XXVIII
A Cuca
SUBITO, o saci exclamou:
— E’ lá!
— E’ lá o que? perguntou Pedrinho.
— A caverna da Cuca, naquela montanha de pedras nuas. Conheço muito bem estes sitios.
Pedrinho olhou na direção apontada e só viu grandes massas de sombras. Apesar de ser noite de lua, havia nevoas no ceu, de modo que a claridade não dava para perceber mais que o vulto da montanha que tinham pela frente. Que a região era pedregosa, isso Pedrinho logo percebeu, tais faiscas tirava do chão o seu cavalinho pangaré. Entretanto, não tropeçava, o que seria naturalissimo num animal acostumado a só trotar por bons caminhos ou campos livres de pedras.
— Estou estranhando este cavalo! não pode deixar de dizer o menino. Positivamente não é o mesmo. Nem sequer tropeça...
— E’ que lhe dei a comer sete folhas duma planta que só eu sei para que serve.
— Logo vi. Seria otimo que me ensinasse o segredo dessa planta. Com ela a gente poderia até transformar um burro morto em Bucefalo...
O saci, apesar das suas habilidades e espertezas de demoninho, ignorava a historia dos cavalos celebres, e pois ficou na mesma com a citação do tal Bucefalo.
— Que bicho é esse? perguntou ele.
— Oh, era o cavalo de Alexandre, o Grande, um cavalo bravissimo, que nenhum homem, fóra Alexandre, jamais conseguiu domar. Um dia, quando estivermos sossegados, hei de contar a historia dos grandes cavalos.
— Sim, interrompeu o saci, mas agora feche o bico. Estamos nos dominios da Cuca, onde qualquer imprudencia nossa póde nos custar muito caro. Essa horrenda bruxa tem ouvidos ainda mais apurados do que os meus.
Pedrinho calou-se.
Nisto a lua saiu de trás das nuvens e ele pôde ver melhor o sitio onde se achava. Bem á frente erguia-se a muralha duma montanha de pedras negras, com arvoredos retorcidos brotando das brechas. Era uma paisagem diabolica, que punha nos nervos das criaturas os mais exquisitos arrepios. Lugar bom mesmo para morada de monstros como a tal Cuca...
— E’ ali! murmurou baixinho o saci, apontando para uma abertura negra. E’ ali a entrada da caverna da senhora Cuca...
— Como sabe? perguntou Pedrinho tolamente.
— Que pergunta! respondeu o saci com ironia. Sei porque sei. Tinha graça que um saci não soubesse onde mora a Cuca... Mas, silencio! Temos que entrar com mil cautelas, de arrasto, como se fossemos cobras. Não! Não! O melhor é nos disfarçarmos em folhagem.
— Como isso?
— Nada de perguntas. Faça o que eu fizer, sem discutir, ordenou o diabrete, afastando-se dali para arrancar braçadas de folhas da arvore mais proxima. Pedrinho fez o mesmo. Em seguida o saci lascou da mesma arvore umas embiras, com as quais amarrou a folhagem em redor do seu corpinho. O menino fez o mesmo.
Ficaram tal qual dois arbustos moveis e, assim disfarçados, dirigiram-se para a caverna do horrendo monstro, pé ante pé, tão devagarzinho que levaram vinte minutos para caminhar uns poucos metros.
Subito, ao dobrarem uma curva, viram lá num canto a rainha. Estava sentada diante duma fogueira, de modo que a claridade das chamas permitia que as “folhagens” lhe vissem a carantonha em toda a sua horrivel feiura. Que bicha! Tinha cara de jacaré e garras nos dedos como os gaviões. Quanto á idade, devia ter para mais de tres mil anos. Era velha como o Tempo.
— Estamos de sorte, disse o saci ao ouvido do menino. A Cuca só dorme uma noite cada sete anos e chegamos justamente numa dessas noites.
— Como sabe? indagou Pedrinho, cuja curiosidade não tinha limites.
O saci danou e ameaçou-o, se continuasse com tais perguntas, de deixa-lo ali sózinho para ser devorado pelo monstro. Em seguida queimou na brasa do pito uma misteriosa folha, que havia apanhado pelo caminho sem que o menino o percebesse.
— Esta fumaça vai fazer que o sono da rainha seja mais pesado do que todas as pedras desta gruta. Depois de estar completamente adormecida, temos de amarra-la, muitissimo bem amarrada.
Logo que a fumaça alcançou o focinho da Cuca, esta, que já estava dando mostras de sono, pendeu a cabeça de lado e roncou.
— Já caiu no sono, disse o saci. Podemos agora tirar nossa roupa de folhas e sair em busca de cipós. Conheço um cipó que vale por quanta corda existe — até parece cipó proprio de amarrar cucas...
Despiram-se das folhas e sairam da caverna muito satisfeitos, porque as coisas estavam correndo ás mil maravilhas.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.