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o horror que lhe inspirava, na vida social de Lisboa, a inábil, descomedida e papalva imitação de Paris. Essa «saloia macaqueação», superiormente denunciada por ele numa carta que me escreveu em 1885, e onde assenta, num luminoso resumo, que «Lisboa é uma cidude traduzida do francês em calão»—tornava-se para Fradique, apenas transpunha Santa Apolônia, um tormento sincero. E a sua ansiedade perpétua era então descobrir, através da frandulagem do Francesismo, algum resto do genuíno Portugal.

Logo a comida constituía para ele um real desgosto. A cada instante em cartas, em conversas, se lastima de não poder conseguir «um cozido vernáculo!»—«Onde estão (exclama ele, algures) os pratos veneráveis do Portugal português, o pato com macarrão do século XVIII, a almôndega indigesta e divina do tempo das descobertas, ou essa maravilhosa cabidela de frango, petisco dileto de D. João IV, de que os fidalgos ingleses, que vieram ao reino buscar a noiva de Carlos II, levaram para Londres a surpreendente notícia? Tudo estragado! O mesmo provincianismo reles põe em calão as comédias de Labiche e os acepipes de Gouffé. E estamo-nos nutrindo miseravelmente dos sobejos democráticos do boulevard, requentados, e servidos em chalaça e galantina! Desastre estranho! As coisas mais deliciosas de Portugal, o lombo de porco, a vitela de Lafões, os legumes, os doces, os vinhos, degeneraram, insipidaram... Desde quando? Pelo que