A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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um Açor enorme, que alargava as garras ferozes. Talvez aquellas terras outr’ora pertencessem á Casa: — ou algum dos seus avós beneficos construira a ponte, sobre torrente então mais funda, para segurança dos homens e dos gados. Quem sabe se o avô Tructesindo, em memoria piedosa de Lourenço Ramires, vencido e captivo nas margens d’aquella Ribeira!

O caminho, para além da ponte, alteava entre campos ceifados. As mêdas lourejavam, pesadas e cheias, por aquelle anno de fartura. Ao longe, dos telhados baixos d’um logarejo, vagarosos fumos subiam, logo desfeitos no radiante ceu. E lentamente, como aquelles fumos distantes, Gonçalo sentia que todas as suas melancolias lhe escapavam da alma, se perdiam tambem no azul lustroso... Uma revoada de perdizes ergueu o vôo d’entre o restolho. Gonçalo galopou sobre ellas, gritando, sacudindo o seu forte chicote de cavallo-marinho, que zenia como uma fina lamina.

Em breve o caminho torceu, costeando um souto de sobreiros, depois cavado entre silvados com largos pedregulhos aflorando na poeira; — e ao fundo o sol faiscava sobre a cal fresca d’uma parede. Era uma casa terrea, com porta baixa entre duas janellas envidraçadas, remendos novos no telhado e um quinteiro que uma escura e immensa figueira assombreava.