A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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de jaqué azul, lhe acenára chasqueando emquanto elle descia a ladeira... Era esse! Como se não percebesse o ultraje — Gonçalo bebeu apressadamente a sangria, atirou uma placa ao pobre Pintainho enfiado, e picou a fina egoa. Mas então da janella rolou uma risadinha, cacarejada e troçante, que o colheu pelas costas como o estalo d’uma vergasta. Gonçalo soltou a galope. E adiante, sopeando a egoa no refugio d’uma azinhaga, pensava, ainda tremulo: — «Quem será o desavergonhado?... E que lhe fiz eu, Santo Deus? que lhe fiz eu?...» Ao mesmo tempo todo o seu ser se desesperava contra aquelle desgraçado mêdo, encolhimento da carne, arrepio da pelle, que sempre, ante um perigo, uma ameaça, um vulto surdindo d’uma sombra, o estonteava, o impellia furiosamente a abalar, a escapar! Por que á sua alma, Deus louvado, não faltava arrojo! Mas era o corpo, o traiçoeiro corpo, que n’um arrepio, n’um espanto, fugia, se safava, arrastando a alma — emquanto dentro a alma bravejava!

Entrou na Torre, mortificado, invejando a afouteza dos seus moços da quinta, remoendo um rancor soturno contra aquelle bruto de suissas louras, que certamente denunciaria ao Cavalleiro e enterraria n’uma enxovia! — Mas, logo no corredor, o Bento lhe debandou os pensamentos, apparecendo