A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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manhã! uma manhã dos fins de Septembro, macia, lustrosa e fina; nem uma nuvem lhe desmanchava o vasto, o immaculado azul; e o sol já pousava nos arvoredos, nos outeiros distantes, com uma doçura outomnal. Mas, apesar de lhe respirar allentamente o brilho e a pureza, Gonçalo permaneceu toldado de sombras, das sombras da véspera, retardadas no seu espirito opprimido, como nevoas em valle muito fundo. E foi ainda com um suspiro, arrastando tristonhamente as chinellas, que puxou o cordão da campainha. O Bento não tardou com a infusa da agoa quente para a barba. E acostumado ao alegre acordar do Fidalgo tanto estranhou aquelle silencioso e enrugado mover pelo quarto, que desejou saber se o Snr. Doutor passára mal a noite...

— Pessimamente!

Bento declarou logo, com vivacidade e reprovação — que certamente fizera mal ao Snr. Doutor tanto cognac de moscatel. Cognac muito adocicado, muito excitante... Bom para o Snr. D. Antonio, homemzarrão pesado. Mas o Snr. Doutor, assim nervoso, nunca devia tocar n’aquelle cognac. Ou então, meio calice escasso.

Gonçalo ergueu a cabeça, na surpreza de encontrar logo ao começo do seu dia e tão flagrante, aquelle dominio que todos sobre elle se arrogavam — e de que tanto se lastimava, atravez de toda a amarga noite!