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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

Velleda. N’essa manhã o Titó, depois d’uma madrugada ás perdizes, em Valverde, apparecera na Torre para almoçar, urrando, d’esfomeado. Era sexta-feira — a Rosa preparára uma pescada com tomates, depois um bacalhau assado, formidaveis. E Gonçalo, toda a tarde torturado com sêde, mais resequido pela poeira da estrada, parou avidamente deante do portão da venda, gritou pelo Pintainho.

— Oh meu Fidalgo!...

— Oh Pintainho! depressa! Uma sangria! Uma grande sangria bem fresca, que morro...

O Pintainho, velhote roliço de cabello amarello, não tardou com o copo appetitoso e fundo onde boiava, na espumasinha do assucar, uma rodella de limão. E Gonçalo saboreava a sangria com ineffavel delicia — quando da janella terrea da venda partiu um assobio lento, fino e trinado, como os dos arrieiros que animam as bestas a beber nos riachos. Gonçalo deteve o copo, varado. Á janella assomára um latagão airoso, de face clara e suissas louras, que, com os punhos sobre o peitoril e a cabeça levantada, n’um descarado modo de pimponice e desafio, o fitava atrevidamente. E n’um lampejo o Fidalgo reconheceu aquelle caçador que já uma tarde, no logar de Nacejas, ao pé da Fabrica de vidros, o mirára com arrogancia, lhe raspára a espingarda pela perna, e ainda depois, parado sob a varanda d’uma rapariga