XV

Os filhos do medo



MAS Pedrinho começava a achar muito estranho tudo aquilo. Duendes, monstros, capetas... Estaria sonhando o ou tais criaturas existiam de verdade?

— Ando desconfiado, amigo saci, de que tudo isto não passa de sonho, disse ele. E de sonho mau, ou pesadelo. Acho horriveis esses monstros....

— E´ natural que sejam horriveis, respondeu o saci. O criador de todos eles chama-se Medo, e o medo jamais criou alguma coisa bela. Você sabe que é o medo, Pedrinho?

Pedrinho gabava-se de não ter medo de coisa nenhuma, exceto vespa. Mas não ter medo é uma coisa e saber o que é medo é outra. Pedrinho não tinha medo, mas sabia que o medo existe, porque diversas vezes o medo deu bótes contra ele, para agarra-lo.

— Sim, sei, respondeu. O medo vem da incerteza. Acho que a mãe do medo é a falta de certeza.

— E o pai do Medo é o Escuro, concluiu o saci. Enquanto houver escuro no mundo, haverá medo; e enquanto houver medo haverá monstros, como esses que você vai ver.

— Mas se a gente vê esses monstros, então é existem mesmo, disse Pedrinho. O que a gente vê, existe.

— Existe para quem vê, não nego, respondeu o saci.

Mas quem está nas unhas do medo vê coisas que ninguem mais vê. Porisso digo que esses monstros existem e não existem.

— Não entendo. Se existem, existem. Se não existem, não existem...

— Bobinho! Uma coisa só existe quando a gente acredita nela; e como uns acreditam e outros não acreditam, uma mesma coisa pode existir e não existir.

Aquela filosofia do saci começava a dar dor de cabeça no menino, que acabou dizendo.

— Chega. Não vim aqui para filosofar e sim para conhecer os segredos da floresta. Como ha muito medo no mundo, devem existir muitos filhos do medo que você ainda não me mostrou.

— Se ha! Os medrosos são os maiores criadores de coisas que existem. Não tem conta o que sai da imaginação deles. E nisso os antigos donos destas terras, os indios, e tambem os negros que vieram da Africa, foram mestres.

— Barnabé, por exemplo, disse Pedrinho. E´ um danado para saber coisas, com certeza, inventadas por ele mesmo. Mas conte algo do que os indios acreditam.

— Os indios, e depois os mestiços desses indios, criaram historias que não acabam mais. Conta-las todas seria impossivel. Vou apenas referir-me a algumas das suas crenças. Os indios eram filhos das selvas, e viviam em contacto direto com a natureza. Não usavam luz de noite nas choupanas, como vocês usam nas suas casas, e porisso tinham mais medo que os civilizados. Vou contar a historia do Cauré.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.