no coração um desejo sem nome, um desejo ou uma saudade absurda, a saudade do céu, como dizia o dr. Gervásio, e que não era mais que a doida aspiração da artista incipiente, que germinava no seu peito fraco.
E aquela mesma mágoa parecia-lhe agora doce e embaladora, comparando-se à outra, a Sancha, da sua idade, negra, feia, suja, levada a ponta-pés, dormindo sem lençóis em uma esteira, comendo em pé, apressada, os restos parcos e frios de duas velhas, vestida de algodões rotos, curvada para um trabalho sem descanso nem paga!
Por que? Que direito teriam uns a todas as primícias e regalos da vida, se havia outros que nem por uma nesga viam a felicidade?
Sabia a história da Sancha: uma negrinha vinda aos sete anos da roça para a casa das tias, com sentido no pão e no ensino. Era dos últimos rebentões dessa raça que vai desaparecendo, como um bando de animais perseguidos.
E tudo dela repugnava a Ruth: a estupidez, a humildade, a cor, a forma, o cheiro; mas percebera que também ali havia uma alma e sofrimento, e então, com lágrimas nos olhos, perguntava a Deus, ao grande Pai misericordioso, porque a criara, a ela, tão branca