sobre a sua vida, sem descanço, amontoava tristeza, vergonha e perda! E eis que subitamente um ferro faiscou na treva, com um abafado brado: — «Neto, doce neto, toma a minha lança nunca partida!...» E logo o punho d’uma clara espada lhe roçou o peito, com outra grave voz que o animava: — «Neto, doce neto, toma espada pura que lidou em Ourique!...» E depois uma acha de coriscante gume bateu no travesseiro, offertada com altiva certeza: — «Que não derribará essa acha, que derribou as portas d’Arzilla?...»
Como sombras levadas n’um vento transcendente todos os avós formidaveis perpassavam — e arrebatadamente lhe estendiam as suas armas, rijas e provadas armas, todas, atravez de toda a Historia, ennobrecidas nas arrancadas contra a Moirama, nos trabalhados cercos de Castellos e Villas, nas batalhas formosas com o Castelhano soberbo... Era, em torno do leito, um heroico reluzir e retinir de ferros. E todos soberbamente gritavam: — «Oh neto, toma as nossas armas e vence a Sorte inimiga!...» Mas Gonçalo, espalhando os olhos tristes pelas sombras ondeantes, volveu: — «Oh Avós, de que me servem as vossas armas — se me falta a vossa alma?...»
Acordou, muito cedo, com a enredada lembrança d’um pesadello em que fallára a mortos: — e, sem a preguiça, que sempre o amollecia nos colchões, enfiou um roupão, escancarou as vidraças. Que formosa