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A esperança

 

claridade da lua, a conversação animada de Paulino, suas expressões sinceras e meigas, haviam-n'a elevado acima d'este mundo: n'esses momentos viveu n'esse paraiso que ella tantas vezes havia sonhado, mas as palavras do marquez desfizeram essa illusão.

Chegaram aos salões. Junto da filha mais nova do barão estava uma cadeira vazia, Clotilde foi-a occupar.

D. Francisquinha teria 15 annos quando muito, era elegante, e mais formosa que suas irmãs; tambem não tinha um ar tão malicioso como ellas, e poucas vezes as acompanhava nas suas críticas conversações.

― Quem é a sua modista, minha senhora, perguntou D. Francisca á outra menina apenas esta se assentou.

― Sou eu mesma, respondeu Clotilde.

― Pois que! ― tornou a outra menina com admiração, ― não manda fazer os seus vestidos no Porto, ou em Lisboa?

― Não minha senhora, porque depois não teria eu em que entreter o tempo.

― E entretem-a o trabalho?

― Quem não hade n'elle achar distracção, respondeu Clotilde, se não fosse o trabalho os dias me pareceriam annos.

― Pois a mim não me acontece o mesmo; eu não gosto do trabalho, e de mais não tenho tempo pata trabalhar. De manhã, levanto-me muito tarde, e tanto eu como as manas, almoçamos nos nossos quartos. Até ás 11 horas estamos ao toucador, depois vamos estudar as nossas lições de musica, aonde nos entretemos até ao jantar, que é quasi á noite; no fim do jantar vamos dár um passeio ao jardim; á noite temos sempre partida em nossa casa, e jogam até á meia noite. Já vê que não nos resta tempo para trabalhar.

― Ó Antoninha, olha como a tua irmã conversa com a senhora pensadora, dizia Margarida.

― Não que tu não podes fazer ideia da parvulez da Francisquinha, parece mesmo uma Maria d'aldeia. Estamos sempre a reprehendel-a, mas não toma emenda, conversa com todas as pessoas, sem se importar com a sua posição; e a gente deve distinguir-se, e não se rebaixar fallando com pessoas que não são da nossa gerarchia.

― Tens razão, e não deves consentir que ella tenha intimidade com aquella laponia. A tal D. Clotilde é a pessoa mais tola que tenho encontrado desde que vim do Porto.

― Eu que tenho vivido sempre na provincia admiro-me de ver uma pessoa tão pé de boi, que farás tu acostumada á fina educação da cidade? dizia D. Antonia.

Em quanto as duas meninas sustentavam esta conversação um pouco mordaz, entabolava-se um dialogo similhante entre D. Eugenia e o filho do barão.

― Está esta noite com muito mau gosto, snr. Eduardo! Dizer que a acha encantadora! essa não lh'a perdôo.

― Pois ainda estou pelo que disse, repetiu o mancebo, e havia de brilhar muito mais se a rara belleza de v. exc.a a não offuscasse bastante.

― Bonito; de mais a mais lisongeiro.

― Isto não é lisonja, minha senhora, é a pura verdade; e pode-me acreditar porque tenho voto na materia.

― Avaliando tudo pelo gosto que ha um instante manifestou, eu não lhe dava o meu voto se se quizesse arvorar em apreciador de formosuras.

― V. exc.a, não gosta da sobrinha do snr. Cunha?

― Quasi tanto como do tio.

A musica tocava uma polka.

― V. exc.a faz-me o favor de dançar comigo esta polka?

― Já tenho pár, snr. Eduardo, respondeu Eugenia.

― Quem é o feliz mortal?

― É o seu amigo Paulino.

― Como é uma infelicidade que agora não posso remediar, resigno-me, mas não dançarei.

― Oh! senhor eu agradeço muito essa fineza, mas peço-lhe que vá dançar.

― V. exc.a não pede, manda, e visto que manda obedecerei.