A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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mais branca que as brancas barbas, d’uma morta brancura de lapide, com os olhos resequidos e côr de braza, a latejar, a refulgir, como os dous buracos d’um forno. Com a mesma sinistra serenidade, tocou no hombro do velho Ramiro, que tremia arrimado ao seu chusso. E n’uma vagarosa e vasta voz:

— Amigo! cuida tu do corpo de meu filho, que a alma ainda hoje, por Deus! lh’a vou eu socegar!...

Afastou aquelles senhores emmudecidos d’assombro e d’emoção — e baixou pela gasta escada de madeira, que rangia sob o peso do enorme Rico-Homem carregado de ira e dôr.

N’esse momento, entre besteiros e serviçaes que se atropellavam — o corpo de Lourenço Ramires transpunha o portello das barbacans, segurado pelo formoso Leonel e por Mendo de Briteiros, ambos affogueados de lagrimas e rouquejando ameaças furiosas contra a raça de Bayão. Atraz o tropego Ordonho gemia, abraçado á espada de Tructesindo, que apanhára no chão do Terreiro e que beijava como para a consolar. Á borda do fosso uma aveleira espalhava a sombra leve n’um bronco taboão pregado sobre toros — d’onde, aos domingos, com o adanel dos besteiros, Lourenço dirigia os jogos de bésta e frecha, distribuindo fartamente as recompensas de bolos de mel e de vinho em picheis. Sobre essas taboas o estiraram — recuando todos depois, em quanto