto as Cortes tinham perdido o melhor do seu interesse para os legisladores brasileiros e para os seus comitentes. Não se oferecia mais uma solução satisfatória para os dois lados. A comissão constitucional brasileira ficou, pelas substituições que nela ocorreram com a retirada de Fernandes Pinheiro, Antônio Carlos, Lino Coutinho e Araújo Lima, reduzida a um pessoal secundário: apenas se conservou Vilela Barbosa, agora com Martins Basto, Belford e Fortunato Ramos, gente aliás de comprovado sentimento nacionalista.
As figuras principais da deputação americana desertaram mesmo o cenário de discussões que pareciam de simples encomenda, travadas para encher tempo. Ainda se debateu a questão malsinada da regência. A comissão, desistindo da idéia de ter no Brasil o sucessor da Coroa ocupando o cargo ex-ofício, propusera uma única junta regencial de sete membros, escolhidos pelo soberano dentre os designados por cada província. Essa junta elegeria seu presidente e vice-presidente e organizaria uma lista da qual el-rei igualmente escolheria três secretários de Estado, todos - regentes e secretários - dependentes do governo de Lisboa e não podendo prover os bispados, nem os lugares do Supremo Tribunal de Justiça, nem os postos militares da mais elevada graduação, nem praticar atos internacionais nem conceder mercês honorificas.
A maioria portuguesa, cega a todas as ameaças e surda a todos os apelos, irritando-se antes com estes e com aquelas, repeliu a unidade da regência por ser demasiado vasto o país para uma só autoridade suprema julgar os recursos que subiam até sua decisão. Indispensável lhe parecia haver dois centros executivos, podendo o Brasil setentrional continuar por seu lado diretamente sujeito a Portugal, o que redundava em três fragmentos, dois com certa autonomia e um puramente colonial.
Era destarte que o Soberano Congresso se desobrigava da sua reiterada promessa de fazer julgar pelos representantes transatlânticos o que dissesse respeito à organização dessa seção da monarquia, remediando por meio de artigos adicionais o que não tivesse sido discutido com sua participação. Duas regências implicavam logicamente dois exércitos, cada um sujeito à sua autoridade suprema, e um mecanismo administrativo e judiciário local e superior. A defesa nacional ficava com isso singularmente comprometida, assim como perigava a manutenção da ordem pública, correndo mesmo o risco de rivalidades, discórdias e até conflitos entre essas porções políticas arredadas sem razão umas das outras.
O voto do Congresso, que Gomes de Carvalho muito bem apelida de manhoso, foi por fim, como que cedendo à comissão, a favor de uma regência coletiva única, da qual pudessem ser separadas algumas províncias para ficarem sujeitas ao governo de Lisboa. Era pior do que manhoso, porque era estúpido. E verdade que dava a ilusão do respeito à vontade particularista das províncias que se quisessem desprender do seu centro americano, mas o desígnio oculto era garantir a Bahia, conservada portuguesa pela espada de Madeira, contra a vassalagem à regência brasileira.
A maioria eliminou ainda da última proposta brasileira, que Guerreiro defendeu sem a cláusula de opção política que lhe foi apensa - achando apenas eqüitativa a continuação da dependência do Pará-Maranhão do governo de Lisboa, enquanto a sede da regência brasileira não fosse transferida do Rio para ponto mais central - a eleição popular dos propostos à seleção real.
Dada a organização monárquica do país, uma delegação executiva parecia com efeito dever ser de plena e livre escolha do monarca de quem constituía a representação direta e imediata. Por outro lado, porém, tinha bastante de despótico esse executivo local de pura nomeação do soberano, sem o contrapeso de um poder legislativo, apenas o de uma imprensa atrevida, que ainda não aprendera a ser comedida, e com a fiscalização longínqua do Congresso de Lisboa. O teor da proposta, tal como foi aceita, ficou sendo o seguinte: el-rei nomearia os membros da regência após ouvir seu conselho de Estado, que era escolhido pela legislatura nacional.
Não se limitaram contudo as disposições hostis ao Brasil às questões de organização constitucional. A autorização para a celebração de um empréstimo de 4.000 contos abrangia o custeio de expedições militares contra as províncias rebeldes, para onde o governo de Lisboa pensava transportar os voluntários reais da Banda Oriental, 3.600 homens que a indisciplina espreitava.
Por um lado o vivo antagonismo político suscitado entre os elementos europeu e americano no Brasil e que, tornando-se agudo, levou à transformação do reino autônomo em império independente, e por outro lado a adesão da campanha à cidade de Montevidéu, fizeram com que as forças portuguesas da guarnição não mais achassem fora de propósito que os elementos patrióticos da Província Cisplatina se voltassem para Buenos Aires, cujo governo apesar de inspirado por um ministro como Rivadavia, não considerou todavia oportuno o momento para se lançar numa guerra que poderia acarretar a extinção do laço político federal que desde pouco ligava as Províncias Unidas, preferindo tentar o recurso diplomático com a missão de D. Valentim Gomez, a qual gorou por completo.
Os voluntários reais não queriam na verdade contribuir para assegurar a unidade e integridade de um Brasil poderoso, que detivesse a importante posição de Montevidéu. Diziam-se, segundo refere Cairu, atacados de nostalgia, pelo que o velho economista os compara aos suíços pelo desejo que estes mostravam, quando ao serviço do estrangeiro e sem a menor quebra aliás da sua reconhecida fidelidade, de regressar para seus cantões. O decreto de convocação da constituinte brasileira ofereceu-lhes o pretexto da sublevação.
O brigadeiro D. Álvaro da Costa de Sousa de Macedo seduziu para isso a principal oficialidade e tropa e, em conseqüência, a proclamação do conselho militar de 28 de junho repeliu in limine toda coligação com as outras províncias do Sul para separarem o Brasil de Portugal. Se os brasileiros se julgavam com direito a tanto, não os podiam auxiliar soldados portugueses nessa empresa desleal: motivos de honra e melindre disso os inibiam". A providência tomada pelo regente de dissolver o conselho militar não impediu a sublevação de tornar-se efetiva, apoderando-se D. Álvaro da cidade, usurpando o governo e obrigando o general Lecor, que no entanto assinara a proclamação do referido conselho, a retirar-se para a campanha com a parte da tropa que lhe ficara fiel e alguma força uruguaia comandada por Frutuoso Rivera. Também a guarnição da Colônia do Sacramento continuou firme na sua adesão à causa brasileira. O castigo infligido no Rio aos soldados da expedição de Francisco Maximiliano contribuiu depois para acirrar as disposições dos rebeldes, cuja atitude se prolongou como tal pela fase da independência e só então recebeu seu desfecho.
A rejeição sistemática de quanto fosse projeto favorável ao Brasil e a adoção igualmente sistemática de quanto fosse contrário aos seus interesses ou às suas simpatias tinham semeado o desânimo entre a deputação brasileira, pelo menos entre a grande parte dela que era brasileira de nome e de sentimento, ao ponto de julgarem esses ociosa sua presença. Não queriam entretanto as Cortes ir até as conseqüências lógicas da sua política, que abrangiam a exclusão, de resto requerida por Antônio Carlos e alguns colegas paulistas, dos representantes das províncias que tivessem abraçado a causa da regência, províncias portanto taxadas de rebeldes.
A regeneração preferia jungi-las ao seu carro de triunfo, por mais inconseqüente que pudesse parecer, a partir da decisão de 3 de junho relativa à constituinte brasileira, a simultaneidade da presença de representantes das províncias do Brasil no Rio de Janeiro e em Lisboa, onde o Congresso deixara de ser imperial. O estado de espírito da maioria das Cortes continuava porém a ser tal, e aliás fatos havia que o tornavam exeqüível, que muitos eram ainda no seu seio os que contavam com a continuada adesão ultramarina, tantos quantos os que descontavam o malogro da tentativa parlamentar de união.
As figuras principais dentre os americanos eram nacionalistas: vários destes eram antes bairristas, mas por esta circunstância mesma e pela sugestão ainda poderosa que a mãe-pátria exercia sobre outras das figuras, a deputação brasileira estava longe de oferecer um todo coeso e uniforme, do que a maioria tirava partido para mais facilmente fazer pesar sobre o reino transatlântico o jugo da sua preponderância.
Nem pela rebeldia parecia dado às províncias separarem-se da Monarquia e assim se ia engendrando uma situação embaraçosa. A Bahia por exemplo debatia-se nas convulsões de uma luta armada: aos seus deputados entretanto cumpria ficarem e votarem a constituição que lhes ia ser apresentada como a lei orgânica do Reino Unido e que sua terra estava dando provas inequívocas de repulsar, pelo menos sem ter a oportunidade de discuti-la e modificá-la por meio da sua própria legislatura.
Fervia a rebeldia não só fora como dentro das Cortes com as declarações dos deputados díscolos, fundadas nos votos dos seus comitentes, que aqueles interpretavam intencionalmente como revogações de mandatos; fundadas também na lógica dos fatos. O Brasil já possuía por vontade da nação um arcabouço constitucional que Portugal não admitia e de que não cogitava sua constituição, a qual devera ser comum. Em oposição a uma regência "temporária e amovível", exercendo sua autoridade por delegação do executivo de Lisboa, o Brasil tinha agora um "defensor perpétuo" aclamado pelo povo e ia ter sua assembléia legislativa. Muitos derivavam daí razão para não quererem jurar a constituição, cujo voto estava iminente no mês de setembro.
Em que posição ficavam esses, diante que fosse das suas consciências, se aceitassem um pacto que, uma vez promulgado, coagia o príncipe a deixar a regência e regressar para Portugal sob pena de perder o direito de sucessão à Coroa? Cederia o Brasil o penhor único que possuía da sua soberania, a garantia exclusiva da sua autonomia? E com que direito assumira Portugal o encargo de dirigir a organização brasileira, quando entre as duas seções da Monarquia desaparecera a primazia desde a trasladação da corte para o Rio de Janeiro e quando Portugal rompera revolucionariamente os lados que as uniam, procedendo à sua própria organização de acordo com as normas de um regime que não era o estabelecido?
O deputado baiano, padre Marcos Antônio de Sousa, numa carta [4]. escrita de Londres a um amigo em 29 de março de 1823, tratava a obra das Cortes de "peripatetismo democrático" e, ao chegar ao Rio a 23 de maio do mesmo ano, apresentou ao imperador um histórico elucidativo [5] das ocorrências passadas no Congresso e por ele qualificadas de "grande terremoto político produzido pelo interesse mercantil de restringir ao Tejo e Douro o comércio brasileiro".
A questão econômica tinha-se com efeito identificado com a questão política a ponto tal que não era mais possível destrinçá-la. As Cortes moviam-se sob o duplo e associado impulso do amor próprio português e do interesse nacional. O juramento das bases constitucionais firmara apenas a igualdade dos direitos e não se reportava a modalidades que podiam ser peculiares a um ou a outro reino. A adesão brasileira ao constitucionalismo fora franca e espontânea, mesmo porque ninguém há que se preste voluntariamente à sujeição. Estava entendido que o regime a adotar-se seria de comum e recíproca liberdade.
Nos últimos debates das Cortes reapareceu a este propósito, nos lábios de Alencar, o mesmo argumento que fora empregado para vencer as hesitações da junta de Pernambuco presidida por Gervásio Pires. Dom Pedro não excedera seu mandato convocando Cortes no Brasil, porque a autoridade de que ele agora se achava revestido não era mais a que lhe fora delegada por el-rei e sim a que lhe fora confiada pelo povo brasileiro, o qual procedeu nessa crise como o povo português na sua reivindicação de 1820.
Num ponto parecia assistir aos regeneradores razão, e era que os brasileiros tinham jurado aceitar a constituição que fosse elaborada nas Cortes, onde seus mandatários tiveram ensejo de discuti-la amplamente e pode dizer-se que até certo tempo livres de coação, não desconhecendo que constituíam minoria e que nas assembléias são as maiorias que prevalecem. Era esta porém precisamente a argüição dos brasileiros: que não havia para eles meio de levarem por diante vantagem alguma quando o volume dos votos portugueses lhes barrava o caminho. Nestas condições toda discussão era um ludibrio e buscava-se o meio de fugir a representação brasileira ao compromisso constitucional.
Propôs-se também, e nesta proposta foi conspícua a deputação pernambucana, como na contrária à assinatura tinham sido salientes as deputações paulista, baiana e cearense, aguardar notícias do acolhimento dispensado pelas províncias do Brasil ao chamamento da União para Cortes privativas nacionais. Se viesse a dar-se a dualidade de legislaturas, para que jurar o que deixava por si mesmo de ser um pacto para ser tão somente a lei orgânica de uma das seções da Monarquia? O pacto a fazer-se seria então o resultado de uma transação entre as duas assembléias constituintes e soberanas.
É de 11 de setembro a indicação apresentada pelo padre Marcos Antônio e outros deputados, dizendo que o "Congresso tinha destruído a base principal da legislação e que aquela constituição não era legal por não ser conforme à vontade geral do Brasil ou da maioria da nação, e por conseqüência não valiosa; e qualquer assinatura devia ser considerada coata, e por isso nula, e irrito o juramento acessório, que não legaliza um contrato de sua natureza inválido e ofensivo dos direitos mais sagrados de um grande povo". Por este meio, dizia o futuro bispo do Maranhão na carta citada, "temos salvado o direito dos nossos constituintes e a nossa honra responsabilizada aos nossos compatriotas".
O argumento capital dos portugueses era que aos brasileiros competia dar execução ao mandato que tinham recebido e não adiarem a discussão final com subterfúgios. Tinham entretanto os brasileiros podido cumprir seu mandato? Eles afirmavam que não, porque todas as suas propostas tinham sido rejeitadas, todas as suas aspirações cortadas, todas as suas esperanças ceifadas. Não se tratara da votação de projetos sem transcendência: tratara-se do assunto da maior relevância para uma comunidade, qual a carta dos seus direitos. Acima das excelências do texto constitucional estava a vontade das populações para as quais devia ela servir de instrumento patriótico.
Não houve afinal com relação à assinatura e depois ao juramento da Constituição Portuguesa de 1822 uniformidade de ação da parte dos deputados brasileiros, sinal de que a união se achava quase formada do outro lado do Atlântico, mais ainda o não estava deste lado, apesar da irmandade dos esforços desenvolvidos em prol de uma mesma causa. O que houve foi muita vacilação, bastante discordância de opiniões e alguma pusilanimidade, exceção feita dos paulistas, dos quais Fernandes Pinheiro foi o único a condescender com a atitude da maioria, a qual entendeu que nenhum representante da nação devia ser dispensado da sua obrigação, não só parlamentar como cívica. Em certos espíritos influiu para igual condescendência a circunstância do nascimento, noutros as tradições das suas terras.
Aconteceu para mais que o juramento teve lugar a 30 de setembro e desde a véspera que as notícias chegadas do Rio davam a segurança da independência legislativa do reino americano. Escreve Gomes de Carvalho que no ânimo do maior número dos que juraram pesou a consideração de que um ato anormal e violento como tal recusa, traria de novo em Portugal o despotismo, dada a tendência crescente à reação. E de fato a independência do Brasil foi a razão determinante da dissolução em 1823 do regime constitucional português de 1820.
Nos clubes da regeneração era naturalmente viva a sanha contra o governo da regência brasileira e os deputados de além-mar que persistiam em não aprovar a Constituição estavam especialmente indicados para os desforços da demagogia. O padre Marcos Antônio de Sousa refere na sua carta já citada que "houve denúncia ao intendente geral da polícia que se tramava uma conspiração contra os brasilienses". Destes alguns tinham abandonado o Congresso, Outros protestaram que não era espontânea a sua assinatura da lei orgânica.
Entre os mais notáveis dos representantes do reino americano, juraram a constituição Araújo Lima, Vilela Barbosa Alencar, Castro e Silva, Borges de Barros e Manuel Zefirino dos Santos. Dois, Lino Coutinho e Muniz Tavares, que tinham assinado, abstiveram-se de jurar. A 6 de outubro soube-se que na véspera tinham clandestinamente embarcado no Marlborough, com direção a Falmouth - aceitando-os o capitão sem passaportes por saber que a legação britânica permitia que ele fechasse os olhos a essa infração das disposições policiais do porto - os paulistas Antônio Carlos, Bueno, Feijó e Costa Aguiar de Andrada e os baianos Cipriano Barata, Lino Coutinho e Agostinho Gomes.
A decepção foi grande e grandes os impropérios que a exprimiram. A 15 de novembro o Congresso Constituinte cedia o passo às Cortes ordinárias, onde os deputados brasileiros ficavam com assento, para não ser interrompida a representação ultramarina, até chegarem os novos eleitos. Foram porém finalmente excluídos da assembléia legislativa os mandatários das províncias consideradas rebeldes, isto é, aquelas que elegessem deputados à Constituinte Brasileira, ou reconhecessem a regência do Rio, cassado por desobediência ao governo de Lisboa.
Já então a maior parte, quase todos, os cearenses e baianos nomeadamente, tinham desertado de vez às sessões. Araújo Lima, sempre amigo da legalidade, convidado a embarcar, declarara que o não faria sem passaporte. Agora ficavam sem direitos à representação os deputados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Ceará. O que sobrava era a arraia miúda e esta mesma se absteve quase unanimemente de comparecer na legislatura ordinária, uma vez posta a questão em semelhantes termos. O Brasil acabou representado tão somente por dois portugueses - o padre Domingos da Conceição (Piauí) e o desembargador Segurado (Goiás) - e dois brasileiros - Francisco de Sonsa Moreira (Pará) e José Cavalcanti de Albuquerque (Rio Negro), o qual viera ocupar o lugar que o seu substituto estava preenchendo. O escol e o número, tudo havia debandado.
Uma vez chegados a Falmouth, os deputados retirantes redigiram o seu protesto. Antônio Carlos e Costa Aguiar de Andrada fizeram-no mais prolixamente, os outros mais sucintamente, todos declarando em resumo que se retiravam das Cortes por terem visto nelas malogrados seus esforços a bem dos interesses do seu país, meditarem-se apenas planos hostis contra o mesmo e oferecerem-lhes para ser jurada uma Constituição na qual só se encontravam disposições humilhantes para o Brasil. Nestas condições, proibindo-lhes suas consciências que aceitassem tal lei orgânica, sua permanência não era mais do que uma provocação inútil aos doestos e aos atentados que não respeitavam sua inviolabilidade, nem sequer sua liberdade civil.
O manifesto de Antônio Carlos e de Costa Aguiar de Andrada, de 20 de outubro - o outro é de 22 [6] - é parecido na argumentação e até na linguagem com os manifestos de agosto. As idéias são idênticas, como não podiam deixar de sê-lo, e expressas com igual paixão: há um ar de família entre esses documentos. Os dois deputados paulistas citam as ameaças anônimas que recebiam e denunciam o projeto que havia de assassiná-los, "adotado pelas sociedades secretas", do que "alguns poucos bem-intencionados" lhes deram aviso, queixando-se eles da "plebe assalariada pelo partido jacobínico".
O protesto de Antônio Carlos contra o Astro da Lusitânia, escrito em Londres e datado de 9 de novembro, é particularmente interessante pela corroboração do conceito que para a separação dos dois reinos as Cortes contribuíram essencialmente. Antônio Carlos fora por esse periódico citado como um velho independente. "Quando eu me achei no Rio de Janeiro, escrevia ele em resposta, ainda ninguém pensava na independência ou em legislatura separada; foi mister toda a cegueira, precipitação e despejado anúncio de planos de escravização para acordar do sono da boa fé o amadornado Brasil e fazê-lo encarar a independência como o único antídoto contra a violência portuguesa".
Antônio Carlos explica-se com habilidade e no entanto com sinceridade, acrescentando: "Não pretendo com isto incluir-me no número dos que não sonhavam com este desejo futuro; não por certo; não tenho tão curta vista que me escapassem as vantagens de só pertencermos ao pacífico sistema americano, e nos desprendermos dos laços da revolta Europa; mas o respeito à opinião contrária do Brasil naquela época, a prudência de não querer avançar um só passo que não fosse escorado em anterior experiência, e sobretudo o natural aferro ao doce sentimento, filho do parentesco e comum origem do Brasil e Portugal, junto à precisão que ainda me parecia ter de algum apoio a minha pátria, para segurar-lhe os primeiros passos em a nova e escabrosa carreira de uma repentina emancipação, fizeram com que abafasse os meus desejos e os adiasse para mais oportuno tempo".
O que sucedeu como Antônio Carlos aconteceu a uma infinidade de outros espíritos, cuja evolução política nacionalista foi rápida uma vez que a favoreceram e impeliram as circunstâncias. Outro ponto interessante, embora restritamente pessoal, do seu protesto, é o que trata da sua pretensa incompatibilidade para íntimo conselheiro do príncipe regente, por terem sido seus primeiros princípios democráticos. Antônio Carlos sustenta que a liberdade civil e política tanto pode dar-se em formas republicanas como nas monarquias representativas e que "seria perder o fruto da experiência se não abandonássemos o caminho que nos desviava do objeto desejado".
E ajunta: "Um brasileiro liberal podia crer em 1817 ser necessário aderir a republicanos, e hoje adotar as instituições monárquicas. Em 1817 a casa reinante, enganada pelo ódio português, acabrunhou o Brasil: era pois óbvio lançarmo-nos nas formas republicanas, que só então permitiam emancipação. Hoje, graças à Providência, S. A. Real conhece os seus verdadeiros interesses, e está convencido que a emancipação do Brasil é o passo preliminar da sua prosperidade e da glória do seu reinado, e tem desta maneira ajuntado em roda de si os verdadeiros patriotas. E desta arte, obtendo-se na Monarquia o mesmo que se buscava nas repúblicas federadas, não pasma que nenhum republicano mude de partido. Quanto mais que jamais se provará que a minha cooperação em 1817 passasse de passiva tolerância e chegasse a ativa participação". Esta última frase era dispensável, mesmo porque não é exata. Antônio Carlos fraquejou por ocasião do processo dos revolucionários de 1817 e, para coonestar sua debilidade que tanto contrasta com a altivez do padre Miguelinho por exemplo, deu para repudiar uma solidariedade que toda a documentação histórica prova haver existido e sido até íntima.
Chegou Antônio Carlos ao Rio a 30 de janeiro de 1823, no brigue inglês Regente, vindo de Londres em 49 dias. Lino Coutinho, Cipriano Barata, Agostinho Gomes, Bueno e Feijó partiram de Falmouth a 8 de novembro e ficaram em Pernambuco, por lhes haver constado que duas corvetas de guerra da esquadra portuguesa cruzavam na altura dessa barra. O brigue chegou ao Rio a 31 de dezembro, tendo feito, ao que se refere, a viagem de Pernambuco até lá em sete dias, o que é extraordinário.
O manifesto publicado no Recife a 3 de janeiro de 1823 por aqueles cinco representantes tem efetivamente a data de 24 de dezembro e relata que no Funchal o povo se amotinou com a presença dos brasileiros, querendo o governador da Ilha da Madeira arrancá-los de bordo. Imperou contudo ulteriormente mais avisada resolução, tanto mais quanto o cônsul britânico assegurou aos retirantes políticos para sua pátria que empregaria a resistência que estivesse ao seu alcance para evitar esse ultraje ao pavilhão do seu país. Os ex-deputados aconselharam o povo pernambucano que se premunisse porque em Lisboa se tramava uma expedição contra o Brasil, ou mais precisamente contra Pernambuco e Alagoas, províncias descritas em Portugal como anarquizadas, com um governo que é "um fantasma" e tropa sem disciplina em que os soldados comandam os oficiais".
Medidas violentas como a projetada invasão eram de natureza a produzir vítimas inocentes entre os residentes de nascimento europeu. Não se descuidou porém Cipriano Barata de atiçar o fogo, dirigindo-se também aos seus conterrâneos baianos para condenar o preceder dos portugueses. Secundou-o fortemente nesta literatura de combate o seu colega de deputação padre Marcos Antônio de Sousa, vigário da Vitória, na Bahia.
Cipriano Barata era um democrata exaltado, um republicano; o padre Marcos Antônio era acentuadamente conservador, identificando o liberalismo com o jacobinismo. Suas idéias concordam com as de Antônio Carlos: um vindo da democracia revolucionária, o outro da religião tradicional, comungavam juntos no altar da realeza constitucional. "Nas monarquias representativas, e bem organizadas, a realeza é venerada. Apesar de toda a liberdade nos debates do parlamento inglês, o monarca é o primeiro cidadão e goza toda a responsabilidade no meio de uma nação livre. Assim pratica o povo mais ativo, e moral, do mundo civilizado, e por isso é mantida na Inglaterra a ordem pública. Em toda a parte não é só acreditado o governo inglês, como elogiado o caráter da nação... Remata o abaixo-assinado o seu protesto, e reclamação, declarando que depois da fatal experiência da França, não é mais tempo de se alucinarem os homens com o otimismo político e governo perfeito. República universal, felicidade perfeita sobre a terra, é quimera; o homem só deve procurar sua felicidade na moral, nos sentimentos virtuosos, e por conseqüência na obediência às leis, aos imperantes, e autoridades, legitimamente constituídas. Enquanto se ocupa com o reino de entes metafísicos, com repúblicas platônicas, e utopias para inteligências puras, enquanto distraído das ocupações úteis se entrega a vás teorias, o tempo voa, a sepultura se abre diante dos seus passos".
O alicerce político do Brasil tinha de ser uma Monarquia constitucional e liberal associada à democracia, que estava nos hábitos como o liberalismo estava nas idéias. Aristóteles, o maior dos filósofos da antiguidade, escreveu aliás que democracia pura não passava de tirania.
Notas
editar- ↑ As atribuições deste tribunal eram: conhecer dos erros de ofício dos ministros do mesmo tribunal, dos das relações, dos secretários e conselheiros de Estado, dos ministros diplomáticos e dos regentes do reino, cabendo às Cortes aprovar a formação de culpa para as quase últimas classes; conhecer das dúvidas sobre competência de jurisdição; propor e dar parecer sobre a inteligência de alguma lei de interpretação duvidosa, para se seguir à declaração das Cortes, e conceder ou negar a revista a ser julgada pela relação competente, com a responsabilidade efetiva dos juizes.
- ↑ Por esses dias, nos começos de julho, tomaram assento Costa Aguiar de Andrada, de São Paulo, e Francisco de Sousa Moreira, do Pará, partidário da causa brasileira como o bispo o era da portuguesa, partilhando este caráter com Grangeiro, das Alagoas, Lemos Brandão, do Rio, e os representantes do Maranhão, ou melhor dito Beckman.
- ↑ Representação fluminense de 20 de maio de 1822.
- ↑ Documentos publicados por Melo Moraes
- ↑ Documentos publicados por Melo Moraes.
- ↑ Correio Brasiliense.