quando por trás do jornal que eu encostara à garrafa assomou uma larga mancha clara, que era um colete, um peitilho, uma gravata, uma face, tudo de incomparável brancura. E uma voz muito serena murmurou: «Separamo-nos há anos no cais de Boulak...» Ergui-me com um grito, Fradique com um sorriso;—e o maître d’hôtel recuou assombrado diante da meridional e ruidosa efusão do meu abraço. Dessa noite em Paris datou verdadeiramente a nossa intimidade intelectual—que em oito anos, sempre igual e sempre certa, não teve uma intermissão, nem uma sombra que lhe toldasse a pureza.
Determinadamente lhe chamo intelectual, porque esta intimidade nunca passou além das coisas do espírito. Nas alegres temporadas que, com ele, convivi em Paris, em Londres e em Lisboa, de 1880 a 1887, na nossa copiosa correspondência desses anos privei sempre, sem reserva, com a inteligência de Fradique—e ininterrompidamente assisti e me misturei à sua vida pensante: nunca, porém, penetrei na sua vida afetiva de sentimento e de coração. Nem, na verdade, me atormentou a curiosidade de a conhecer—talvez por sentir que a rara originalidade de Fradique se concentrava toda no ser pensante, e que o outro, o ser sensível, feito da banal argila humana, repetia sem especial relevo as costumadas fragilidades da argila. De resto, desde essa noite de Páscoa em Paris que iniciou as nossas relações, nós conservamos sempre o hábito